quarta-feira, 20 de maio de 2020

Newsletter dos Aliados: Coronavírus coloca em risco as memórias ancestrais do povo Guajajara


Chegamos à 50º edição da Newsletter dos Aliados! Para celebrar, inauguramos a seção Cartas dos Aliados, um espaço dedicado às reflexões e opiniões de vocês. Para participar, responda a este email com um breve comentário. Toda semana vamos selecionar alguns deles para aparecer na newsletter.

Hoje trazemos também um texto especial direto do Maranhão, no qual o fotógrafo Genilson Guajajara conta sobre a chegada do coronavírus em sua terra indígena. Nós já conhecemos os desafios de fazer isolamento social em nossas casas, mas e numa aldeia? Genilson conta que não é possível realizar os encontros e rituais onde os conhecimentos ancestrais são repassados dos anciãos para os jovens, o que coloca em risco essas práticas e a sabedoria que carregam. A foto abaixo também é de sua autoria.

Um abraço,

Giulia Afiune
Editora de Audiências
    Coronavírus coloca em risco as memórias ancestrais do povo Guajajara
por Genilson Guajajara
 
O povo Guajajara e outros povos originários do Brasil lutam pela sua sobrevivência desde 1500, quando os portugueses invadiram nossos territórios. Até hoje somos ameaçados, mas por outros grupos como madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e políticos ruralistas que tentam tirar os direitos dos nossos povos.

Dentro das nossas comunidades temos conhecimentos milenares que têm sido repassados de pai para filho, de avós para netos e assim sucessivamente. Mas agora, nossa história e conhecimentos estão ainda mais ameaçados pelo coronavírus, um novo inimigo que age silenciosamente mas de forma devastadora nos povos originários.

No final de março, quando ainda não havia nenhum caso confirmado no Maranhão, os profissionais do polo base de saúde indígena de Santa Inês, responsável pela Terra Indígena Rio Pindaré, já começaram a dar orientações e a alertar sobre o perigo iminente de um surto nas aldeias. A TI Rio Pindaré é próxima a áreas urbanas, então muitos indígenas que nela vivem não tiram seu sustento da terra e precisam buscar alimentos e outras necessidades básicas fora das aldeias. Por isso, os profissionais orientaram exaustivamente sobre as precauções que todos deveriam tomar quando iam para a cidade.

O coronavírus chegou à nossa Terra Indígena no início de maio, quando foi confirmado o primeiro caso da Covid-19 – hoje já há 10 casos confirmados e mais 20 suspeitos dentro do nosso território.

Quando qualquer pessoa apresenta sintomas de gripe, o caso é classificado como suspeito de Covid-19 e a equipe de saúde vai até sua casa para fazer uma avaliação clínica. O paciente fica em observação por dez dias e, persistindo os sintomas, ele é encaminhado ao hospital do município para fazer o teste.

A nossa equipe multidisciplinar de saúde indígena tem 19 pessoas, responsáveis pelo atendimento de 1.300 indígenas que vivem em 8 aldeias da Terra Indígena Rio Pindaré. Até agora, 7 profissionais (4 agentes de saúde indígena, 2 técnicos de enfermagem e um motorista) tiveram que se afastar por apresentarem sintomas gripais ou suspeitos de Covid-19, ou por testarem positivo para a doença. A equipe, que já era limitada, está ainda mais reduzida, com risco real de ficarmos sem cobertura médica.

Os equipamentos de proteção individual também são limitados – há máscaras cirúrgicas, aventais, toucas e luvas de procedimento, mas em quantidade insuficiente, e eles não têm viseiras e nem óculos de proteção. Falta álcool 70% e acabaram as medicações para hipertensos e diabéticos. Tudo isso facilita a propagação do vírus, colocando em risco tanto a equipe de saúde quanto os indígenas.

Desde o início, os caciques e lideranças fizeram o possível para evitar a contaminação: suspenderam as atividades, passaram a monitorar as entradas das aldeias e adotaram medidas de isolamento. Mas colocar isso em prática inclui grandes desafios, como conscientizar as pessoas da comunidade a ficarem em seus lares e cumprirem o isolamento social.

Uma das dificuldades é que algumas famílias que estão em isolamento vivem do roçado e da pesca e não podem buscar seu sustento fora de casa. O governo federal prometeu distribuir cestas básicas para as famílias indígenas, mas elas nunca chegaram à Terra Indígena Rio Pindaré. O auxílio emergencial oferecido pelo governo também causou temor porque os indígenas poderiam ser infectados nas filas e aglomerações de pessoas, o que levou as lideranças, assistentes sociais e agentes de saúde a se articularem para elaborar estratégias que evitassem essa exposição.

Eu tento levar uma vida normal, mas é complicado. Fico bastante preocupado com minha família e meus parentes. Minha avó tem 99 anos e é uma das anciãs mais velhas aqui da minha aldeia. Quando vou fotografar um ancião como ela, sempre gosto de ouvir as histórias sobre o nosso território, de como eles se organizavam antigamente – isso me inspira.

Mas o distanciamento social impede nossas rodas de conversas com os anciãos e os rituais festivos nos quais os conhecimentos milenares são repassados para os jovens. Essas práticas de ensino – e toda a sabedoria que elas carregam – estão em risco com a chegada da Covid-19 dentro das nossas comunidades.
Genilson Guajajara é fotógrafo e vive na Terra Indígena Rio Pindaré, no Maranhão. 
Rolou na Pública
Jornalistas em meio à pandemia. Na semana passada, publicamos uma reportagem sobre a situação dos jornalistas pelo Brasil: demissões, risco de contaminação, sobrecarga de trabalho, cortes de salário e agressões do presidente afetam repórteres do país todo. A matéria foi citada na newsletter Farol Jornalismo, especializada na área, e em um texto no Medium sobre a cobertura do coronavírus e os veículos independentes. Foi republicada na Carta Capital, IG, Polígrafo (Portugal) e Outras Palavras.

Impactos reais. No fim de abril, revelamos que a Rede Laureate estava usando robôs para corrigir atividades do ensino à distância sem comunicar os alunos. Na semana passada, apuramos que a empresa demitiu 90 professores do EAD. Com base na reportagem que revelou o uso de robôs, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça notificou a FMU e a Anhembi Morumbi pelo uso de inteligência artificial sem o conhecimento dos alunos. Após a publicação da reportagem sobre a demissão dos professores, o Deputado Estadual Carlos Giannazzi enviou à Procuradoria-Geral do Trabalho do Estado de São Paulo um pedido de investigação das demissões em massa.  
Amei o podcast "A Vida Nos Tempos do Corona". Nos ensina, nos dá visão, amplia nossa consciência. Obrigada.
Nane Oliveira, São João del Rei (MG)
 
Vocês trabalham demais, rs. Parabéns pelo trabalho, e cuidem-se. Um feliz Dia dos Jornalistas atrasado e que continuem tendo essa incrível capacidade de pensar nessas pautas e tocar em assuntos que quase ninguém fala. Aqui quem fala é um estudante de jornalismo, logo o trabalho de vcs é uma inspiração para mim.
Luis Cesar Pessanha Pereira, Rio de Janeiro (RJ)
Novas dos Aliados
 
Entrevista dos Aliados. Publicamos a entrevista com a ativista boliviana Julieta Paredes, uma das mais votadas na enquete para a Entrevista dos Aliados de fevereiro! A conversa ocorreu em março, mas a publicação foi adiada devido à edição especial da Entrevista dos Aliados sobre coronavírus, com a médica Margareth Dalcolmo, da Fiocruz. Confira todas as edições da Entrevista dos Aliados. 
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