Artigo | Marighella: um filme necessário
O filme se faz necessário, sobretudo em nossos tempos. Mas mais necessária ainda é sua exibição
Era uma tarde de sábado frio e cinza em São Paulo. Em diversos grupos de whatsapp, um mesmo link foi compartilhado. Quase um ano e meio após a data inicial prevista para lançamento nos cinemas, Marighella - O Filme chegou de forma inusitada, chegou surpreendendo, assim como a mensagem que ecoou na Rádio Nacional em 1969.
A data prevista para o lançamento do longa era o dia 20 de novembro de 2019, Dia da Consciência Negra e mês em que se completaram 50 anos do assassinato do “Preto”, como era chamado Marighella pelos companheiros.
Porém, com justificativas de problemas entre a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e a produtora O2 Filmes, ele nunca foi lançado no Brasil. Em contrapartida, foi lançado na gringa e premiado em festivais internacionais de cinema. Não à toa, o filme brasileiro que chegou via rede social neste sábado tinha legendas em inglês.
Para o diretor Wagner Moura, o fato que realmente justifica a não estreia de Marighella no país foi censura.
Para o diretor Wagner Moura, o fato que realmente justifica a não estreia de Marighella no país foi censura. E sim, essa narrativa faz sentido, sobretudo se olharmos para o filme, em contraposição ao projeto político ultraneoliberal e as ideias militares do Planalto.
Leia mais: Marighella tem estreia marcada para 14 de maio nos cinemas brasileiros
Protagonizado por Seu Jorge, o filme - que foi baseado na biografia homônima escrita por Mário Magalhães - conta os últimos anos da vida em luta de Carlos Marighella, já na clandestinidade imposta pelo golpe civil-militar de 1964. O longa conta também com a participação especial de Maria Marighella, neta do revolucionário, que ao final do longa diz que “este homem amou o Brasil”.
Wagner recriou muito bem as cenas de ação. Quem assiste se sente imerso, sente a respiração, o suor, o movimento, a intensidade daqueles momentos vividos. E quando, ao som de Chico Science, ainda na primeira cena, o Grupo Tático Armado da Ação Libertadora Nacional assalta um trem para obter armas, tudo parece fazer ainda mais sentido. É o Brasil de forma visceral. É, sem dúvidas, “banditismo por uma questão de classe”.
Em 2019 tive a oportunidade de conhecer de perto, conversar e reviver memórias juntamente com ex-guerrilheiras e ex-guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN). E ao assistir o filme, senti como se este processo estivesse ganhando um corpo em imagens muito condizentes com as narrativas.
A forma como Wagner Moura constrói os personagens secundários, permite que se identifique quem são, ao mesmo tempo em que, em alguns casos, não deixa isso explícito. As histórias também se misturam, dando uma ideia de que um único personagem representa, ao mesmo tempo, diversos personagens históricos da resistência à ditadura. Ao passo que, também, um personagem histórico pode estar sendo representado por mais de um ator, como é o caso de Zilda Xavier.
As cenas de violência vão crescendo progressivamente durante o longa, tendo seu ápice na reprodução do assassinato de Virgílio Gomes da Silva, pelas forças da repressão. Virgílio, no filme, é representado pelo personagem Danilo, que, antes de morrer grita aos algozes “vocês estão matando um brasileiro!”.
O filme é um abraço companheiro em tempos de isolamento
Marighella - o revolucionário em si, mas também o filme - incendeia corações e mentes, é mística, é memória viva. O filme é um abraço companheiro em tempos de isolamento, sobretudo para aquelas e aqueles que resistem ao genocídio cotidiano, conscientes do nosso papel social coletivo.
O filme se faz necessário, sobretudo em nossos tempos. Mas mais necessária ainda é sua exibição. Para que o povo possa conhecer quem foi Carlos Marighella, suas ideias, e sobretudo suas ações. E para que jamais nos esqueçamos que é da força genuína de nossa classe trabalhadora que levanta a resistência contra toda tirania imposta.
Viva Marighella, viva o povo brasileiro, viva a democracia, viva o cinema nacional.
*Mariana Fontoura Lemos é estudante de Educomunicação na ECA-USP e militante do Levante Popular da Juventude.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante
Nenhum comentário:
Postar um comentário