segunda-feira, 9 de setembro de 2019

COMO O PACOTE ANTICRIME PODE LEGALIZAR A PENA DE MORTE NO BRASIL

COMO O PACOTE ANTICRIME PODE LEGALIZAR A PENA DE MORTE NO BRASIL

Entenda os impactos das alterações na excludente de ilicitude previstas na proposta de Sérgio Moro

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04/09/2019Violência Institucional
Brasilia DF 02 07 2019 -Sergio Moro, ministro da Justiça e segurança Publica deu a declaração durante audiência na CCJ da Câmara. Site The Intercept divulgou supostas mensagens que teriam sido trocadas entre o ex-juiz e procuradores.foto Lula Marques
Brasilia DF 02 07 2019 -Sergio Moro, ministro da Justiça e segurança Publica deu a declaração durante audiência na CCJ da Câmara. Site The Intercept divulgou supostas mensagens que teriam sido trocadas entre o ex-juiz e procuradores.foto Lula Marques
Em 4 de fevereiro deste ano, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, encaminhou ao Congresso um amplo conjunto de medidas voltadas ao combate à criminalidade, popularmente conhecido como “Pacote Anticrime”.
Apesar de o apelido sugerir prevenção a atos ilícitos, a proposta não apresenta melhoras nas investigações e se concentra no endurecimento de penas e na redução de direitos a pessoas já presas, como a restrição à progressão de regime – quando a pessoa presa cumpre pena por tempo suficiente para passar do regime fechado para o regime semiaberto ou aberto, retornado à sociedade aos poucos. 
Movimentos sociais e organizações da sociedade civil vêm pressionando para que o projeto de lei se desidrate durante sua tramitação em grupos especiais de trabalho criados na Câmara dos Deputados para discutir o assunto.
Os parlamentares, no entanto, vêm resistindo aos inúmeros pedidos para retirar do texto a medida considerada mais problemática, na visão de especialistas em segurança pública: a ampliação das hipóteses de “excludente de ilicitude”, em especial, da legítima defesa.
Confira abaixo a avaliação de organizações da sociedade civil sobre a proposta:
AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil)
“Não concordamos com a utilização de expressões como “medo”, “surpresa” e “violenta emoção” para permitir ao juiz reduzir a pena ou até mesmo deixar de aplicar a pena, conforme proposta de inclusão do § 2º no art. 23 do Código Penal.” 
(…) 
“Sem embargo de a proposta ter o condão de fomentar as hipóteses de morte violenta, especialmente na atuação da polícia ostensiva, cabe notar que a expressão “violenta emoção” abrange ódio, ira, paixão, tristeza e mágoa, emoções que não devem ser aceitas como excludentes de excesso de legítima defesa. Essas emoções podem, isso sim, ser levadas em conta nas circunstâncias judiciais, para fins de dosimetria da pena.”
Defensoria Pública da União
“A legítima defesa é sempre uma reação caracterizada pela imediatidade. Não é possível um ataque para evitar suposta agressão futura e eventual nem um contra ataque após o fato, que representa a mera vingança. Exige-se, ademais, no ordenamento jurídico brasileiro, que essa reação seja proporcional. Não será, portanto, toda reação a uma injusta agressão que estará justificada, permitida. Se há um abuso dos meios necessários ao afastamento da agressão ou, ainda, se são utilizados meios excessivos, além dos que seriam necessários, então, não poderá ser a reação qualificada como legítima defesa .”
IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)
“A conjugação da flexibilização do excesso punível com a criação de uma agressão injusta automática, presumida pela mera declaração de que o agente teve medo ou estava emocionado, inverte de maneira ilógica e inadmissível a valoração dos bens jurídicos protegidos pelo sistema penal. Em outras palavras, na prática, a propriedade passa a ser mais importante que a vida ou a integridade física de alguém, subvertendo-se a lógica do ordenamento jurídico.”
Igarapé
“A proposta de inclusão do § 2o do art. 23 do Código Penal permite que o juiz deixe de aplicar a lei e a pena caso a situação envolva “violenta emoção, surpresa ou escusável medo”. Com esse trecho, o pacote do ministro Moro introduz novas figuras ao CP. Das três, a emoção é a única atualmente citada em lei, no seu art. 28, onde é entendido que nem emoção nem paixão são motivos para considerar uma pessoa inimputável. Não está claro como serão caracterizadas essas situações em casos concretos nos tribunais brasileiros. Uma questão a ser considerada é que ao juiz cabe interpretar e aplicar a lei, e não decidir se a mesma deve ou não ser aplicada. Além disso, é de se esperar que grande parte das situações que terminem por envolver o uso da violência naturalmente possuam aspectos de “medo, surpresa ou violenta emoção”, o que torna a decisão do juiz mais arbitrária e menos objetiva.”
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
“Em relação ao excesso doloso na legítima defesa, escusável medo, surpresa e violenta emoção, são “novidades que enfraquecem a resposta penal e, pior, podem funcionar como válvula de impunidade em casos graves”. Sobre a Legítima defesa de agente policial e de segurança pública: “A prevenção de agressão ou de risco de agressão à vítima mantida refém, pela subjetividade da situação, vai aumentar as ações policiais com morte. É um cheque em branco para ações letais sem paralelo no Estado brasileiro.”
Sou da Paz
“É importante destacar que a primeira grande iniciativa de combate ao crime anunciada pelo Executivo Federal tenha como objeto alterações legislativas. Sob sua coordenação o ministro Moro tem hoje seis secretarias (incluindo Segurança Pública, Operações Integradas, Política Sobre Drogas), a Polícia Federal (com 13 mil policiais), a Polícia Rodoviária Federal (com 10 mil policiais) e a Força Nacional de Segurança, além de ter agregado outras importantes estruturas de combate ao crime como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão responsável por importantes denúncias nos últimos anos. Além disso tem disponível um dos orçamentos mais robustos da Esplanada com mais de R$ 17 bilhões aprovados no orçamento federal de 2019. Entretanto, ao invés de apresentar seu plano de gestão de recursos, humanos e tecnológicos, e de investimentos para a segurança pública, insiste na receita desgastada e comprovadamente ineficiente de que o crime se resolve por meio da alteração da lei penal.”

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