quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

As caixas-pretas que a Ditadura insiste em guardar

      
As caixas-pretas que a Ditadura insiste em guardar 
por Bruno Fonseca
                                                            
Levaram impressionantes 35 anos desde o fim da Ditadura para que a matéria desta quarta-feira pudesse ser escrita pelo repórter Rafael Oliveira e por mim. Por razões injustificáveis, permaneciam escondidos dos brasileiros os beneficiários de pensões de agentes públicos acusados de crimes durante o Regime Militar — pagamentos feitos com o dinheiro do próprio cidadão.
Estavam nas sombras figuras como Cecil de Macedo Borer, ex-diretor do temido Dops da Guanabara, no Rio. Foi sob a sua direção que perseguidos pela Ditadura eram levados à delegacia, sob acusações genéricas como “envolvimento em atividades subversivas”, para saírem desmaiados de interrogatórios ou amanhecerem mortos no pátio. Cecil deixou uma pensão vitalícia à sua viúva, que no último mês de dezembro custou R$ 29 mil aos cofres públicos.
Eu já havia tentado investigar esses dados anteriormente, em 2018, quando minha pauta foi escolhida pelos apoiadores de uma de nossas campanhas de crowdfunding. A proposta era buscar quem eram os beneficiários de pensões de militares, assim como havia feito junto à repórter Caroline Ferrari com as herdeiras do alto escalão do Judiciário. A reportagem, contudo, esbarrou na falta de transparência do governo brasileiro. À época, o Ministério da Defesa negou o pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela Pública e por outros veículos, afirmando que a publicação desses dados feria sigilo pessoal.
Foram precisos três anos para que a agência de dados independente Fiquem Sabendo conseguisse, através de uma batalha judicial, obrigar o governo a divulgar a lista completa de pensionistas. Obrigação comemorada de forma hipócrita pelo presidente Jair Bolsonaro como se fosse um feito de sua gestão — como bem sabemos, marcada pela falta de transparência e constante desrespeito ao jornalismo.
A verdade é que a Ditadura Militar brasileira acabou, mas não teve fim. Há centenas de reportagens que precisam ser escritas, mas que esbarram nas caixas-pretas que o Estado segue sem abrir. Em tempos de um revisionismo histórico descompromissado com os fatos, é ainda mais importante narrar as histórias dos vencidos, como dizia Walter Benjamin, para contrapor à versão dos que glorificam velhos algozes.
É nesse sentido que memórias como a do tenente-coronel Vicente Sylvestre tornam-se ainda mais fundamentais para serem narradas. Em 1975, ele foi levado de sua casa, nos arredores do Butantã, para viver durante três meses o inferno do DOI-Codi paulistano, acusado de envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. Vicente, que me recebeu ano passado em uma simpática casa abarrotada de livros e quadros pintados por sua neta, entrou para a triste lista dos 6.591 militares perseguidos pelo regime — outra narrativa sobre a Ditadura que o Estado Brasileiro tentou apagar, mas que nós, da Pública, seguimos revelando.
Bruno Fonseca é repórter da Agência Pública.
Rolou na Pública
Angola. No último domingo, publicamos reportagens da série Luanda Leaks, que investigou os negócios da empresária Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. O projeto foi realizado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual a Agência Pública participa. A revista piauí e o site Poder360 também participaram da investigação.

Nossa reportagem revela que um inquérito da Polícia Federal acusa um político próximo do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos e sua filha Isabel dos Santos de lavar dinheiro de corrupção no Nordeste. A história foi republicada até agora por 11 veículos, incluindo Ig, Exame e Carta Capital.

Além de colaborações transnacionais para produzir reportagens, a Pública tem aumentado as republicações em veículos estrangeiros. Em 2019, 114 veículos de fora do Brasil publicaram nossas matérias. Ao todo, foram 247 republicações em 26 países. 
Novas dos Aliados
 
Começamos com 2020 com tudo! O fim de ano de 2019 e o começo de 2020 foram muito bons para o Programa de Aliados da Pública. Somos cada vez mais aliados do jornalismo investigativo e estamos arrecandando neste momento a maior quantia de doações desde o início do projeto, em maio. Muito obrigado por acreditar em nosso trabalho!
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