As lamentáveis cenas da invasão ao Congresso americano chocaram o mundo porque expuseram de maneira crua como o ódio semeado pelo presidente corroeu aquela que já foi a maior democracia global.
A turba, que transformou o prédio do Capitólio em cenário de filme de terror e palco de pelo menos quatro mortes, fora incitada minutos antes pelo presidente Donald Trump durante a “Marcha para Salvar a América”, diante da Casa Branca, onde exortou milhares de pessoas (muitas delas armadas) a irem para cima do Congresso para “parar este roubo”: “Nós estamos aqui reunidos no coração do capitólio por um motivo muito básico e muito simples, para salvar a nossa democracia”.
“Faremos história”, disse. “Vamos ver se temos ou não líderes grandes e corajosos, ou se temos líderes que deveriam se envergonhar de si mesmos”
Finalizou: “Nós vamos ao Capitólio para dar aos nossos republicanos, os fracos, o orgulho e coragem que eles precisam para retomar o nosso país”.
Mais revelador é o fato de que oito senadores e 139 deputados do partido republicano votaram contra o reconhecimento da eleição de Joe Biden na Pensilvânia e no Arizona. Isso representa 27,4% do total de representantes do povo americano – mais que um em cada quatro – e a maioria dos republicanos na Câmara. Numa sessão que durou até as 3 da manhã, demonstraram seu desprezo pelo voto popular e sua determinação em ir até onde fosse preciso para permanecer no poder.
Ainda antes da invasão, à pergunta se a contagem dos votos do Arizona foram regulares e autênticos, o deputado Paul Gosar respondeu: “eu me levanto em meu nome e em nome de 60 colegas para me opor à contagem dos votos do Arizona”. Nervoso, gaguejou. Imediatamente, dezenas de republicanos aplaudiram, levantando-se de seus assentos. É uma cena de dar arrepios.
Se alguém tinha alguma dúvida, eis a prova que Trump não estava sozinho na sua tentativa de golpe, que atingiu o ápice ontem, mas vem sendo costurada com falsas palavras e claros gestos desde pelo menos a derrota eleitoral.
Por aqui, Bolsonaro já deu a letra à sua militância: “se tivermos o voto eletrônico em 2022, vai ser a mesma coisa. A fraude existe”. Até agora, quem achou que poderia se ver livre de Bolsonaro, como Sergio Moro, foi estraçalhado. E não custa lembrar, como fez nosso editor Bruno Fonseca, a mensagem claríssima que o presidente deu aos seus ministros durante a famigerada reunião de abril do ano passado:
“Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme!”
“Se tivesse armado, ia pra rua.”
Só nos resta esperar que as cenas dos congressistas americanos fugindo, assustados, da turba enfurecida, traga pesadelos aos nossos deputados, como Rodrigo Maia, que ficou sentado sobre 54 pedidos de impeachment diante de um desfile de crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro.
Natalia Viana, cofundadora da Agência Pública
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