Nesta semana, as redes sociais foram inundadas por memes sobre os R$ 15 milhões gastos em leite condensado pelo poder Executivo federal em 2020, revelados em reportagem do portal Metrópoles sobre as despesas do governo com alimentação. No Twitter, jornalistas discutiram a reportagem, a contextualização dos dados - e a falta dela. Parlamentares formalizaram representações pedindo que o TCU investigue as compras do Executivo. O jornal britânico The Guardian repercutiu a história. O Portal da Transparência ficou horas fora do ar. Segundo a CGU, por conta de um volume de acessos “fora do habitual”. Ontem, o Ministro do órgão disse que os números que estão no Painel de Compras, que basearam a reportagem do Metrópoles, não refletem a realidade.
A grandeza dos números assusta, e as pessoas têm o direito de conhecer e compreender os gastos do poder Executivo. No Twitter, o Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos - ressaltou a importância de investigar as compras do governo, mas sem perder de vista outros montantes que deveriam causar igual espanto, como os 29 bilhões que sobraram dos recursos separados para o auxílio emergencial em 2020.
Enquanto cidadãos estarrecidos buscavam o Portal da Transparência para entender os gastos do governo, a Fiquem Sabendo revelou que o Tribunal de Contas da União não vai mais receber denúncias de descumprimento à Lei de Acesso à Informação. Caso a LAI não seja cumprida, será necessário recorrer ao Poder Judiciário para garantir que órgãos públicos cumpram seu dever de serem transparentes - o que torna o processo de conseguir informações mais lento, custoso, difícil e menos transparente.
Em nossa newsletter dos Aliados desta semana - exclusiva para os apoiadores da Pública - o editor Thiago Domenici contou que uma das dificuldades que enfrentamos na produção das reportagens do especial Amazônia Irrespirável, que mostra os efeitos da sobreposição entre a Covid-19 e as queimadas, foi a falta de transparência do governo federal. Apesar da dificuldade para acessar dados do Ministério da Saúde, fundamentais para as reportagens, encontramos outras saídas e investigamos mesmo assim.
Aglomerado em uma churrascaria com diversas pessoas sem máscara, enquanto o país tem 220 mil mortos por Covid-19 e há uma semana registra mais de mil mortes por dia, Jair Bolsonaro falou sobre os gastos com leite condensado em mais uma de suas repugnantes e violentas reações, repleta de ataques à imprensa. A quebra de decoro e os ataques aos jornalistas não são novidade, sabemos bem. Mas é importante que não nos acostumemos com eles. Nem com o profundo descaso do presidente e seu governo com os mais 220 mil mortos por Covid-19.
Bolsonaro quer um cheque em branco. Quer que, tal qual os aglomerados na churrascaria, assistamos rindo e aplaudindo enquanto o oxigênio falta, as mortes aumentam, o auxílio acaba, a fome volta, a floresta vai abaixo e o governo fica cada vez menos transparente. Mas não vamos pagar essa conta: vamos seguir investigando e denunciando a falta de transparência.
Marina Dias, coordenadora de comunicação da Agência Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário