Agradecimentos e um apelo
(Arte/Carta Maior)
Primeiramente, meus sinceros agradecimentos pelas palavras de cada um de vocês durante as comemorações desses vinte anos de Carta Maior, completados em 25 de janeiro. Declarações que aqui chegaram como sopro de alegria, em meio a minha recuperação da Covid-19, uma pandemia criminosamente agravada pela incompetência do atual governo, e por sua política de desinformação.
Foi revigorante ler os depoimentos no especial Carta Maior 20 anos, generosamente organizado pelo amigo Flávio Aguiar. Faço questão de agradecer nominalmente a André Barrocal, Aram Aharonian, Bernardo Kucinski, Bia Barbosa, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Carvalho, Emir Sader, Gilberto Maringoni, José Luiz Del Roio, Laurindo Lalo Leal Filho, Léa Maria Aarão Reis, Leonardo Sakamoto, Marcel Gomes, Marco Weissheimer, Maria Rita Kehl, Maurício Hashizume, Miguel Rossetto, Nelson Breve, Najla Passos, Olívio Dutra, Saul Leblon, Tarso Genro, Venício A. de Lima e Verena Glass.
Igualmente revigorante foi assistir à atividade “Resistência democrática, comunicação, desigualdades e violência” no Fórum Social Mundial (FSM), promovida por Carta Maior e pelo Fórum 21, rede que agrega mais de 150 intelectuais brasileiros e estrangeiros, de várias áreas do conhecimento e tendências políticas no campo da esquerda. Além de apreciar a qualidade dos debates, pude rememorar as várias bandeiras pelas quais lutamos naquele 2001. Muitas delas se transformariam em plataformas e políticas públicas que defenderíamos ao longo dessas décadas. Outras ainda acenam como a utopia a ser construída, conforme a imagem eternizada por Eduardo Galeano, um dos grandes colaboradores de Carta Maior.
As comemorações também me fizeram refletir sobre o que vivemos nessas duas décadas de história. Em 2001, precisamente em 11 de setembro, a inviolabilidade do território norte-americano seria derrubada por meio de um ataque aéreo, assumido pela Al Qaeda, nas torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, e parte do Pentágono próximo a Washington. Ironias da história, 28 anos antes, em 11 de setembro de 1973, dois jatos Hawker Hunter das Forças Armadas chilenas surgiram sobre La Moneda, em Santiago, lançando várias bombas de 50 quilos sobre o palácio presidencial, durante o golpe militar que derrubaria o governo democrático de Salvador Allende (confira o especial “Os dois 11 de setembro”).
Em 2002, teríamos a tentativa de golpe contra Chávez na Venezuela, não apenas fracassada, mas seguida de sucessivas vitórias do líder bolivariano nas urnas. Em 2003, Lula assumiria o governo, convocando o Congresso Nacional a abraçar o combate à fome como agenda prioritária do país. Dois anos depois, sofreríamos a primeira tentativa de golpe, o chamado “mensalão”, com campanha diária e agressiva dos veículos de comunicação – Organizações Globo à frente – contra o governo. Reeleito com 60,83% dos votos válidos, Lula anunciaria em 2006, a descoberta do pré-sal pela Petrobrás (dez anos depois entregue ao capital privado, em uma das mais espúrias jogadas da direita brasileira, PSDB à frente).
Em 2008, mais precisamente em 15 de setembro com o colapso do Lehman Brothers, estourariam as bolhas financeiras de Wall Street mergulhando o mundo em uma crise de dimensões proporcionais à de 1929. Em vários cantos do globo, o que se viu foram governos financiando banqueiros, e a população em desespero nas ruas, tentando defender direitos básicos ante as draconianas políticas de austeridade, em ondas de protestos na Grécia, Itália, Espanha, Portugal... No Brasil, porém, seguíamos de vento e popa, com o mercado interno se expandindo devido ao aumento real da renda das famílias e de toda sorte de políticas públicas de inclusão social. E assim, em 2010, Dilma Rousseff seria eleita a primeira presidenta deste país, com 56% dos votos válidos. O Brasil despontava em um mundo em ebulição.
Na Tunísia, naquele mesmo ano, teria início a Primavera Árabe, com grandes manifestações organizadas pelas redes sociais no Egito, Líbia, Síria, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen, entre outros países. Ainda em 2010, Julian Assange publicaria documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos revelando uma série de violações aos direitos humanos no Iraque e Afeganistão. Três anos depois, seria a vez de Edward Snowden, ex-funcionário da NSA, a agência de segurança nacional dos Estados Unidos, denunciar o esquema de espionagem do governo norte-americano, alertando sobre o acesso detalhado da agência a dados de governos de outros países e suas instituições, como Dilma Rousseff e a Petrobrás, por exemplo; e até mesmo dados detalhados da população civil norte-americana e de outros países.
Em meados de 2013, os protestos que incendiavam o mundo chegariam ao Brasil e a partir deles, o ovo da serpente seria gestado. Instrumentalizadas pela direita, e pelo espectro reunido em torno do antipetismo, as manifestações de 2013 adentrariam o ano eleitoral de 2014, revigoradas por intensa e diária campanha política-midiática em torno da Lava Jato que, sem qualquer pudor, ostentaria o conluio entre parte do Judiciário e as Organizações Globo, que seguiria após a reeleição de Dilma nas urnas, com 51,64% dos votos válidos.
Dois anos depois, consumado o golpe em 2016, veríamos a Petrobrás e o pré-sal brasileiro entregues ao capital internacional, ou seja, às corporações até então concorrentes da estatal brasileira. E o ciclo de 13 anos de governos petistas abruptamente interrompido, evidenciando a fragilidade das nossas instituições em sua missão de garantir a democracia e a legalidade dos processos políticos.
Se no raiar do século XXI, nós pudemos sonhar com as transformações promovidas pelos governos progressistas na América Latina; a partir dos anos 10, presenciamos o brutal contra-ataque da direita, com a sucessão de golpes no continente, deposição e até mesmo prisão de líderes políticos que ousaram implementar uma política externa soberana e independente na região. Neste cenário turbulento, também acompanharíamos, embasbacados, a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Ninguém imaginava que tragédia semelhante poderia acontecer em casa.
E ela aconteceu.
Entre 2016 e 2018, Michel Temer daria início ao desmonte do Estado brasileiro, engessando o país com sua política absurda de Teto de Gastos, aos moldes da cartilha da austeridade. De lá para cá, o que se viu foi o crescimento do desemprego, da pobreza, da insegurança econômica e do desespero capturados pelo discurso e ações violentas dessa direita extremada e antiética que tem em Bolsonaro, o seu modelo e exemplo.
Meus caros, ao longo de todos esses acontecimentos, Carta Maior esteve ativamente presente, produzindo conteúdo ou fomentando a produção de análises pelas melhores cabeças pensantes deste país e do mundo. É neste sentido que Flávio Aguiar destacou, em sua apresentação, o fato de Carta Maior deter um dos mais ricos acervos do pensamento da esquerda brasileira e internacional.
A construção desse repertório analítico, de primeiríssima linha, só foi possível pela solidariedade dos nossos leitores e pela amizade dos nossos colaboradores, com quem divido todos os louros desses nossos vinte anos no ar.
Por fim, não posso me esquivar de pedir aos nossos leitores assíduos, que ainda não contribuem com este projeto, que o façam. Ao longo desses vinte anos, e em particular, os últimos quatro anos, nós dependemos quase que exclusivamente da contribuição de vocês para sobreviver. Daí o apelo, com a promessa de muitas e boas mudanças no site neste ano de aniversário: seja parceiro-doador de Carta Maior (saiba como aqui) e siga conosco.
Um grande abraço a todos os leitores de Carta Maior. Protejam-se. Vacinem-se. Usem máscara. Não saiam às ruas se não precisarem sair. Aguentem firme, sobretudo no atual momento de acumulada exaustão. Todo cuidado é pouco.
E aos amigos de Carta Maior, meus sinceros agradecimentos.
Joaquim Ernesto Palhares
Diretor de Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário