sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Boletim de Economia da Carta Capital

 

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BOLETIM DE ECONOMIA
SEXTA-FEIRA, 8 DE JANEIRO DE 2021

Foto: iStockPhoto
Ricos que pagam menos impostos não trabalham nem investem mais, portanto o benefício tributário não reverte em prol da sociedade, confirma estudo alentado 

Estudo sobre 18 países, com dados de 50 anos, confirma que impostos baixos para os ricos não beneficiam as outras classes sociais

“Os governos que buscam reparar as finanças públicas após a crise do COVID-19 não devem se preocupar indevidamente com as consequências econômicas de impostos mais altos sobre os ricos”, recomendam os autores

Por Carlos Drummond

A proposta de tributação dos mais ricos, ponto de consenso entre os partidos de oposição, ganhou o reforço de um estudo de fôlego. Publicado pelo International Inequalities Institute, da London School of Economics, um trabalho de David Hope, da LSE e Julian Limberg, do King’s College de Londres, elaborado com dados de 18 países da OCDE nos últimos 50 anos, mostra que “manter os impostos baixos para os ricos não impulsiona a economia. O argumento econômico para manter baixos os impostos sobre essa parcela da população é fraco”, afirmam os autores. 

“Os resultados evidenciam que o desempenho econômico, medido pelo PIB real per capita e pela taxa de desemprego, não é significativamente afetado por grandes cortes de impostos para os ricos. Os efeitos estimados para essas variáveis são estatisticamente indistinguíveis de zero”, sublinham os pesquisadores. 

As descobertas sobre os efeitos do crescimento econômico e do desemprego fornecem, segundo os autores, evidências contra a chamada economia do lado da oferta (supply side economics), que sugere que impostos mais baixos sobre os ricos induzirão respostas de indivíduos de alta renda, a exemplo de mais horas de trabalho e maior esforço por parte dos mesmos, tendo como resultado um impulso da atividade econômica. “Os dados que estudamos estão, no entanto, em linha com pesquisas empíricas recentes que mostram que isenções fiscais de imposto de renda e ganhos inesperados não levam os indivíduos a alterar significativamente a quantidade de trabalho”, chamam atenção Hope e Limberg. 

A teoria do supply side afirma que drásticas reduções das alíquotas tributárias estimulam as empresas e os cidadãos mais ricos a investir na produção para benefício de toda a sociedade. Defendida nos anos 1970 por Arthur Laffer e outros, assegurava que as alíquotas marginais tinham se tornado tão elevadas que desencorajavam os grandes gastos privados com fábricas, equipamentos e outras máquinas que possibilitam o crescimento da produção e da economia. O florescimento dos negócios faria a prosperidade verter ou gotejar (trickle down) para a população de baixa e média rendas, que se beneficiariam da crescente atividade econômica. “Reduzir, portanto, o tamanho do governo e consequentemente suas apropriações sobre a renda estimularia a expansão econômica”, sublinham John Downes e Jordan Elliot Goodman no Dicionário de termos financeiros e de investimentos. O Brasil teve sua versão do argumento do trickle down nos anos 1970, quando o governo militar defendia que era preciso, primeiro, deixar o bolo crescer, para depois reparti-lo, isto é, postergar as reivindicações de melhor  distribuição de renda porque era preciso, antes, aumentá-la nas mãos dos mais ricos. O resultado é conhecido. A proposta foi retomada no governo FHC, com a isenção tributária dos dividendos pagos pelos acionistas das empresas, garantida pela lei 9.249, de 1995, que tornou o Brasil o único país do mundo a conceder esse privilégio aos ricos além da Estônia.

Hope e Limberg concluem: “Nossos resultados têm implicações importantes para os debates atuais em torno das consequências econômicas da tributação dos ricos, pois fornecem evidências causais que apoiam o crescente conjunto de evidências de estudos de que o corte de impostos sobre os ricos aumenta a parcela da renda da camada de maior renda, mas tem pouco efeito sobre o desempenho econômico.”

“Grandes cortes de impostos para os ricos desde os anos 1980 aumentaram a desigualdade de renda, com todos os problemas que isso acarreta, sem nenhum ganho compensatório no desempenho econômico”, destaca Hope.  

“Nossos resultados podem ser uma boa notícia para os governos que buscam reparar as finanças públicas após a crise do COVID-19, pois apontam que eles não devem se preocupar indevidamente com consequências econômicas de impostos mais altos sobre os ricos”, chama atenção Limberg. 

Os países estudados pelos pesquisadores são Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Nova Zelândia, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. 


 

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A austeridade fiscal aumenta, além da desigualdade, a polarização política, mostra estudo que abrange 166 eleições 

As políticas fiscais de austeridade econômica contribuíram para um aumento considerável da polarização política

Pesquisa que incluiu 166 eleições em 16 países da OCDE conclui que os efeitos do conservadorismo fiscal na polarização são particularmente pronunciados quando os principais partidos de direita e de esquerda propõe esse tipo de política

Por Carlos Drummond

As políticas fiscais de austeridade contribuíram para um aumento considerável da polarização política nas últimas décadas, afirmam os autores de pesquisa que incluiu 166 eleições em 16 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico desde 1980. “As respostas de 8.800 entrevistados na Alemanha, Portugal, Espanha e Reino Unido indicam que os efeitos da austeridade sobre a polarização são particularmente pronunciados quando os principais partidos de direita e de esquerda propõem esse tipo de política econômica”, sublinham Evelyne Hubscher, da Universidade Central Europeia, e Thomas Sattler, da Universidade de Genebra. A austeridade, prosseguem, é portanto “um dos principais determinantes da desestabilização política nas democracias industrializadas”.

A investigação mostrou que a austeridade aumenta tanto a abstenção eleitoral quanto os votos para partidos não convencionais, aguçando assim a polarização do sistema partidário. Outra conclusão importante do estudo é que a análise detalhada dos ajustes fiscais selecionados revelou que os partidos novos, pequenos e radicais se beneficiam mais das políticas de austeridade. 

Por muito tempo, destacam Hubscher e Sattler, as explicações existentes sobre a transformação dos panoramas partidários minimizaram a relevância da economia. Com poucas exceções, dizem, a literatura recente sobre a mudança do sistema partidário identificou questões não econômicas, como valores culturais e preocupações com a identidade, como a causa principal desses fenômenos políticos. A dimensão cultural da competição política recebeu cada vez mais destaque por conta de mudanças estruturais de longo prazo, como uma crescente divisão de valores entre gerações ou o impacto da migração e da globalização cultural e política nas sociedades ocidentais. 

“Nossa análise redireciona a atenção para a economia e, em particular, para o impacto da política econômica nos sistemas partidários. Em contraste com a pesquisa que examina o efeito das condições econômicas, como crescimento econômico ou desemprego, nos concentramos nas posições políticas dos principais partidos políticos, que se transformaram a partir da tendência, que vem de longa data, de perseguir políticas de restrição fiscal”, explicam os autores. Isso, dizem, “cria um grupo de eleitores insatisfeitos que carecem de uma alternativa anti-austeridade confiável entre os principais partidos. Alguns desses eleitores então se abstêm de votar, enquanto outros decidem apoiar partidos políticos não convencionais que rejeitam a austeridade. A polarização dos sistemas partidários, portanto, aumenta indiretamente por meio da abstenção eleitoral e diretamente por meio da deserção para partidos não convencionais nas periferias do sistema partidário.”

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