terça-feira, 28 de julho de 2020

A Pública, em 10/7/2020

A mentira como método 
 
Nesta semana, Jair Bolsonaro anunciou que está com coronavírus. Como o presidente não tem credibilidade, e sua atitude em relação à pandemia pode ser qualificada, sem exageros, de genocida, houve mais piadas do que compaixão nas redes sociais. Como acreditar em um presidente que já apresentou dois exames negativos, sob ordem judicial, feitos com nomes fictícios, cercados de confirmações e desmentidos, e que aproveitou a comunicação da doença para fazer propaganda da hidroxicloroquina, medicamento reprovado por pesquisadores e especialistas da OMS para o tratamento de coronavírus?
Na imprensa, o ceticismo imperou, com destaque para a coluna de Hélio Schwartsman, que defendeu com (bons) argumentos o direito de torcer pela morte de Bolsonaro. “No plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da Ufabc, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. Detalhe irônico: são justamente os eleitores do presidente a população mais afetada.”
Os mais sensíveis que me perdoem, mas até no momento em que foi falar de suas condições de saúde, o presidente fez por merecer o augúrio do jornalista. Além da propaganda da droga, da qual se comprovou apenas os efeitos colaterais negativos, ele disseminou mais uma vez a desinformação - dizendo que os jovens não devem se preocupar com a doença, apesar de diversos óbitos entre os abaixo de 40 anos - e colocou a vida de outras pessoas em risco, retirando a máscara e não respeitando a distância mínima entre ele e os jornalistas.
Nessa mesma semana, o presidente também sancionou, com muitos vetos, a lei que define as medidas para conter o avanço da pandemia entre quilombolas e indígenas, que estão em situação de alto risco. Já são 127 mortos e 2.590 casos confirmados nas comunidades quilombolas e 461 mortos e 13.241 casos que afetam 127 etnias indígenas, o que vem despertando grande preocupação e indignação internacionais. 
Pois bem: Bolsonaro vetou os artigos que obrigavam o Poder Público a garantir o acesso universal à água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção das aldeias e a disponibilidade de leitos hospitalares e de UTI. Como falar em “empatia”, como pedem seus seguidores, com um presidente que condena povos inteiros à morte?
Nesse cenário, torna-se ainda mais patético o comportamento de outro membro do governo, o vice-presidente general Mourão e sua improvisada - e fechada - reunião virtual com os investidores internacionais, buscando convencê-los de que o governo está sim cuidando dos povos indígenas e combatendo o desmatamento. Além da humilhação de ter de se explicar aos “estrangeiros” (não é assim que Mourão se refere às ONGs de proteção aos indígenas e ao meio-ambiente?), ele apelou mais uma vez à estratégia carimbada de Bolsonaro: a mentira. Só que convencer a cúpula do capitalismo internacional é um pouquinho mais complicado do que enganar seguidores e agredir jornalistas que insistem em apresentar a realidade à população. Não é com mentiras que o governo vai recuperar os milhões de dólares do Fundo Amazônia, perdidos por sua própria culpa. 
Ainda bem que não estamos sozinhos no mundo. Bolsonaro é que está.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
O que você perdeu na semana

Barreira contra os javaé. Sob a justificativa de combate à epidemia do novo coronavírus, a prefeitura de Formoso do Araguaia (276 km de Palmas) proibiu desde o dia 1º de julho a entrada de indígenas no espaço urbano. Com a medida, uma barreira sanitária na entrada da cidade passou a impedir a passagem. “A preocupação deles não é com a nossa saúde, e sim para não infectar a cidade. A gente se sentiu muito desprezado”, disse à Folha Vantuíres Javaé, presidente da Conjaba (Conselho das Organizações Indígenas do Povo Javaé da Ilha do Bananal). 

Caso Claudia. O capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que responde na Justiça pelo homicídio de Claudia Silva Ferreira, arrastada por uma viatura da PM por 350 metros na Zona Norte do Rio, agora investiga mortes cometidas por policiais em operações. Seis anos após o crime, o oficial está lotado no 41º BPM (Irajá), um dos batalhões do estado cujos agentes mais matam em serviço, e desempenha funções na área correcional. 

Inquérito contra Hélio Schwartsman. O ministro da Justiça, André Mendonça, determinou que a Polícia Federal abra inquérito contra Hélio Schwartsman, colunista da Folha. Mendonça ordenou que a PF enquadre o jornalista com base na Lei de Segurança Nacional, usada pela ditadura militar para perseguir adversários políticos, após Schwartsman ter condenado o comportamento de Jair Bolsonaro na pandemia. 
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Últimas do site
 
Covid-19 no interior. A partir de dados do Ministério da Saúde a Agência Pública apurou que, até o dia 6 de julho, mais de 10 mil pessoas morreram por Covid-19 em municípios com menos de 100 mil habitantes. Entre essas cidades, 80% não possuíam sequer um leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) antes da pandemia – e 78% seguiram sem UTIs até o mês de maio. 

Bolsas para jornalistas. A Agência Pública se junta ao Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração para convocar repórteres de todo o país para propor pautas investigativas sobre a mineração. Serão distribuídas quatro bolsas no valor de R$ 7 mil, além da mentoria da Agência Pública para a produção da reportagem.

Anúncios da Nova Reforma. Canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras. Reportagem analisou 500 canais que atingiram 9,8 milhões de visualizações em cerca de um mês; ao todo, governo gastou R$ 6 milhões

Aglomeração no transporte do Rio. Enquanto bares cariocas lotam em plena pandemia, trabalhadores de serviços essenciais dependentes do transporte público reclamam do fechamento de estações, controle de filas de entrada e aglomerações nos ônibus. No total, 26 estações em três corredores permanecem interditadas desde 25 de março e sem previsão de reabertura.  
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Ouro na Amazônia. Um estudo recente publicado pelo Instituto Escolhas mostra que a mais grave pandemia global dos últimos cem anos nem chegou perto de arranhar o ritmo da corrida pelo ouro, sobretudo na Amazônia. Apenas nos quatro primeiros meses do ano, 29 toneladas foram oficialmente extraídas no Brasil. Isso já é um terço do que foi extraído nos dois anos anteriores somados: 85 toneladas no total.
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