VW do Brasil vai indenizar funcionários perseguidos pela empresa durante ditadura
Montadora entrou em acordo para indenizar em R$ 36 mi funcionários e descendentes; investigação mostrou colaboração da Volks com ditadura brasileira
Atualizada às 18h56
A montadora alemã Volkswagen irá fazer um acordo para pagar cerca de R$ 36 milhões em indenizações a mais de 60 ex-funcionários perseguidos pela empresa durante a ditadura militar nos anos 1970. A informação foi divulgada nesta quarta-feira (23/09) pelo jornal Süddeutsche.
De acordo com o periódico, o valor, equivalente a 5,5 milhões de euros, será pago em ações coletivas e individuais. Boa parte do dinheiro irá para a associação de vítimas, formada por antigos funcionários e descendentes destes. O acordo veio depois de cinco anos de processo, que será encerrado.
Opera Mundi entrou em contato com a Volks, que confirmou a informação. Em nota, a empresa afirmou que "o acordo foi firmado entre o Ministério Público Federal em São Paulo, o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Trabalho em São Bernardo do Campo, órgão do Ministério Público do Trabalho".
Ainda segundo a montadora, R$10,5 milhões serão destinados a "projetos de promoção da memória e da verdade em relação às violações de direitos humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar", enquanto R$ 16,8 milhões irão para a Associação dos Trabalhadores da Volkswagen - Associação Henrich Plagge.
"A maior parte dessa verba será destinada a ex-trabalhadores da Volkswagen do Brasil - ou seus sucessores legais - que manifestaram terem sofrido violações de direitos humanos durante a ditadura", disse a empresa em nota.
A própria Volkswagen, após pressão de acionistas e das vítimas da ditadura, iniciou uma investigação interna que concluiu que a montadora colaborou ativamente com o regime militar, com “lealdade” da empresa para com os militares.
Na época, o historiador Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld - contratado pela própria Volks - disse que a empresa “compartilhava seus objetivos econômicos e de política interna” com os militares. “A correspondência com a diretoria em Wolfsburg evidenciou até 1979 um apoio irrestrito ao governo militar que não se limitava a declarações de lealdade pessoais”, afirma.
Segundo Kopper, a chefia da segurança da Volks tinha relações diretas com os agentes da repressão e as ações da ditadura eram de conhecimento tácito da diretoria da empresa. Opera Mundi acompanha o caso extensivamente há mais de cinco anos, desde que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) passou a investigar os arquivos brasileiros da Volkswagen.
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“Em 1969, iniciou-se a colaboração entre a segurança industrial e a polícia política do governo (DEOPS), que só terminou em 1979. Essa colaboração ocorreu especialmente através do chefe do departamento de segurança industrial Ademar Rudge, que, devido a seu cargo anterior como oficial das Forças Armadas, sentia-se particularmente comprometido com os órgãos de segurança. Ele agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria."
“O delegado Lúcio Vieira, da polícia política, comunicou aos seus superiores sobre a boa colaboração com o departamento de segurança durante as investigações contra os comunistas na VW. Os comunicados do departamento de segurança sobre folhetos e jornais ilegais encontrados ajudaram a polícia política a apurar informações sobre atividades comunistas na VW, fechando o círculo dos suspeitos”, afirmou o historiador.
Ex-funcionário confirmou torturas
Em 2018, o ex-funcionário Lúcio Bellentani (1944-2019) deu uma entrevista a Opera Mundi em que relatou a tortura que sofreu dentro da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo em junho de 1972.
Bellentani foi preso e agredido em uma sala no Departamento Pessoal da VW e só tomou conhecimento da acusação depois de um ano detido. Bellentani era membro do Partido Comunista Brasileiro e ativista sindical quando foi preso e torturado.

Volkswagen do Brasil
Montadora colaborou ativamente com a ditadura, de acordo com própria investigação interna
“Estava na minha bancada de trabalho quando fui surpreendido com um cano de metralhadora nas costas, me pegaram, me algemaram e me conduziram para o departamento pessoal, e lá eu comecei a ser espancado e torturado, dentro da empresa. Depois fui para o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], onde permaneci por 8 ou 9 meses, sem registro, sem coisa nenhuma”, conta.
"Depois de um ano preso, quando foi o julgamento, fui absolvido por falta de provas. Posteriormente, fui condenado em Brasília a dois anos de prisão e acabei cumprindo um ano e oito meses, sob a acusação de ativismo sindical e organização de uma célula do Partido Comunista dentro da empresa”, diz.
Fritz Stangl
Segundo a CNV, o responsável pela criação do aparato repressivo dentro da Volkswagen do Brasil teria sido Fritz Paul Stangl, criminoso nazista que fugiu para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial.
No capítulo dedicado à repressão aos operários, intitulado ‘Violações de direitos humanos dos trabalhadores’, a CNV escreve que Stangl, preso no Brasil em 1967 e extraditado para a Alemanha, foi o “funcionário da Volkswagen do Brasil responsável pela montagem do setor de vigilância e monitoramento” da unidade do ABC paulista. O aparato acompanhava de perto o dia a dia da fábrica e, especialmente atento às atividades sindicalistas consideradas “subversivas”, estava em constante contato com órgãos da repressão do governo brasileiro na ditadura.
O relatório de Kopper, no entanto, diz que a conclusão da CNV está “incorreta”. “A VW do Brasil o contratou para tarefas de manutenção sem conhecimento do seu histórico e somente após a sua prisão ficou sabendo dos seus crimes de guerra”, afirma. A figura de Stangl é descrita em um capítulo exclusivo do relatório.
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