Óleo no Nordeste: impacto deve durar algo em torno de dez anos
Por Lucas Reginato
Até o momento, não foi possível identificar de onde vem o óleo que desde o início de setembro atinge grande extensão do litoral do Nordeste. Quanto mais se espalha a substância, aliás, mais improvável é que se encontre a real origem. As estimativas indicam o possível local de origem do vazamento a cerca de 600 quilômetros de distância da praia, na altura dos estados de Alagoas e Sergipe.
Ficou mais difícil porque a corrente marítima sul equatorial atravessa a área contaminada logo antes de se dividir em duas outras correntes, que vão em direção ao Caribe e ao Sul do Brasil. Por isso já há notícia de praias afetadas desde o Piauí até a Bahia. Enquanto o presidente levanta suspeitas de que teria sido um ato criminoso, do governo da Venezuela ou de ONGs internacionais, população e especialistas se apressam para compreender e conter a sujeira.
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Para o geólogo Pedro Côrtes, esse é o maior desastre ambiental na história da costa brasileira. “Tudo indica que foi um transporte clandestino de petróleo, e que ocorreu algum incidente em alto mar”, diz ele, que também é professor da USP. “Não ajuda em nada ficar imaginando um complô. Temos que trabalhar inclusive com a possibilidade de isso voltar a acontecer, porque o comércio clandestino de petróleo existe, e não só em relação a Venezuela, mas de outros países que vem sofrendo embargos econômicos”, pondera.
Impactos vão além do que se pode ver
As imagens de praias paradisíacas manchadas e animais encobertos de óleo são apenas o que é visível aos olhos. A destruição é muito maior do que se pode ver, e o prejuízo se estende tanto no tempo quanto nas áreas atingidas — que vão muito além das sujas por óleo.
“O impacto deve durar algo em torno de dez anos, pelo menos, até que se restabeleça as condições presentes antes do acidente”, prevê Côrtes.
“Na praia é possível fazer remoção da areia contaminada, mas quando o óleo entra em manguezais, ou na foz dos rios, você pode drenar os sedimentos, mas junto com a areia contaminada serão removidas várias espécies vivas”, ele explica. “O que prejudica toda a cadeia ecológica que se estabelece a partir desses criadouros”.
O biólogo Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará, alerta que o impacto mais grave é sobre recifes de corais.
“É onde se fomenta toda a base alimentar para a cadeia marinha, e em contrapartida são muito sensíveis. Quando o óleo recobre o coral, impede a passagem de luz e as trocas de energia dependentes do sol, no caso das algas, que servem de alimentação para boa parte da cadeia marinha”, explica Fernandes.
O biólogo ressalta que há fração do óleo solúvel em água e que isso pode atrapalhar bastante, uma vez que "se o coral recebe essa fração, pode ter entupimento e morte dos pólipos, impactando toda a cadeia, inclusive o ser humano, porque essa contaminação é absorvida conforme as espécies se alimentam, sucessivamente”.
São chocantes as imagens de animais que chegam à praia agonizando, quando não mortos, e Fernandes alerta que o que não é visível aos olhos, novamente, é o que mais preocupa. Ele estima uma proporção de dez animais mortos que não vemos para cada um que vemos morto nas praias ou em alto-mar.
“Para cada animal morto na orla, outros dez morreram em alto mar. Quando a gente vê uma tartaruga morta na praia, outras dez morreram atrás e ninguém vai ver. O tamanho desse rombo é enorme e a gente precisa de décadas de recuperação”, explica ele.
Côrtes informa ainda que há outra característica do óleo vazado que dificulta a identificação e contenção do material: é mais denso, e não fica na superfície.
"A camada de água sobre ele atrapalha a visualização em voos e mesmo por satélite, só conseguimos perceber quando se aproxima da costa. É um contexto muito específico”, lamenta.
Perigos à saúde e à economia do país
Os especialistas concordam que o governo demorou a agir, e que deverá tomar medidas não só para recuperar o meio ambiente, mas na proteção dos brasileiros sobre alimentos que vêm de regiões afetadas. “Você pode ter animais que venham a se contaminar. Isso tem que ser identificado nos processos de comercialização, uma fiscalização e análise para ver em que medida as espécies de peixes e crustáceos podem ter sido contaminadas”, afirma Hugo Fernandes. “O que a gente percebe é que o governo ficou boa parte do tempo como espectador”.
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