quarta-feira, 23 de setembro de 2020

VW do Brasil vai indenizar funcionários perseguidos pela empresa durante ditadura

 DIREITOS HUMANOS

VW do Brasil vai indenizar funcionários perseguidos pela empresa durante ditadura

Montadora entrou em acordo para indenizar em R$ 36 mi funcionários e descendentes; investigação mostrou colaboração da Volks com ditadura brasileira

REDAÇÃO OPERA MUNDI

São Paulo (Brasil)

Atualizada às 18h56

A montadora alemã Volkswagen irá fazer um acordo para pagar cerca de R$ 36 milhões em indenizações a mais de 60 ex-funcionários perseguidos pela empresa durante a ditadura militar nos anos 1970. A informação foi divulgada nesta quarta-feira (23/09) pelo jornal Süddeutsche.

De acordo com o periódico, o valor, equivalente a 5,5 milhões de euros, será pago em ações coletivas e individuais. Boa parte do dinheiro irá para a associação de vítimas, formada por antigos funcionários e descendentes destes. O acordo veio depois de cinco anos de processo, que será encerrado.

Opera Mundi entrou em contato com a Volks, que confirmou a informação. Em nota, a empresa afirmou que "o acordo foi firmado entre o Ministério Público Federal em São Paulo, o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Trabalho em São Bernardo do Campo, órgão do Ministério Público do Trabalho".

Ainda segundo a montadora, R$10,5 milhões serão destinados a "projetos de promoção da memória e da verdade em relação às violações de direitos humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar", enquanto R$ 16,8 milhões irão para a Associação dos Trabalhadores da Volkswagen - Associação Henrich Plagge.

"A maior parte dessa verba será destinada a ex-trabalhadores da Volkswagen do Brasil - ou seus sucessores legais - que manifestaram terem sofrido violações de direitos humanos durante a ditadura", disse a empresa em nota.

A própria Volkswagen, após pressão de acionistas e das vítimas da ditadura, iniciou uma investigação interna que concluiu que a montadora colaborou ativamente com o regime militar, com “lealdade” da empresa para com os militares.

Na época, o historiador Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld - contratado pela própria Volks - disse que a empresa “compartilhava seus objetivos econômicos e de política interna” com os militares. “A correspondência com a diretoria em Wolfsburg evidenciou até 1979 um apoio irrestrito ao governo militar que não se limitava a declarações de lealdade pessoais”, afirma.

Segundo Kopper, a chefia da segurança da Volks tinha relações diretas com os agentes da repressão e as ações da ditadura eram de conhecimento tácito da diretoria da empresa. Opera Mundi acompanha o caso extensivamente há mais de cinco anos, desde que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) passou a investigar os arquivos brasileiros da Volkswagen.


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“Em 1969, iniciou-se a colaboração entre a segurança industrial e a polícia política do governo (DEOPS), que só terminou em 1979. Essa colaboração ocorreu especialmente através do chefe do departamento de segurança industrial Ademar Rudge, que, devido a seu cargo anterior como oficial das Forças Armadas, sentia-se particularmente comprometido com os órgãos de segurança. Ele agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria."

“O delegado Lúcio Vieira, da polícia política, comunicou aos seus superiores sobre a boa colaboração com o departamento de segurança durante as investigações contra os comunistas na VW. Os comunicados do departamento de segurança sobre folhetos e jornais ilegais encontrados ajudaram a polícia política a apurar informações sobre atividades comunistas na VW, fechando o círculo dos suspeitos”, afirmou o historiador.

Ex-funcionário confirmou torturas

Em 2018, o ex-funcionário Lúcio Bellentani (1944-2019) deu uma entrevista a Opera Mundi em que relatou a tortura que sofreu dentro da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo em junho de 1972.

Bellentani foi preso e agredido em uma sala no Departamento Pessoal da VW e só tomou conhecimento da acusação depois de um ano detido. Bellentani era membro do Partido Comunista Brasileiro e ativista sindical quando foi preso e torturado.

Volkswagen do Brasil
Montadora colaborou ativamente com a ditadura, de acordo com própria investigação interna

“Estava na minha bancada de trabalho quando fui surpreendido com um cano de metralhadora nas costas, me pegaram, me algemaram e me conduziram para o departamento pessoal, e lá eu comecei a ser espancado e torturado, dentro da empresa. Depois fui para o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], onde permaneci por 8 ou 9 meses, sem registro, sem coisa nenhuma”, conta.

"Depois de um ano preso, quando foi o julgamento, fui absolvido por falta de provas. Posteriormente, fui condenado em Brasília a dois anos de prisão e acabei cumprindo um ano e oito meses, sob a acusação de ativismo sindical e organização de uma célula do Partido Comunista dentro da empresa”, diz.


Fritz Stangl

Segundo a CNV, o responsável pela criação do aparato repressivo dentro da Volkswagen do Brasil teria sido Fritz Paul Stangl, criminoso nazista que fugiu para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial.

No capítulo dedicado à repressão aos operários, intitulado ‘Violações de direitos humanos dos trabalhadores’, a CNV escreve que Stangl, preso no Brasil em 1967 e extraditado para a Alemanha, foi o “funcionário da Volkswagen do Brasil responsável pela montagem do setor de vigilância e monitoramento” da unidade do ABC paulista. O aparato acompanhava de perto o dia a dia da fábrica e, especialmente atento às atividades sindicalistas consideradas “subversivas”, estava em constante contato com órgãos da repressão do governo brasileiro na ditadura.

O relatório de Kopper, no entanto, diz que a conclusão da CNV está “incorreta”. “A VW do Brasil o contratou para tarefas de manutenção sem conhecimento do seu histórico e somente após a sua prisão ficou sabendo dos seus crimes de guerra”, afirma. A figura de Stangl é descrita em um capítulo exclusivo do relatório.

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