Rússia: para analista, política externa russa não é doutrina, mas resposta a ameaças
“Não existe uma Doutrina Putin na Rússia porque não há um conceito pensado, desenvolvido, somente uma forma de governar e lidar com a política externa muito particular do presidente russo”, avalia Danil Bochkov, analista da RIAC, think-tank criado pelo governo russo em 2010. O analista russo considera que a política externa russa construiu se tornou agressiva após ser ignorada em diálogos para contenção dos avanços da Otan e UE, e que a invasão da Ucrânia iniciada na quinta-feira (24) seria um marco na ordem internacional pós Segunda Guerra, com a segurança nacional tendo prioridade sobre os direitos soberanos e a não-interferência.
“A Rússia de agiu para defender seus interesses e sua segurança nacional antes que fosse tarde demais; quando percebeu que as negociações com as potências ocidentais chegaram a um impasse final, restou apenas o plano B que sempre existiu, a ofensiva militar visando retirar do poder um presidente eleito em um pleito corrompido, a despeito das consequências que sempre foram consideradas”.
Segundo Bochkov, a Rússia vem se sentindo ameaçada em seu território desde pelo menos 2007. Naquele ano, o presidente russo, Vladimir Putin, realizou um discurso na conferência de segurança de Munique, na Alemanha, criticando a hegemonia norte-americana no exercício da segurança mundial, e sobretudo euro-Atlântica.
“Os Estados Unidos ultrapassaram suas fronteiras nacionais em todos os sentidos. Isto é visível nas políticas econômicas, políticas, culturais e educacionais que impõe a outras nações. Isto é extremamente perigoso. O resultado é que ninguém se sente seguro, porque ninguém pode sentir que o direito internacional é como um muro de pedra que os protegerá. É claro que tal política estimula uma corrida armamentista”, disse Putin na ocasião.
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Naquele momento os EUA já haviam, desde o início do século 21, invadido militarmente o Iraque e o Afeganistão, além de ter interferido em outras nações dentro e fora do Oriente Médio e mundo árabe. Para o analista, estas medidas ligaram o alarme para o maior país do mundo, e que, por isso mesmo e por suas características naturais, possui milhares de quilômetros de fronteiras vulneráveis sem barreiras geográficas.
Naquele mesmo ano a Rússia suspendeu sua participação no Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa porque de acordo com a presidência, "sete anos se passaram e apenas quatro Estados ratificaram este documento, incluindo a Federação Russa".
Segundo Boshkov, desde aquele discurso UE (União Europeia) e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não pararam de se expandir em direção à antiga Cortina de Ferro. A única adesão de um país à UE após aquela data, no entanto, foi a da Croácia em 2013. O país que durante a Guerra Fria fazia parte da Iugoslávia socialista passou por uma sangrenta guerra entre 1991 e 1995, assim como a Bósnia, para obter sua independência.
Em 2009 a ex-república iugoslava já havia se juntado à Otan, assim como as vizinhas Macedônia, Montenegro e a Albânia que já foi considerada a nação mais pobre do continente. Hoje este posto é ocupado justamente pela Ucrânia, com renda per capita de US$ 14.150 (aprox. R$ 73.000 anuais; similar à brasileira). A Ucrânia já teve a segunda maior economia da União Soviética, no entanto a transição para o capitalismo levou grande parte da população para a pobreza.
Linha vermelha
Para o analista, a gota d’água do avanço foi a intenção de uma ex-república soviética com identidade similar à russa e com quem o país possui sua maior fronteira terrestre de se juntar aos organismos ocidentais.
“O governo de Zelensky é um fantoche, fruto de eleições corruptas, e a Rússia só terá paz quando ele for derrubado para a colocação não apenas de outro presidente, mas uma mudança geral no panorama político ucraniano, sempre visando prevenir a Ucrânia de se tornar anti-Rússia e voltar a ser uma ameaça à nação”.
Em sua avaliação, não se trata das ambições de presidente forte ou de recriar o império soviético, mas sim do resultado do gradual avanço do Ocidente, associado a uma terceira via de exercício de política e poder externos.
“O pilar do pensamento é a percepção da Rússia como de uma alternativa para o mundo e exercício de poder, nem Ocidental, nem Oriental. A Rússia tem seu próprio estilo, e é ele o pilar de sua política externa”, considera o pesquisador de relações internacionais e economia.
Sua avaliação é de que se a Ucrânia for tomada sob controle russo com a introdução do governo pró-russo, a ameaça à segurança nacional seria revertida, mas que de qualquer modo a Rússia terá instabilidades futuras em outros lugares de sua esfera de influência, uma vez que o Ocidente e seus aliados estarão procurando impor mais pressão sobre o governo russo. “Uma única ameaça será repudiada, mas muitas outras virão”.
Nos últimos dias diversas manifestações contra a invasão da Ucrânia ocorreram em cidades como Moscou e São Petersburgo, resultando na prisão de milhares de manifestantes. Para o defensor do governo, no entanto, Putin está com a opinião popular. Segundo o Instituto de Pesquisa Levada-Center, 45% dos russos apoiaram a declaração de reconhecimento da independência das províncias rebeldes de Donetsk e Luhansk. Se considerado apenas o órgão estatal, essa aprovação salta para 73%.
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