sexta-feira, 5 de junho de 2020

A Pública: newsletter dos aliados


Milhares de americanos têm ido às ruas desde semana passada para protestar contra o racismo e a violência policial. No Brasil, esse tema também entrou na pauta de protestos recentes, embora eles estivessem mais focados na defesa da democracia frente aos ataques do presidente. Mas como esses protestos se relacionam com o coronavírus?

Na newsletter de hoje, a repórter Rute Pina explica que o coronavírus é mais letal entre as populações negras, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Essa é mais uma face do racismo estrutural, que também permite que a violência policial contra negros continue brutal nos dois países, mesmo no meio de uma pandemia.

Como você vê os recentes protestos no Brasil e os Estados Unidos? Mande seu comentário ou reflexão – nós iremos publicar alguns deles nas "Cartas dos Aliados".

Um abraço,

Giulia Afiune
Editora de Audiências
#VidasNegrasImportam – e dados raciais também 
por Rute Pina
 
Quando entrevisto especialistas em estudos raciais, gosto de perguntar: “por que é importante trazer o recorte de raça para esse problema?”. Faço esse questionamento porque as respostas são lembretes de como funciona o racismo estrutural. E para me antecipar à enxurrada de comentários, como “isso é uma questão de classe, de desigualdade social, de pobreza, não de raça”.

Assim que publiquei no meu perfil do Twitter a reportagem “Em duas semanas, número de negros mortos por coronavírus é cinco vezes maior no Brasil”, que escrevi para a Pública com meus colegas Bianca Muniz e Bruno Fonseca, um usuário chamado Alexandre chamou nosso levantamento de “idiota e insensível” e disse que “a vida é mais importante que a cor da pele!”. Outro chamado Tiago não demorou muito para dizer que “vírus não escolhe cor”. Uma outra conta, que mais me parecia um robô, disse que a reportagem era “vitimismo”: “Agora vão processar e prender o vírus racista.”

Também tivemos muitos retornos positivos, claro. Mas as respostas acima mostram o quanto ainda é incômodo demonstrar que a "democracia racial" no Brasil é um mito, e por que é importante fazer justamente isso.

Mostramos na reportagem que, naquele momento, bairros com maior população negra em diferentes cidades tinham um número maior de mortes. E provamos que o número de mortes em decorrência da Covid-19 estava crescendo mais entre negros do que entre brancos. Quando escrevemos a reportagem usando dados de 26 de abril, 45,2% dos pacientes que haviam morrido pelo novo coronavírus eram negros. Um mês depois, em 25 de maio, negros já representavam 57% das vidas perdidas.

Apesar desses dados serem alarmantes, o Governo Federal não divulga outros dados raciais importantes. Não sabemos, por exemplo, quantos casos foram confirmados por raça ou quantos testes foram feitos em negros, brancos e outros grupos.

E o governo brasileiro quer que isso permaneça assim. Após o Instituto Luiz Gama e a Defensoria Pública da União pedirem que o item "raça/cor" do paciente fosse obrigatoriamente preenchido nos prontuários das unidades de saúde, a Justiça concedeu ao Ministério da Saúde o direito de não divulgar essas informações. O Ministério disse que “agentes de saúde não poderiam repentinamente ser obrigados a modificar suas atividades para promover o cumprimento” do pedido e que não há estudos que apontem a raça como fator de risco para a Covid-19.

Em abril, na reunião de pauta em que discutimos essa reportagem, mencionamos que alguns veículos nos EUA, como o New York Times, já tinham constatado a desproporcional letalidade do coronavírus na população negra. Agora, escrevo esse texto assistindo­ às imagens de protestos antirracistas em frente à Casa Branca. Vendo enormes manifestações tomando corpo nos EUA – no que a imprensa já chama de “maior onda de protestos raciais desde o assassinato de Martin Luther King”– em repúdio ao assassinato de George Floyd (46 anos) em Minneapolis por um policial branco.

Na reportagem publicada há um mês, o pesquisador Daniel Teixeira já alertava que os números da Covid-19 revelavam que o racismo é uma a doença endêmica nos EUA e no Brasil. “Não à toa que um dos movimentos mais fortes dos EUA hoje é o Black Lives Matter, as vidas negras importam. Essa afirmação se dá porque a morte [da população negra], desde sempre, e cada vez mais, é vista como parte da paisagem social.”

Não era nenhuma premonição. Ativistas, acadêmicos, pesquisadores, e militantes sempre denunciaram a violência e o racismo como estruturais. No Brasil, uma semana antes do assassinato de Floyd, o adolescente João Pedro Matos (14 anos) foi assassinado dentro de casa por policiais militares. Aqui, a reação também ocorreu com atos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Há muitas diferenças nos processos históricos dos EUA e do Brasil. Lá, por exemplo, a segregação territorial foi definida juridicamente, com leis estaduais e municipais criadas no fim do século 19 e que vigoraram até a década de 1960. Já no Brasil, essa segregação territorial também ocorreu mesmo sem uma legislação específica para isso – o que contradiz o mito do nosso “pacífico” processo de miscigenação do qual grande parte da população ainda se orgulha, equivocadamente.

Apesar das especificidades, lá e aqui o racismo é parte de um sistema estrutural, e o coronavírus deixa isso ainda mais claro. Pessoas negras e seus territórios estão sujeitos à grande incidência e à alta letalidade do coronavírus, à falta de acesso aos sistemas de saúde e à violência policial sistêmica, que continua brutal mesmo no meio de uma pandemia.

Ou seja, os protestos que ocorrem lá e aqui não são mera coincidência. Do conforto do home office, pode parecer difícil entender por que as pessoas estão arriscando suas vidas para sair às ruas em meio à pandemia. Mas o que leva os movimentos antirracistas e antifascistas às ruas não é o negacionismo que motiva grupos bolsonaristas e neofascistas. Pelo contrário, é a realidade. “Morrer de coronavírus ou de tiro?”, questionava um dos cartazes levantados na manifestação deste domingo, em Laranjeiras, no Rio.

Mesmo com diferentes métodos, o movimento negro estadunidense e o brasileiro sempre foram combativos, atuantes. Ambos. Aqui, a lista de atos de resistência inclui desde a formação dos quilombos, como Palmares, até a luta pela abolição e a atual exposição das nuances do racismo dentro de uma sociedade que sempre se acreditou cordial e miscigenada. E é o movimento negro que também luta, há muitos anos, contra a histórica falta de pesquisas e estatísticas sobre raça.

Sem essas informações detalhadas, não podemos identificar quem são as populações vulneráveis para, justamente, expor e tentar curar essas fraturas. É preciso dizer: vidas negras importam. E, por isso, os dados raciais, também.
Rute Pina é repórter da Pública. 
Rolou na Pública
ONU alerta sobre minorias na pandemia. A reportagem que deu origem ao texto da newsletter de hoje teve, até agora, 24 republicações, inclusive em sites da América Latina, como a revista Semana, da Colômbia, Animal Político, do México, e Convoca, do Peru. Além disso, tem sido bastante mencionada em artigos, reportagens e entrevistas sobre o tema. Ontem, a ONU fez um alerta sobre o impacto do coronavírus em minorias raciais e étnicas.

Conheça os pedidos de impeachment. Na segunda-feira lançamos uma ferramenta que explica os pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro e inclui entrevistas exclusivas com seus autores. O especial foi recomendado na newsletter Meio e teve destaque entre as recomendações de notícias do Twitter.

Telemarketing na pandemia. Na semana passada, publicamos reportagem sobre a situação dos operadores de telemarketing em meio à pandemia. A reportagem saiu no Poder360, no Outras Palavras e Sul 21. O Jornal da Tarde, da TV Cultura, publicou reportagem sobre o mesmo tema.  
Maravilhosa reportagem. Ouço frequentemente o Nicolelis. O projeto Mandacaru, que ele menciona, foi um sucesso acho que nos anos 2010/2011. Meus parabéns a todos vocês da Pública. Um abraço da aliada,
Maria Teresa Baldas, Rio de Janeiro (RJ)

Muito obrigado pelo trabalho de organização dos pedidos de impeachment.
Daniel Wallace, Florianópolis (SC)
Novas dos Aliados
 
Entrevista dos Aliados. Ainda não leu a nossa entrevista exclusiva com o neurocientista Miguel Nicolelis, feita a pedido dos Aliados? Nela, o coordenador do comitê científico de combate ao coronavírus no Nordeste defende que o lockdown é a única saída para evitar uma catástrofe no Brasil. Mesmo assim, estados e municípios estão indo na contramão da recomendação científica e começando um processo de reabertura.
Ainda não é aliado? Clica aqui! :)
Nossas redes
Facebook
Twitter
YouTube
Instagram

Nenhum comentário:

Postar um comentário