quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Desinformação em nome de Deus

 

Desinformação em nome de Deus
por Ethel Rudnitzki


Assim como muitos conservadores, os evangélicos estão fazendo grande uso das novas tecnologias em benefício próprio. Ano passado, descobri como igrejas estavam investindo em ferramentas de reconhecimento facial para registrar as emoções e a assiduidade de seus frequentadores, para assim converter mais pessoas.

Agora, foi a vez de investigar como o segmento também está fazendo sucesso nas redes sociais. As pregações – muitas vezes apelativas e sensacionalistas – e a forte influência de pastores sobre os fiéis se encaixaram perfeitamente à dinâmica das grandes plataformas, dando origem a páginas, grupos, sites e portais religiosos com milhares de seguidores.

Nesses espaços, as igrejas divulgam pautas conservadoras e combatem as progressistas, como a legalização do aborto e discussões sobre gênero e sexualidade – que muitas vezes são chamadas de "ideologia de gênero".

Pertencente à família do senador evangélico-bolsonarista Arolde de Oliveira, o grupo MK, que eu e a Laura Scofield investigamos em nossa última reportagem para a Pública, é o exemplo perfeito. Até poucos anos atrás, a atuação da empresa se restringia ao ramo da música gospel – com a gravadora MK Music e a Rádio 93 FM. Em 2017, contudo, o grupo passou a gerenciar canais de Youtube e fundou o portal de notícias conservador Pleno.News. Entre os canais administrados pelo MK está o do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Assim, o grupo, que até então ganhava dinheiro gravando e vendendo CDs, passou a lucrar com anúncios gerenciados pelo Google – alguns fazendo propaganda da gestão Bolsonaro e pagos com dinheiro público pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom). Conforme denunciado pelo movimento Sleeping Giants, esse é o modelo de negócio da maior parte dos portais de fake news, e se tornou o novo dízimo dos evangélicos.

Hoje, o Pleno.News é "um dos sites que mais dissemina desinformação", segundo pesquisadores. Mas o que o site promete são "notícias do presidente Bolsonaro e do governo sem fake news". A grande maioria dos conteúdos do portal é elogiosa ao presidente, de maneira que a propaganda do governo está presente tanto nos textos quanto nos banners gerenciados pelo Google. O Pleno.News também publica conteúdos que negam a gravidade do coronavírus e dá voz a narrativas contra as instituições democráticas. Tudo em nome de Deus.

Outro portal evangélico, o Gospel Mais, foi – ao lado de Olavo de Carvalho – um dos responsáveis por disseminar no Brasil a narrativa falsa que associa a pedofilia à esquerda, conforme mostramos em outra reportagem, publicada em julho. Essa fake está na base da teoria da conspiração QAnon, narrativa de origem americana disseminada por perfil anônimo em rede social que alega que governos e instituições estão sendo governadas por uma elite pedófilo-satanista. Dentro dessa teoria, o presidente Donald Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, seriam os salvadores. E seus eleitores estão comprando essa ideia.

O segredo por trás do sucesso dos evangélicos na disseminação de suas narrativas falsas nas redes sociais está no uso intensivo e estratégico de outras ferramentas digitais. O Pleno.News, por exemplo, paga cerca de 10 anúncios do Facebook por mês nos quais impulsiona mensagens customizadas para seu público-alvo: cristãos conservadores.

Foi essa a principal estratégia que elegeu o senador Arolde de Oliveira, o presidente Jair Bolsonaro e até Donald Trump. Através da segmentação de público que as redes sociais permitem, eles falaram para seus eleitores exatamente o que eles queriam ouvir, explorando suas vulnerabilidades. Em anúncios impulsionados para religiosos, por exemplo, espalharam mentiras relacionadas à fé.

Perceber essas estratégias me fez reforçar uma tese que eu tenho desenvolvido há um tempo como checadora e repórter que investiga redes de desinformação: ao invés de progresso, as novas tecnologias têm favorecido, principalmente, o conservadorismo.

Por isso, para travar batalha contra a desinformação e o retrocesso, nós progressistas precisamos também trabalhar com as redes e pressionar as plataformas a ficarem do nosso lado. É isso que tentamos fazer aqui na Pública: enquanto investigamos e denunciamos os abusos cometidos, também criamos novas maneiras de informar o público sobre estas violações. 

Ethel Rudnitzki é repórter da Pública. 
A prefeitura está fazendo propaganda de cloroquina ou ivermectina na sua cidade? Conte para nós – a Pública quer te ouvir! 💊

Rolou na Pública

Mídia evangélica e desinformação. A reportagem "Grupo de mídia evangélica que pertence a senador bolsonarista é um dos que mais dissemina desinformação, afirmam pesquisadores", tema da newsletter dos Aliados de hoje, foi republicada no MSN, Yahoo!Carta Capital e Sul 21, entre outros.

Como os jovens se informam? Foi essa pergunta que a Pública e outras 9 organizações de jornalismo independente fizeram meses atrás. Depois de muita pesquisa, surgiu o Reload, um canal de notícias que vai transformar as reportagens desse consórcio de veículos em vídeos pensados para o público jovem. O lançamento do canal foi ontem, e o primeiro vídeo fala sobre a situação do Ministério da Educação. Convidamos vocês, nossas Aliadas e Aliados, a acompanhar o canal no Youtube, no Instagram, no Twitter e no Facebook. Estamos muito animadas com o projeto, esperamos que curtam o Reload!

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