Um tapa na cara dos brasileiros
O tapa na cara dos brasileiros veio no domingo, quando o presidente compareceu à manifestação por ele convocada enquanto o Ministério da Saúde alertava a população sobre o risco das aglomerações. O isolamento social é a principal arma para evitar o contágio exponencial, como disse ontem o ministro da Saúde, colocando unicamente nas mãos da população a responsabilidade de controlar a epidemia. Recursos como testes massivos, e segregação em ambientes próprios, fora do ambiente familiar, não serão utilizados aqui, embora tenham se mostrado estratégicos na Coréia do Sul, até o momento o melhor exemplo de gestão da pandemia.
Aqui todos assistiram perplexos o presidente relativizar o perigo - ao ponto de romper sua própria quarentena para apertar a mão de apoiadores e pegar em celulares para selfies. Segundo uma análise feita pelo Estadão, naquele dia Bolsonaro teve contato direto com pelo menos 272 pessoas, manuseou 128 celulares e cumprimentou 140 pessoas.
Isso enquanto esperava para fazer o segundo teste de coronavírus, oficialmente justificado pelo alto índice de casos confirmados na comitiva que foi para Miami, quando os Estados Unidos já registrava mortes pela epidemia. Até essa quinta-feira à noite, já havia 18 casos confirmados entre os que estiveram com Bolsonaro nos Estados Unidos.
Informada pela “maldita” imprensa, a população foi se dando conta do tamanho do embuste - e do descaso absoluto do presidente com a vida dos brasileiros. Gritos e panelas ecoaram pelo país com as pessoas recolhidas em suas casas, cientes de que contam apenas consigo mesmas e com os profissionais de saúde para enfrentar uma calamidade - agravada pelo sucateamento do SUS e pelo aprofundamento da pobreza e da precariedade do trabalho, promovidas pelas políticas deste governo.
Um caso revela a perversidade da epidemia no desamparo que se encontra o país, corroído pela desigualdade e pela irresponsabilidade contagiosa. Na segunda-feira seguinte ao ato a favor de Bolsonaro, uma senhora de 63 anos, “muito querida e trabalhadora”, como contou sua filha à repórter Mariana Simões, dava entrada no Hospital Municipal Luiz Gonzaga, em Miguel Pereira, subúrbio do Rio. Sua patroa tinha retornado da Itália e estava em quarentena, mas não contou à empregada doméstica, que trabalhou normalmente até adoecer. O hospital só foi informado pela Secretaria de Saúde do exame positivo da patroa no dia 17, mesmo dia em que a empregada faleceu.“Se as informações tivessem chegado mais cedo talvez a gente tivesse como mudar a história clínica”, disse o diretor do hospital para a repórter.
A morte da empregada doméstica foi o segundo caso de óbito por coronavírus confirmado no Estado do Rio até ontem. Nenhum dos casos estava entre os suspeitos nas estatísticas do Ministério da Saúde. “A gente trabalha com uma parte da informação”, disse o ministro na coletiva, que também falou em mudança na divulgação dos números anunciando que a plataforma do coronavírus do ministério, acessada ontem por 23 milhões de pessoas, ficará fora do ar enquanto se decide como isso será feito. O que só aumenta a tensão da população com a confiança já abalada pela irresponsabilidade do presidente.
Uma pesquisa divulgada ontem mostrou que 64% dos entrevistados reprovam a gestão do coronavírus pelo governo e 45% disseram apoiar o impeachment. Se há algo positivo para aprender com essa calamidade, além de lavar bem as mãos, é o valor de escolher alguém que acredita em democracia, transparência e evidências científicas para conduzir o país.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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O que você perdeu na semana
Risco a profissionais de saúde. Na linha de frente do combate ao coronavírus, profissionais da saúde vivem rotina de tensão e insegurança ao cuidar dos doentes. Ouvidos pela reportagem da BBC Brasil, eles temem escassez de leitos, insumos e profissionais para atender às demandas nos hospitais. "Mesmo com o material de proteção adequado, me senti temerosa e totalmente vulnerável. O vírus pode ser transmitido por gotículas e eu tive de ficar extremamente próxima a ele para examiná-lo", relata infectologista, sobre um de seus atendimentos. O avanço silencioso da doença. Uma análise estatística do primeiro grande surto do novo coronavírus, na China, indica que quase 90% das pessoas doentes passaram despercebidas quando ainda não havia restrições de viagens em território chinês. O resultado, que acaba de ser publicado na revista especializada Science, indica que o grande avanço da doença pelo país e pelo mundo ocorreu, em grande parte, por causa do movimento de pessoas com sintomas relativamente leves ou mesmo sem sintomas. Coronavírus e a globalização. Em artigo publicado na revista Time, o filósofo e escritor Yuval Harari defende que o verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas sim a cooperação. “Dizem que a única maneira de se prevenir contra epidemias é ‘desglobalizar’ o mundo, construindo muros, restringindo viagens, reduzindo o comércio. No entanto, enquanto quarentenas no curto prazo são importantes para interromper as epidemias, o isolamento no longo prazo nos levará a um colapso econômico, sem oferecer nenhum tipo de proteção real contra doenças", afirma.
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Primeira morte no Rio de Janeiro. Empregada doméstica foi a primeira vítima fatal do coronavírus no Estado do Rio de Janeiro, no município de Miguel Pereira. Ela não foi avisada pela patroa que estava convivendo com alguém doente. Segundo diretor do hospital, a empregadora estava de quarentena, mas ninguém sabe quando ela teve o resultado positivo para o vírus.
Impacto nos mais pobres. Em entrevista à Pública, a pesquisadora da UFMG Débora Freire defende a expansão de gastos do governo no curto prazo, o que significa mexer na meta fiscal. Débora, juntamente com os pesquisadores Edson Domingues e Aline Magalhães, também da UFMG, fez um estudo de impacto da crise e concluiu que as famílias de menor renda, entre 0 e 2 salários mínimos, serão as mais afetadas.
Trabalho informal na pandemia. Diaristas, motoristas de aplicativos, vendedores ambulantes e outros trabalhadores informais já sentem os impactos do coronavírus, mas são obrigados a escolher entre obter renda e se proteger. “Se eu ficar em casa, como é que eu vou sobreviver, como é que eu vou me manter, se eu não estiver nas ruas para trabalhar? A televisão mandou a gente trabalhar de casa, mas eu me pergunto, eu vou trabalhar em casa em quê?" questiona entrevistada.
Alerta nas prisões. Levantamento da Pública revela mais de 10 mil casos confirmados de tuberculose entre detentos no Brasil em 2018. Um recorde histórico, em números absolutos, nos últimos dez anos. É neste cenário que o coronavírus poderá se instalar nos presídios.
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Morte de Herzog e o MPF. Nesta terça-feira (17), o Ministério Público Federal denunciou seis pessoas pelo assassinato de Vladimir Herzog e por terem forjado o suicídio do jornalista, torturado no DOI-Codi de São Paulo, durante a ditadura. Os denunciados poderão responder na Justiça Federal pelos crimes de homicídio, fraude processual e falsidade ideológica.
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