PETROBRAS NA BRIGA ENTRE o MERCADO E o EX-CAPITÃO, OS INTERESSES DA ESTATAL FICAM EM SEGUNDO PLANO. PARA ACALMAR OS ÂNIMOS, O GOVERNO OFERECE EM TROCA A VENDA DA ELETROBRAS Economia Interferência de quem? OPINIÃO Apesar de ter ações na Bolsa, a Petrobras continua a ser uma empresa estatal e precisa cumprir esse papel Por Gilberto Bercovici e Rodrigo Salgado* Em Nova York, as ações da Petrobras derreteram Imaginem um grande investidor. Alguém com muito dinheiro e proprietário de uma grande empresa. Ele passa um bom tempo do seu dia a cuidar de seus negócios, certo? Não. Na verdade, ele cuida de quem cuida de seus negócios. Conversa com o presidente de sua empresa, com seus gerentes de investimento. Supondo que ele esteja insatisfeito com o resultado dos negócios, ele demite o presidente, que é seu funcionário. Em uma sociedade por ações de capital aberto, isso também acontece. Claro, existem processos e instâncias. Há de se ter maioria no Conselho de Administração. É necessária a convocação de uma assembleia de acionistas. Mas, ao fim e ao cabo, ouvidas tais instâncias, o ato é possível e juridicamente resguardado. A posteriori, a Comissão de Valores Mobiliários pode investigar se houve prejuízo aos acionistas minoritários e o Judiciário pode, se demandado, exigir indenizações e outras obrigações. Uma coisa é certa: com o rito devidamente seguido, o controlador da empresa tem o direito de nomear um novo presidente. Nosso caso aqui é a Petrobras. Criada, em 1953, por Getúlio Vargas para viabilizar o nosso ciclo de industrialização, a companhia é responsável pela quase totalidade da exploração, produção, refino e transporte de petróleo, gás natural e derivados no País. Em 1997, a maior empresa nacional passou por transformações previstas na Lei do Petróleo, a nº 9.478/97. Mesmo com a malfadada flexibilização do monopólio, a Petrobras segue, porém, uma empresa estatal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com maioria do capital votante sob controle da União. Na condição de sociedade de economia mista, ela possui acionistas privados. Hoje, inclusive, cerca de 30% de seu capital é detido por investidores estrangeiros. Mas, como empresa estatal, o interesse público deve sempre prevalecer sobre o interesse privado dos acionistas minoritários. Desde o governo Temer, sob Pedro Parente, a Petrobras tem sido dirigida para privilegiar o acionista em detrimento do interesse público. A venda de seu parque de refino, decidida pelo Conselho de Administração antes mesmo de firmado um acordo ilegal com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica é uma amostra. A venda da BR Distribuidora, uma privatização travestida de venda de ações, também. Mas nada é mais contundente nesta "nova" gestão do que a política de preços de combustíveis adotada desde a presidência de Parente. Chamada hoje de preço de paridade de importação (PPI), a companhia usa as variações do dólar e do barril de petróleo para determinar o preço do produto vendido às distribuidoras, que o repassam imediatamente para o valor final do produto. A ideia aqui é garantir a maior lucratividade para a empresa, valorizando suas ações (ou o seu valor de mercado). Como a Petrobras é dominante no mercado de importação e exportação de óleo e derivados, pelo seu tamanho, é a price maker (sic) do mercado interno, fazendo com que todo o setor siga seus passos. Durante o governo Temer, o País assistiu à greve dos caminhoneiros. Com mais traços de locaute do que de luta dos trabalhadores, a paralisação persistiu até o governo apresentar arremedas de solução. O confuso tabelamento dos fretes foi o mais famoso. Quem não resistiu, no entanto, foi o então presidente da estatal petroleira, que se demitiu. Desde o governo Temer, a companhia tem sido dirigida para privilegiar o acionista em detrimento do interesse público Dito isso, é importante mostrar o que está em jogo com a saída de Roberto Castello Branco da chefia da empresa, que cai pelos mesmos motivos que levaram Parente a pedir para sair. Como apontamos, a ideia do PPI é fazer a empresa valorizar seus papéis nas Bolsas, especialmente aquelas de São Paulo e Nova York. Não vamos entrar no mérito se essa é a maneira mais adequada de se preciflcar uma companhia. O que é fato é que são acionistas privados, notadamente os investidores estrangeiros, os que mais ganham com essa estratégia. Para não deixar dúvidas dos interesses internacionais, vejam a carta que a gestora internacional Aberdeen Standard enviou ao Conselho de Administração da empresa. Lá, o fundo que detém 0,5% do capital da Petrobras ameaça o País, dizendo que mudanças na companhia podem colocar em risco "os esforços de reconstrução da credibilidade não só da empresa como de ativos brasileiros de maneira mais ampla". O único "detalhe" aqui é que é a Petrobras é estatal. Empresas estatais são criadas por lei para realizar determinada política pública. Tanto é assim que mesmo a Lei das Sociedades por Ações, em seu artigo 238, garante que a pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação. Aliás, o artigo 117 da mesma lei diz que orientar a companhia para fim estranho ao interesse nacional é modalidade de exercício abusivo de poder de controle, ensejando em responsabilização do acionista controlador. Nada mais óbvio. Uma estatal não existe para dar lucro. Ela também não existe para satisfazer fundos de investimento, sérios ou abutres. Mesmo com o capital aberto, a Petrobras continua a pertencer ao povo brasileiro, que delega à União a função de gerir a empresa. A disputa aqui é mais um capítulo da briga entre o interesse público e o interesse do acionista. Esse conflito é recorrente no Brasil, que, desde Ernesto Geisel, optou por utilizar suas estatais para fomentar o nosso diminuto mercado de capitais. Nos Estados Unidos, onde existem mais de 2 mil empresas estatais, nenhuma tem capital aberto. Aliás, a gritaria da Faria Lima em torno da substituição da presidência da empresa diz muito sobre quem são: podem morrer mais de 250 mil brasileiros, podem defender uma nova ditadura, nada disso incomoda o "mercado". O que não pode é acabar com a festa dos "investidores". Assim como os defensores da independência do Banco Central pregam a emissão monetária alienada do interesse público, a "interferência" na Petrobras seria a intromissão do dono no seu próprio negócio. Basicamente como aquele sócio picareta que fica com o pires na mão quando o dono descobre que está sendo roubado. O dono, no caso, somos todos nós, brasileiros. • *Gilberto Bercovici é professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, professor da pós-graduação do IDP e da Uninove e advogado. Rodrigo Salgado é professor de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado
e CRÉDITOS DA PÁGINA: TIMOTHY A.CLARY/AFP
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