Breno Altman: Guerra do Paraguai foi de extermínio e forjou Exército oligárquico
Para fundador de Opera Mundi, o estudo da guerra é essencial para compreender a natureza das Forças Armadas e a que interesses servem
No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA, o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre a Guerra do Paraguai, o maior confronto militar da história sul-americana, que opôs a chamada Tríplice Aliança – formada por Brasil, Argentina e Uruguai – contra o Paraguai.
Iniciado em 27 de dezembro de 1864 e terminado em 8 de abril de 1870, o combate cobrou a vida de cerca de 60 mil brasileiros e eliminou 50% das tropas uruguaias e argentinas.
Já o Paraguai registrou cerca de 300 mil mortos, entre homens, mulheres e crianças. Além das vítimas da guerra, de epidemias e da fome decorrentes do conflito, o Paraguai foi ocupado militarmente por quase dez anos e perdeu cerca de 40% de seu território para o Brasil e Argentina. O país também teve de pagar uma alta indenização pelo conflito, que arruinou estruturalmente sua economia.
Para entender essas consequências, Altman afirmou ser importante estabelecer a historiografia do conflito, “para sabermos como caminhar nesse tema tão complexo e espinhoso, sem tomarmos gato por lebre”.
Ele localiza os primórdios da Guerra do Paraguai em outros três conflitos anteriores: as guerras da Cisplatina (1825-1828), Prata (1851-1852) e Uruguai (1864-1865).
O primeiro foi resultado de uma rebelião em 1822 dos uruguaios, cujo território, então chamado de região da Cisplatina, havia sido anexado pelo Reino de Portugal, Brasil e Algarves em 1816.
“Mesclavam-se interesses de classe – a expansão de terras para a pecuária dominada pela aristocracia rural sulista –, os objetivos da corte lusitana em enfraquecer o antigo vice-reinado da Prata e o ódio contra as forças republicanas e revolucionárias de José Artigas, o prócer da independência uruguaia”, detalhou. Após três anos de combate, o Brasil foi derrotado e surgiu a República Oriental do Uruguai.
O segundo conflito veio quase 25 anos depois. De forma resumida, o Brasil havia se reunificado, após o esmagamento da Guerra dos Farrapos (1835 - 1845), e decidiu voltar a enfrentar interesses argentinos: o ditador Juan Manuel de Rosas tinha a intenção de reconstruir o antigo vice-reinado, anexando Uruguai e Paraguai, sob sua hegemonia.
O Brasil aliou-se aos independentistas desses dois países e a províncias rebeldes da própria Argentina, derrubando Rosas e batendo seu aliado uruguaio, Manuel Oribe.
“A sequência de vitórias deixou o Império do Brasil em posição hegemônica no sul do continente, permitindo a reinserção dos pecuaristas sulistas ao bloco aristocrático que comandava o Estado. A compensação oferecida aos estancieros, pela alta carga tributária, era a ampliação de suas áreas de pastagem, exatamente no Uruguai, para aumentar a produção em um período de forte prosperidade econômica e aquecimento do mercado interno”, explicou Altman.
Guerra do Paraguai
Nesse contexto, emergiu a Guerra do Uruguai, após o governo de Bernardo Berro, do Partido Nacional, representante dos estancieiros locais, tomar medidas contra o expansionismo brasileiro e também o argentino, em 1863.
“As medidas afetavam os interesses dos ruralistas gaúchos e encareciam os custos de produção da florescente agricultura cafeeira, ainda fortemente baseada em trabalho escravo, pois sobre taxavam a exportação de carne dos pecuaristas e proibiam o uso de trabalho escravo”, relembrou o jornalista.
O Brasil reagiu imediatamente aliando-se ao Partido Colorado e seu líder, Venâncio Flores, exilado na Argentina, sob a proteção do governo Bartolomeu Mitre.
O governo uruguaio, presidido por aquele então por Atanasio Aguirre, não cedia às pressões, sendo finalmente invadido em 10 de agosto pelas tropas de D. Pedro II, aliadas a combatentes colorados, com apoio material da Argentina, embora essa nação se declarasse neutra no conflito.
Por outro lado, os blancos tinham como principal aliado o Paraguai de Solano Lopez, que se engajaria na disputa no final de 1864. No dia 12 de novembro, o líder paraguaio ordena a apreensão do navio brasileiro Marquês de Olinda, o que foi considerado um ato de guerra pelo governo brasileiro.
Além disso, o governo paraguaio toma a iniciativa e invade, em 14 de dezembro, o Mato Grosso, seguida por outra invasão na província do Rio Grande do Sul, no início de 1865, através da província argentina de Corrientes.
Já no Uruguai, o governo blanco cairia em 20 de fevereiro de 1865, com a imposição do comando de Venâncio Flores sobre o país, que imediatamente atendeu às exigências brasileiras. Mas, segundo Altman, “a guerra regional estava desatada”.
O Brasil de Dom Pedro II, a Argentina de Mitre e o Uruguai de Flores formariam a Tríplice Aliança, através de tratado assinado em 1º de maio de 1865, para combater a expansão paraguaia promovida por Solano Lopez.
Independente desde 1811, o Paraguai havia constituído uma formação econômica bem distinta de seus vizinhos: possuía autossuficiência agrícola, a partir de pequenas propriedades camponesas, de colonos e índios guaranis. “O país era fechado e autóctone, não mantendo relações com nenhum país e proibindo tanto a emigração, quanto a imigração. Embora ainda existisse trabalho escravo, esse era decadente: a Lei do Ventre Livre fora assinada pelo pai de Solano Lopez, Carlos Lopez, em 1842, quase trinta anos antes que medida semelhante fosse tomada no Brasil”, narrou Altman.
Solano Lopez construiu um forte exército, com armas modernas e bem treinado, para defender essa autonomia. Diferentemente do Brasil, cujo exército se constituiria de fato durante a Guerra do Paraguai, arregimentando guardas regionais e policiais, abrindo campanhas e ofertando aos negros escravos sua liberdade em troca de alistamento.
No entanto, “a elite do exército era formada por escravocratas e integrantes da aristocracia rural, em sua maioria, incluindo o Conde D’Eu, mas a soldadesca que serviria como carne de canhão era de origem humilde”, ponderou o jornalista.
A guerra teria uma fase de ofensiva paraguaia fora de seu território, detida pela Tríplice Aliança após dois anos de combates; e outra de defensiva, iniciada em 16 de abril de 1866, quando o exército brasileiro finalmente entra no território vizinho, acompanhado por seus aliados.
“A resistência paraguaia, nessa etapa, foi antológica, envolvendo todo o povo. As tropas inimigas eram cada vez mais numerosas e impiedosas. Talvez a batalha mais emblemática dessa segunda fase tenha sido a Batalha de Acosta Ñu, quando soldados chefiados pelo Conde D’Eu massacraram fardados paraguaios, cuja média de idade não passaria dos catorze anos”, refletiu Altman.
Quando a correlação de forças vira em favor da Tríplice Aliança, após a segunda batalha de Tuiuti, em 1867, a guerra “se transformaria em uma guerra de extermínio, como demonstram os números”.
A vitória final seria alcançada depois da queda de Assunção, em 1º de janeiro de 1869, mas consolidada apenas em 8 de abril de 1870, com o esmagamento do último acampamento guerrilheiro paraguaio, em Cerro Corá, e o assassinato de Solano Lopez.
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Tela de Pedro Américo retrata a Batalha do Avaí, travada durante a Guerra do Paraguai
Guerra justa ou injusta?
Para além da história do conflito, a Guerra do Paraguai divide especialistas sobre seus motivos reais: “Foi justa ou injusta? Em defesa dos interesses nacionais ou da aristocracia rural?”.
Altman afirmou que, para fazer essa reflexão, é necessário, primeiro, registrar que a historiografia sobre a guerra se divide em quatro correntes.
A primeira delas é nacional-patriótica, dominante até os anos 1970, que se baseava na “adulação dos heróis militares e na reivindicação da Guerra do Paraguai como um processo positivo, heroico, de constituição da nacionalidade, contra um país supostamente dominado por criminosos e malfeitores, com ambições expansionistas, frente aos quais o Império do Brasil teria travado uma guerra defensiva – portanto, justa”, explicou.
A segunda corrente historiográfica foi denominada revisionista, pois se contrapunha à interpretação tradicional, e emergiu nos anos 1970. Integrada por autores marxistas, classificava a Guerra do Paraguai como uma consequência da formação social escravista no Brasil, contraposta à ditadura estatal-monopolista instalada no Paraguai, baseada em uma economia de pequenos criadores, plantadores e no campesinato de origem guarani. “Essa interpretação também levava em conta supostos interesses do Império Britânico em derrotar o Paraguai, cujo desenvolvimento autônomo confrontaria os objetivos geopolíticos e imperialistas da Inglaterra”, ressaltou o jornalista.
A terceira corrente surgiu em meados dos anos 1990, “e poderíamos chamá-la de restauracionista, embora alguns prefiram denominá-la neorrevisionista”.
A teoria tratou de impugnar toda a interpretação marxista sobre o episódio e retornar à narrativa nacional-patriótica sob um certo manto pós-moderno, revalorizando o papel brasileiro a partir de uma crítica supostamente democrática ao regime de Solano Lopez, mesclando-a novamente com atos de heroísmo dos militares brasileiros, para afirmar que a Guerra do Paraguai teria sido decisiva para criar um Exército profissional, avançar na abolição da escravidão e construir as bases da república.
“A análise dos modos de produção e das classes é substituída, nessa corrente, pela geopolítica, equalizando todos os interesses em disputa sob uma lógica nacional própria a cada um dos envolvidos”, ponderou.
Uma quarta corrente, que se reivindica neorrevisionista, se inspira em autores marxistas, brasileiros e estrangeiros, “mas busca expurgar os exageros e preencher lacunas, à luz da análise de novos e velhos documentos históricos”.
Para seus defensores, a Guerra do Paraguai teve caráter imperialista, foi movida por interesses da aristocracia rural brasileira e consagrou o caráter oligárquico das forças armadas brasileiras.
Altman se colocou de acordo com a quarta corrente, afirmando que os interesses da aristocracia rural e os objetivos geopolíticos da corte de Dom Pedro, de hegemonia sobre a região, predominaram na declaração da guerra. “Um conflito de natureza imperialista, por assim dizer”, reforçou.
Para o jornalista, o combate ainda forjaria o moderno exército brasileiro “e seu papel tutelar sobre o Estado, que perdura até os dias de hoje. Não é à toa que os principais patronos das Forças Armadas sejam todos comandantes da Guerra do Paraguai”.
“Mudanças profundas dessa tradição deveriam começar por um solene pedido de desculpas ao Uruguai e ao Paraguai pela guerra imperialista”, concluiu Altman.
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