23 Novembro 2020
Com uma videomensagem do Papa, encerrou-se neste sábado o evento "Economia de Francisco", dirigido a jovens empreendedores de todo o mundo. Num longo discurso, o Pontífice encorajou a juventude mundial a não ter medo de sujar as mãos, sem atalhos, para transformar a economia e, consequentemente, toda a sociedade. Depois da crise, não voltemos a um consumismo febril, mas aproveitemos a oportunidade para nos colocar a serviço do bem comum.
A reportagem é de Bianca Fraccalvieri, publicada por Vatican News, 21-11-2020.
“Para mim, este encontro virtual em Assis não é um ponto de chegada, mas o impulso inicial de um processo que somos convidados a viver como vocação, como cultura e como pacto.”
Assim, o Papa Francisco define a “Economia de Francisco”, evento virtual que se encerrou este sábado e que, a partir de Assis, reuniu milhares de participantes em todo o mundo.
"Mais humano do que o outro"
O Pontífice agradeceu a participação numerosa e falou palavras de encorajamento aos jovens citando as encíclicas Laudato si' e Fratelli tutti, mas também com referências a seus predecessores São Paulo VI, São João Paulo II e Bento XVI.
Francisco deu voz à juventude que, como ele, é concorde em afirmar que “precisamos e queremos uma mudança”, sem se deixar levar pela lógica do “sempre foi assim”.
Hoje, as injustiças, as desigualdades, a exclusão não são mais toleradas. A cultura do descarte deve ter os seus dias contados. Ninguém tem o direito de se sentir “mais humano do que outro”.
Se é urgente encontrar respostas, é indispensável fazer crescer e apoiar grupos dirigentes capazes de elaborar cultura, iniciar processos – “não se esqueçam desta palavra: iniciar processos” – traçar percursos, alargar horizontes e criar pertenças.
Mística do bem comum
Para isso, é imprescindível mudar estilo de vida e os modelos de produção e consumo e retornar “à mística do bem comum”. “A fome não depende tanto da escassez material, mas da escassez de recursos sociais”, disse Francisco citando o Papa emérito.
O Santo Padre recordou uma experiência que fez muitos anos atrás, ainda na Argentina, na década de 1970 – uma experiência que pode ser vivida também no Brasil: a dos condomínios fechados.
“Tive que visitar alguns noviços da Companhia e cheguei a uma cidade e, depois, andando por lá, alguém me disse: Não, ali não se pode ir, é um bairro fechado. Dentro havia muros e dentro havia casas, ruas, mas fechado: ou seja, um bairro que vivia na indiferença. Impressionou-me muito ver aquilo…Mas depois isto cresceu, cresceu, cresceu… e estava em todos os lugares. Mas eu me pergunto: o seu coração é como um condomínio fechado?”
É tempo de ousar
É por isto que é “tempo de ousar o risco de favorecer e estimular modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade em que as pessoas, e especialmente os excluídos, entre os quais a irmã terra, deixem de ser uma presença meramente funcional, para se tornar protagonistas de sua vida, assim como de todo o tecido social. (…) Não pensemos por eles, mas com eles”.
Em outras palavras, política e economia devem estar a serviço da vida, especialmente da vida humana. A medida do desenvolvimento é a humanidade. Sem esta centralidade e orientação, ficaremos prisioneiros de um círculo alienante que somente perpetuará dinâmicas de degradação, exclusão, violência e polarização.
A propósito, disse ainda o Papa, descreditar, caluniar ou descontextualizar o interlocutor que não pensa como nós é “um modo de se defender covardemente das decisões que eu deveria assumir para resolver muitos problemas”.
Sujar as mãos, sendo fermento
A perspectiva do desenvolvimento humano integral é uma boa notícia a profetizar e aplicar, disse ainda o Papa. E como se faz? Sem atalhos, mas sujando as mãos, sendo fermento. "Passada esta crise sanitária que estamos vivendo, a pior reação seria cair ainda num febril consumismo e em novas formas de autoproteção egoísta. Colhamos a oportunidade e coloquemo-nos todos a serviço do bem comum. Que no final não existam mais 'os outros', mas um grande 'nós'.”
Eis então a exortação final de Francisco:
“Não tenham medo de se envolver e tocar a alma das cidades com o olhar de Jesus. Não tenham medo, porque ninguém se salva sozinho. Ninguém se salva sozinho. A vocês jovens, provenientes de 115 países, dirijo o convite a reconhecer que necessitamos uns dos outros para dar vida a esta cultura econômica, capaz de fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer esperanças, enfaixar feridas e criar relações.”
Leia mais
- A Economia de Francisco. ‘Urge uma nova narrativa da economia’. A vídeomensagem do Papa Francisco
- Economia de Francisco. “Gerar” não apenas produzir: a economia de cuidar
- “Economia de Francisco”: Papa desafia novas gerações a criar “narrativa econômica diferente”
- A Economia de Francisco não é o protagonismo dos jovens, é a inauguração de uma nova forma de trabalhar. Artigo de Alessandra Smerilli
- Economia de Francesco, rumo a uma abordagem generativa
- "Não basta o terceiro setor e a filantropia. É preciso mudar os 'estilos de vida' e os 'modos de produção e consumo', afirma o Papa Francisco
- O chamado de Francisco: caminhos para uma conversão ecológica em defesa da vida
- Apreensão, sensibilidade e propósito: a policrise e o mundo porvir
- Alguns horizontes práticos, poéticos e proféticos da Economia de Francisco e Clara
- Economia de Francisco: Turkson, Sachs e Torero abrem o primeiro dia dedicado aos jovens economistas
- Economia de Francisco. "As economias do cuidado cuidarão da Terra e das futuras gerações". Entrevista com Vandana Shiva
- A Economia de Francisco: um laboratório para um olhar maternal sobre o mundo. Entrevista com Federica Nalli
- Francisco, a economia, os jovens e Assis. Artigo de Luigino Bruni
- A economia segundo o Papa, a proposta que desafia o futuro
- Para construir a Economia de Francisco e Clara
- “A economia de Francisco” já é “o mais vasto movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo”
- Assis. Jovens economistas convocados pelo Papa Francisco
Nenhum comentário:
Postar um comentário