O que o óleo no Nordeste e o fogo no Pantanal têm em comum? por Mariama Correia O entardecer alaranjado de São Paulo, pelo qual ando hipnotizada desde minha recente chegada à cidade, parecia estranhamente borrado na última segunda-feira. O céu nublado, que em um primeiro momento achei ser prenúncio de chuva seria, em parte, resultado da fumaça dos incêndios no Pantanal e na Amazônia. Imagens de satélite mostradas na TV, mais tarde, me deixaram perplexa.
Há semanas acompanhamos cenas de florestas agonizando. Chão carbonizado, animais mortos, desespero dos voluntários tentando salvar bichos e apagar as chamas com as próprias mãos. Em dois meses de queimadas, quase 20% da maior área úmida do planeta, o Pantanal, foram consumidos pelo fogo, segundo dados do Ibama. É a maior tragédia da história do bioma. Enquanto isso, na maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) registrou um aumento de 68% nos alertas de desmatamento no mês passado. Foi o pior mês de agosto nos últimos dez anos de monitoramento.
São tragédias que me trazem uma sensação de impotência e uma desconfortante familiaridade.
Faz pouco mais de um ano que outra crise, também de proporções apocalípticas, deixou um rastro de destruição no país. O derramamento de petróleo no litoral brasileiro – até hoje impune e sem explicações – foi o maior desastre ambiental em extensão na costa brasileira. Atingiu mais de mil localidades em 130 municípios, primeiramente no Nordeste e, depois, no Sudeste, como lembrei nesta entrevista com um pesquisador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas, que procura respostas sobre a origem do óleo. Os cientistas já levantaram várias teses, mas nenhuma delas foi comprovada até agora. Em agosto, a Marinha encerrou as investigações sem apontar os responsáveis pelo crime.
Antes disso, quando as primeiras manchas de óleo começaram a aparecer nas praias, eu ainda morava no Recife (PE). Visitei o quilombo de Mercês, uma comunidade de pescadores no litoral Sul de Pernambuco, que estava cercada pelo óleo. O relato sobre Mercês rendeu minha primeira reportagem para a Pública.
Acompanhei os moradores dessa e de outras comunidades de pescadores por meses. Por causa do óleo, muitos ficaram sem renda e com fome. A bordo dos barcos deles, vi corais destruídos, mangues sufocados pelo petróleo, animais marinhos arquejando nas praias cobertas pelo material viscoso. Voluntários tentavam domar densas massas de petróleo cru com as próprias mãos, sem qualquer equipamento de proteção. Um ano depois, muitos deles ainda têm sequelas de intoxicação.
Semanas de caos se passaram enquanto o governo federal permanecia indiferente. Na época, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demorou 41 dias para acionar o plano nacional de contingência, pronto desde 2013, e que orienta ações coordenadas em casos de vazamento de óleo. Meses depois, este mesmo ministro disse que era preciso aproveitar a atenção dada pela mídia à pandemia para “passar a boiada” e flexibilizar regras de proteção ambiental. Agora, enquanto florestas pegam fogo, Salles negou os incêndios na Amazônia, publicando no Twitter um vídeo que na verdade mostra a Mata Atlântica.
Micos à parte, a destruição progressiva de biomas brasileiros não acontece por acaso. Tanto o derramamento de óleo no litoral brasileiro quanto os incêndios no Pantanal e as queimadas na Amazônia estão conectados com o desmonte de políticas ambientais e com o sucateamento de órgãos de controle, como o Ibama e o ICMBio – ambos com cortes orçamentários já anunciados para o próximo ano, a despeito da crise atual.
A inoperância do governo federal na tragédia do litoral é a mesma que se observa agora, na falta de ações coordenadas e efetivas para conter o avanço do fogo. Enquanto isso, comunidades indígenas são arrancadas das suas reservas no Mato Grosso. Voluntários ajudam as comunidades tradicionais como podem, mas o que será delas quando o apelo midiático da tragédia passar? Um ano depois das cenas das praias poluídas ganharem destaque no noticiário nacional, o quilombo de Mercês ainda sofre os danos irreversíveis que o crime ambiental deixou no território e nas vidas dos seus moradores. Nenhum deles jamais recebeu um centavo sequer de indenização pela tragédia.
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Rolou na Pública Pública premiada. A Pública conquistou o primeiro e o segundo lugares no Concurso de Jornalismo de Dados da coalizão "Todos os Olhos na Amazônia", que reúne organizações de defesa do meio ambiente e dos povos indígenas como Greenpeace e Hivos América Latina. A reportagem "Com Bolsonaro, fazendas foram certificadas de maneira irregular em terras indígenas na Amazônia" ficou em primeiro lugar, seguida de "A mineração em terra indígena com nome, sobrenome e CNPJ".
Mais Vaza Jato. Reportagem sobre a aliança da Lava Jato com a ONG Transparência internacional, publicada na segunda-feira, já foi republicada por 16 veículos, como Carta Capital, Jornal GGN e Opera Mundi.
Agrotóxicos proibidos. Na quinta-feira passada, em parceria com a Repórter Brasil, revelamos um levantamento inédito que mostra que o Brasil é o segundo maior comprador de agrotóxicos que são fabricados em solo europeu, mas proibidos para uso na União Europeia e Inglaterra. A reportagem foi republicada, entre outros, pela Revista Galileu, Brasil de Fato, Conexão Planeta, e também saiu em francês no site Autres Brésils. |
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Comentários sobre a newsletter "Meu amigo Julian Assange", de 9 de setembro de 2020.
A prisão de Assange demonstra o perigo que a democracia enfrenta. Quando denúncias contra arbitrariedades cometidas pelos governos são expostas, os denunciantes são perseguidos e silenciados. No entanto, quando dados dos cidadãos são comercializados pelas redes sociais, o processo de investigação é lento e raramente há punição. Concordo totalmente com Julian Assange quando defende: "Transparência para governos e privacidade para os cidadãos". Saudações! Ana Rita Santos Tabosa, Salvador (BA) Julian Assange prestou um serviço à humanidade. Deveria ser condecorado. O povo dos EUA deveria agradecê-lo por revelar como eram enganados pelos discursos oficiais. Julian Assange livre!
Neuza Árbocz, São Paulo (SP) Eu me solidarizo com o Julian Assange e a Natalia Viana, da Pública. Caso se confirme a decisão de extradição de Assange, o jornalismo investigativo, o direito de informação e a liberdade de imprensa sofrerão o mais duro golpe. A democracia no ocidente aprofundará sua crise, pois ataques e violações a direitos individuais e coletivos serão cada vez mais comuns. É preciso que os jornalismo tenha consciência do problema e tome precauções, inclusive exigindo da grande imprensa nacional e internacional um posicionamento claro sobre a tortura e a morte física a que querem submeter Assange. Humberto Miranda, Campinas (SP) |
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Novas dos Aliados Entrevista dos Aliados. A economista Laura Carvalho foi a mais votada na enquete para a 11ª edição da Entrevista dos Aliados, seguida pela professora e drag queen Rita Von Hunty e pela coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli. Já estamos entrando em contato para agendar uma entrevista com uma delas. Obrigada por participar! |
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