As caixas-pretas que a Ditadura insiste em guardar por Bruno Fonseca
Levaram impressionantes 35 anos desde o fim da Ditadura para que a matéria desta quarta-feira pudesse ser escrita pelo repórter Rafael Oliveira e por mim. Por razões injustificáveis, permaneciam escondidos dos brasileiros os beneficiários de pensões de agentes públicos acusados de crimes durante o Regime Militar — pagamentos feitos com o dinheiro do próprio cidadão.
Estavam nas sombras figuras como Cecil de Macedo Borer, ex-diretor do temido Dops da Guanabara, no Rio. Foi sob a sua direção que perseguidos pela Ditadura eram levados à delegacia, sob acusações genéricas como “envolvimento em atividades subversivas”, para saírem desmaiados de interrogatórios ou amanhecerem mortos no pátio. Cecil deixou uma pensão vitalícia à sua viúva, que no último mês de dezembro custou R$ 29 mil aos cofres públicos.
Eu já havia tentado investigar esses dados anteriormente, em 2018, quando minha pauta foi escolhida pelos apoiadores de uma de nossas campanhas de crowdfunding. A proposta era buscar quem eram os beneficiários de pensões de militares, assim como havia feito junto à repórter Caroline Ferrari com as herdeiras do alto escalão do Judiciário. A reportagem, contudo, esbarrou na falta de transparência do governo brasileiro. À época, o Ministério da Defesa negou o pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela Pública e por outros veículos, afirmando que a publicação desses dados feria sigilo pessoal.
Foram precisos três anos para que a agência de dados independente Fiquem Sabendo conseguisse, através de uma batalha judicial, obrigar o governo a divulgar a lista completa de pensionistas. Obrigação comemorada de forma hipócrita pelo presidente Jair Bolsonaro como se fosse um feito de sua gestão — como bem sabemos, marcada pela falta de transparência e constante desrespeito ao jornalismo.
A verdade é que a Ditadura Militar brasileira acabou, mas não teve fim. Há centenas de reportagens que precisam ser escritas, mas que esbarram nas caixas-pretas que o Estado segue sem abrir. Em tempos de um revisionismo histórico descompromissado com os fatos, é ainda mais importante narrar as histórias dos vencidos, como dizia Walter Benjamin, para contrapor à versão dos que glorificam velhos algozes.
É nesse sentido que memórias como a do tenente-coronel Vicente Sylvestre tornam-se ainda mais fundamentais para serem narradas. Em 1975, ele foi levado de sua casa, nos arredores do Butantã, para viver durante três meses o inferno do DOI-Codi paulistano, acusado de envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. Vicente, que me recebeu ano passado em uma simpática casa abarrotada de livros e quadros pintados por sua neta, entrou para a triste lista dos 6.591 militares perseguidos pelo regime — outra narrativa sobre a Ditadura que o Estado Brasileiro tentou apagar, mas que nós, da Pública, seguimos revelando.
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