sexta-feira, 6 de agosto de 2021

De volta ao futuro

 

Ed. #209 | 06 de agosto de 2021

De volta ao futuro

 

Na virada de 2018 para 2019, um voto de ano novo se tornou popular nas redes sociais: “Bem vindo a 1964!”. A ironia se referia à posse do ex-capitão Jair Bolsonaro no primeiro dia de 2019, trazendo consigo os valores retrógrados de golpistas civis e militares de 50 anos atrás. 
Desde então, começando pelo autoritarismo político, o retrocesso se espraia pela vida nacional, atingindo os direitos de todos os que não pertencem à casta dos homens brancos conservadores e suas famílias religiosas e abastadas. Mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+, trabalhadores, agricultores familiares, ambientalistas e movimentos sociais se viram espionados, excluídos, agredidos, destituídos de posses e direitos, enquanto o presidente trabalhava pela censura às universidades e à imprensa - sobretudo de forma misógina, no ataque às jornalistas mulheres, além da inquisição policial de professores, cientistas e juristas. 
Em certo sentido, Bolsonaro tem ido além dos presidentes militares, associando-se publicamente ao crime, o que seus inspiradores evitaram, escondendo suas câmaras de tortura e ligações com esquadrões da morte. Das declarações e medalhas que homenageiam milicianos notórios - e comprometedores laços pessoais - ao apoio a madeireiros e garimpeiros ilegais, certos criminosos são os favoritos do presidente, que desautorizou e desmontou todos os órgãos de fiscalização ambiental e a rede de proteção social, assenhoreando-se também da Polícia Federal e da PGR.  
Com a parceria do Centrão do agora ministro Ciro Nogueira, a quem condecorou no dia 4 passado com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz, Bolsonaro premia agora os especuladores de terra com a aprovação do PL da Grilagem na Câmara, que substituiu uma medida provisória de sua lavra, ainda mais radical. Se aprovado no Senado, o PL transformará em alvo os que têm suas terras invadidas e que dela sobrevivem (a relação entre grilagem e violência está demonstrada na animação da Agência Pública publicada nesta semana com participação especial do escritor Itamar Vieira Jr). 
Não é a primeira vez que os invasores de terra saem no lucro com apoio do Executivo e do Congresso. O processo de anistia aos grileiros é recorrente a ponto de o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, declarar, em um debate sobre a Amazônia promovido pelo Valor Econômico em abril, que a “reiterada possibilidade de regularização de terras griladas é o problema mais importante no plano jurídico para combater a violência e o desmatamento na Amazônia”.  O PL da Grilagem reforça essa tendência, ampliando a possibilidade de titulação em terras públicas por autodeclaração, “sem checar se os danos ambientais que causaram foram recuperados”,  como destacou a advogada Juliana Paula Batista, do ISA. “É um cheque em branco e um incentivo à criminalidade", definiu. 
Em um momento em que o mundo reconhece por fim a urgência da questão climática e encara o desafio de reduzir pelo menos 50% das emissões de carbono até 2030, o governo Bolsonaro nos prende no passado, e não apenas pela defesa extemporânea e calculada do voto impresso. Como disse a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o desmatamento turva nossa imagem e tumultua nosso futuro, aquele que cientistas, sociedade civil e populações tradicionais podemos construir juntos: um Brasil que aproveita o conhecimento e os recursos da floresta para semear prosperidade e bem estar para todas as formas de vida e garantir a integridade do planeta para as novas gerações. É também em nome desse futuro, além das milhares de vítimas da pandemia e da violência, que temos que remover Bolsonaro do poder. 



Marina Amaral, diretora executiva da Agência Pública 

PODCAST CIENTISTAS NA LINHA DE FRENTE. O primeiro episódio do “Cientistas na linha de frente” conta a história do infectologista Marcus Lacerda, que liderou em Manaus o primeiro estudo clínico sobre a eficácia da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19. Atacado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, Lacerda e sua equipe viveram um “terremoto” em suas vidas. Com ameaças de morte, o cientista passou semanas sendo escoltado pela polícia militar.  Ouça agora.

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Yanomami atropelado por avião do garimpo. No final de julho, um indígena do povo Yanomami morreu atropelado por um avião de garimpeiros na aldeia Homoxi, em Roraima. Segundo testemunha, o piloto primeiro freou e depois acelerou na direção de Edgar Yanomami, de 25 anos. Reportagem da Amazônia Real mostra que garimpeiros tentaram comprar o silêncio dos indígenas com ouro.

Após assassinato de PMs, 8 ciganos da mesma família são mortos e moradores denunciam invasões de casas. Em Vitória da Conquista (BA), entidades denunciam “caçada” contra ciganos. De acordo com elas, moradores de origem cigana têm sido alvo de ações abusivas da PM baiana na cidade e pedem apuração de violações. A investigação é da Ponte Jornalismo.


Xingu fecha primeiro semestre com piores taxas de desmatamento em três anos. A Bacia do Xingu apresentou as piores taxas de desmatamento para um primeiro semestre, nos últimos três anos. É o que mostra o Boletim Sirad-X, da Rede Xingu + , compartilhado pelo Instituto Socioambiental. A destruição atingiu uma área equivalente a duas vezes o município de Recife, capital de Pernambuco.

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Sojeiros culpam sarna por problemas de saúde em vila onde avião lançou agrotóxicos
Três meses após avião de fazendeiros pulverizar agrotóxicos sobre Araçá, comunidade rural no Maranhão, moradores relatam que ainda não têm resultados de testes de contaminação. Mas os sojeiros afirmam estar confiantes que o laudo será favorável a eles e atribuem os problemas de saúde dos habitantes à “sarna humana”.
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Neste vídeo, narrado pelo escritor de "Torto Arado", Itamar Vieira Junior, mostramos como os conflitos surgem, se intensificam e mais pessoas morrem nessa luta.
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“Não há um único genocídio que não tenha sido precedido por discursos de ódio”

Em entrevista exclusiva, a conselheira especial do Escritório para a Prevenção do Genocídio da ONU, Alice Wairimu Nderitu, expressa sua preocupação em relação aos Povos Indígenas no Brasil e a questão do “Marco Temporal”.
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Redes Sociais e a CPI. Senadores que integram a CPI da Pandemia têm enviado requerimentos mal formulados para empresas como Google, Facebook e Twitter. De um lado, isso se torna um empecilho para que a comissão obtenha dados necessários para suas apurações e de outro, facilita que as empresas se recusem a fornecer informações, como mostra o Núcleo Jornalismo.

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