sábado, 12 de setembro de 2020

Idoso mora em casinha de madeira construída na calçada em Copacabana

 


Idoso mora em casinha de madeira construída na calçada em Copacabana

Leticia Lopes

No número 76 da Rua Miguel Lemos, em Copacabana, há sempre sol e noite de lua e céu estrelado. Em qualquer época do ano, uma árvore de Natal colore o lugar. Descrito assim, o cenário parece de um filme de fantasia, mas é o espaço onde vive Anatólio Pinto da Silva, de 80 anos, uma casinha de madeira na calçada, que, por conta dos adornos, todos pintados à mão, chama atenção de quem passa.

Pinta, como ele é conhecido por causa de um sinal de nascença abaixo do nariz, mora há mais de 50 anos nas ruas. Há cinco está no endereço de Copacabana. No espaço, guarda as únicas duas mudas de roupa que tem, alguns poucos documentos, um colchão de solteiro, uma almofada e alguns utensílios.

A saga do idoso começou ainda no fim da década de 1960, quando sua família teve que sair da antiga Favela da Praia do Pinto, comunidade removida do Leblon, após sucessivos incêndios. No último e mais grave, em 1969, cerca de mil barracos foram destruídos, e nove mil pessoas ficaram desabrigadas.

— Não tem nada mais triste do que uma favela pegando fogo, as mães correndo com as crianças, os barracos ruindo. Depois que tiraram a gente de lá, a gente foi morar num lugar chamado Carlos Sampaio, em Austin, mas era roça, meus pais ainda eram vivos, só ficamos um ano, e aí fomos para Rocinha — conta o idoso, que, ainda jovem, foi viver nas ruas: — A pior coisa que tem é viver na rua. Você não pode ter nada. Fica marginalizado, desacreditado. Eu não tive mais condições de sobreviver com o trabalho. Da família, só resta eu.

Seu Pinta trabalhava como sapateiro. Entre as lembranças embaçadas pela idade, ele diz se recordar até mesmo de ter feito, ainda garoto, um calçado para a cantora Maysa, que se impressionou com seu talento.

Na Miguel Lemos, há cinco anos, ele passou a se abrigar nas marquises do Edifício-Garagem Auto-Mar. A construção de 21 andares foi lançada na década de 1970 com anúncios em jornais que prometiam dar fim às dificuldades de motoristas para encontrar um local para estacionar na região. O empreendimento, no entanto, jamais foi inaugurado. As obras foram paralisadas em 1971, e o prédio, abandonado desde então, causa preocupação entre moradores dos edifícios vizinhos, que temem que ele desabe.

O imbróglio por conta do edifício-garagem, defendido com unhas e dentes por Seu Pinta (“Eu defendo esse prédio à beça. Não saio daqui”, diz ele), causa rusgas entre ele e alguns moradores e síndicos da vizinhança. Ao longo dos anos, ele acabou colecionando notificações judiciais para deixar o local, mas bate o pé e se recusa a sair. A última correspondência chegou em janeiro, entregue por um oficial de Justiça acompanhado por policiais militares. A ação gerou comoção, e alguns moradores de prédios vizinhos se reuniram em apoio a ele. Duas vizinhas passaram até mesmo a ajudá-lo, entregando, todos os dias, seu almoço e seu jantar.

Foi com o passar dos anos que ee foi construindo a casinha de madeira onde se abriga. Mas, numa das batidas, que o idoso não lembra ao certo quando, suas ferramentas de marcenaria foram recolhidas pelos agentes públicos.

— Eu fazia cavalinho de madeira para as crianças brincarem, caixinha, carrinho, mas o barulho incomodava, aí levaram minhas ferramentas — conta ele: — Fiz todos esses desenhos (que estampam o lugar em que mora) para brincar com as crianças. Tem uma menininha que chegava aqui e corria pra ver a casinha. Fiz uma para ela e levei lá no prédio onde ela mora. Os avós falaram que ela fica lá direto brincando com as bonecas. Essa foi a primeira, mas já fiz umas quatro ou cinco casinhas para as crianças daqui.

Procurada, a Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) respondeu o seguinte:

“A última vistoria localizada no sistema da Defesa Civil municipal para o local data de 12 de fevereiro de 2018. Na ocasião, os técnicos relataram que o prédio, aparentemente abandonado, do tipo edifício garagem, estava trancado com cadeado, não sendo possível a entrada da equipe. De acordo com a análise técnica visual feita do lado de fora, observou-se que a fachada encontrava-se em mau estado de conservação, com rachaduras e alguns pontos apresentando armadura exposta e corroída. O boletim de ocorrência foi encaminhado aos órgãos responsáveis da Secretaria Municipal de Urbanismo para providências, em relação à conservação da fachada e à estabilidade estrutural do imóvel. A Secretaria Municipal de Urbanismo está verificando se há processos relacionados ao endereço e lembra que a responsabilidade pela manutenção e pela conservação de prédios é do proprietário”.

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