terça-feira, 28 de julho de 2020

A Pública, em 03/7/2020

As armas dos indígenas para enfrentar o genocídio
 
Ontem, quinta-feira, às 12h06, os números da Covid-19 entre os povos indígenas davam a dimensão do massacre: 408 óbitos e 10.341 casos confirmados de infecção por coronavírus, que já atinge 121 das 305 etnias. Também impressiona o fato de que a gente só saiba disso por iniciativa dos próprios indígenas. Desde maio,  a APIB - Associação dos Povos Indígenas do Brasil -, faz um levantamento independente dos dados oficiais, através de informações trazidas pelas lideranças e pelo Comitê Nacional de Vida e de Memória Indígena, formado por indígenas e especialistas para tentar controlar a evolução da doença, que ameaça exterminar etnias inteiras. 
No mesmo dia 2 de julho, a Sesai - que se limita a registrar casos e óbitos entre os indígenas aldeados (os que vivem em Terras Indígenas), contabilizava 158 mortes, pouco mais de um terço do total levantado pela Apib. Ontem, um estudo coordenado pela Universidade de Pelotas comprovou o que diziam os indígenas desde o início da pandemia: a prevalência de Covid-19 entre a população indígena urbana (5,4%) é 5 vezes maior do que entre a população branca (1,1%). O que não significa que os aldeados estão protegidos. Na região amazônica, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a taxa de mortalidade pela doença por 100 mil habitantes entre indígenas é 150% maior que a média nacional.
Diante do genocídio em curso, que tem despertado a preocupação mundial, expressa em discursos do presidente da OMS, do Papa, da ONU - mas não do governo brasileiro-, os indígenas se mobilizaram para propor uma Arguição de Desrespeito a Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal “para obrigar o governo a não nos deixar morrer”, como escreveu o advogado Eloy Terena em artigo na Folha de São Paulo. Eloy, um dos nove advogados indígenas que assina a ADPF, explicou por que eles decidiram apelar para esse “recurso inusual”, que tem “por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, segundo o artigo 102 da Constituição”: fazer com que “o governo exerça a sua obrigação de cuidar de nossa segurança e saúde”, expulsando os invasores das terras indígenas, criando barreiras sanitárias para evitar o contágio proveniente de outras regiões, e reforçando a mais do que precária situação da saúde indígena, com equipamentos e profissionais nos locais em que eles vivem. Nas terras onde vivem 23 mil Xavante, por exemplo, que já tem cem casos confirmados da doença e acumularam 9 mortes em 24 horas no último fim de semana, não há nenhum hospital de campanha. 
documento de 80 páginas, protocolado pelos advogados indígenas no STF na segunda-feira passada, obteve o suporte de partidos políticos - Rede, Psol, PT, PDT, PSB e PC do B. Ontem o ministro Luís Roberto Barroso deu um prazo de 48 horas para que o presidente Jair Bolsonaro e o Procurador Geral da República se manifestem. Mas, pelo que Bolsonaro demonstrou desde de sua posse, com o apoio irrestrito a grileiros e garimpeiros que invadem terras indígenas, só podemos esperar que o STF force o governo a cumprir o seu dever. E com urgência. Como afirmou o adolescente guarani-kaiowá Roger Alegre na quarta-feira na ONU sobre a difícil situação também dos indígenas no território do agronegócio: “Estamos com falta de alimentos nos acampamentos, muitos de nossos pais e familiares adultos foram contaminados por trabalharem nos frigoríficos da JBS”, relatou o jovem de 15 anos. Exatamente a mesma idade do primeiro morador de aldeia a morrer de coronavírus, o Yanomami Alvanei Xirixana, no dia 9 de abril. Nenhuma providência para proteger os indígenas foi tomada pelo governo desde então.

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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Impacto da Vaza Jato. Após publicação de reportagem da Agência Pública em parceria com o The Intercept Brasil nesta quarta-feira (01/07) revelar a proximidade da agente do FBI Leslie Rodrigues Backschies com membros da Lava Jato, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da força-tarefa em São Paulo, deletou seu perfil no Twitter. Em outubro de 2016, depois de cortejar Leslie em evento com procuradores em São Paulo, Thaméa conversou com Dallagnol sobre sua ida a Washington para dar um curso ao FBI sobre a Lava Jato.

Queimadas na Amazônia. A Amazônia brasileira registrou, apenas no último mês de junho, 2.248 focos ativos de incêndio, segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgadas nesta quarta-feira. O dado aponta que a quantidade de queimadas aumentou 19,6% em comparação a junho de 2019, quando a instituição registrou 1.880 focos. Desde 2007 o índice não ultrapassava a marca de 2.000 incidências de fogo. 
 

Despejos na pandemia. O Tribunal de Justiça de São Paulo registrou 4.018 ações de despejo liminar protocoladas nos dois primeiros meses de pandemia, segundo dados inéditos obtidos pela Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação (LAI). Para o professor de Arquitetura e Urbanismo e coordenador do laboratório de políticas públicas da Universidade Mackenzie, Valter Caldana, os despejos são mais uma faceta do fracasso do plano de ação brasileiro ao enfrentamento da emergência sanitária. “Não houve clemência dos poderes políticos constituídos e do sistema econômico como um todo para com a população”, afirma. 
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Covid-19 entre quilombolas. Já são mais de cem quilombolas mortos pela Covid-19 e quase mil infectados. A situação é crítica no Rio de Janeiro e no Pará, que contabilizam 36 mortes e 33 mortes respectivamente. População relata racismo na busca por atendimento. Um quilombola quase morreu ao receber hidroxicloroquina e domésticas descendentes de escravizados são forçadas pelas patroas a trabalharem. 

Nuvem de gafanhotos. O Ministério da Agricultura permitiu a importação massiva de agrotóxicos para combater a nuvem de gafanhotos caso chegue ao Brasil. Entre esses produtos estão Cipermetrina, Fipronil e Tiametoxam, fatais também para abelhas e outros insetos, inclusive aqueles que são predadores naturais dos gafanhotos. Professor do Centro de Ciências da Natureza da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marcos Lhano explica que a resposta é extrema e resolve o problema apenas em curto prazo.

Atuação do FBI na Lava Jato. Por meio de mensagens vazadas, a Agência Pública e o The Intercept Brasil revelam os detalhes da cooperação entre a força-tarefa e o FBI. Em trâmites nebulosos, Deltan Dallagnol e outros procuradores permitiram que o órgão estadunidense tivesse “total conhecimento” de informações sobre a empresa brasileira Odebrecht em investigações “politicamente sensíveis”. Sabe-se que 13 agentes atuaram no Brasil, lotados legalmente na embaixada em Brasília e no consulado em São Paulo. No entanto, é proibido a qualquer polícia estrangeira realizar investigações sem autorização expressa do governo brasileiro.

Gurus da extrema-direita. Professor da Universidade do Colorado, Benjamin Teitelbaum pesquisa as semelhanças entre os atuais governos do Brasil, dos Estados Unidos e da Rússia, em especial o pensamento dos "gurus" que os influenciam ideologicamente: Olavo de Carvalho, Steve Bannon e Aleksandr Dugin. Apesar de atuarem de modo diferente, os três pensadores defendem o "tradicionalismo", que rejeita as instituições da modernidade. Segundo Teitelbaum, essa corrente de pensamento busca um mundo menos integrado (em oposição do "globalismo") e trata o atual momento da humanidade como um declínio moral. 
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Ataques a jornalistas. O presidente Jair Bolsonaro fez 245 ataques contra o jornalismo no primeiro semestre de 2020. O monitoramento foi feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e divulgado nesta quinta-feira (2). Segundo a entidade, aconteceram 211 casos de descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e 2 ataques contra a Fenaj. "São quase dez ataques ao trabalho jornalístico por semana, neste ano", aponta o levantamento.  
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