Olá,
No fim do ano passado — para ser mais exata, em 11 de dezembro — contei em uma newsletter que o especialista em setor energético mais ouvido pela imprensa no Brasil, o economista Adriano Pires, não era apenas uma fonte muito qualificada: ao dar entrevistas, ele advogava em causa própria e pelas empresas para as quais trabalha. Em português claro, um lobista clássico — que na mídia corporativa sempre era tratado, até então, como "consultor".
No texto, chamei atenção para algo que passava despercebido pela grande imprensa: há duas décadas com acesso privilegiado aos principais jornais do país, e tendo sua própria coluna fixa no Estadão e no Poder 360, Pires se utilizava desses espaços para dar opiniões favoráveis a seus contratantes.
No fim de março, o lobista foi indicado pelo governo Bolsonaro para a presidência da Petrobras. Um burburinho se fez na imprensa, já que ele fundou e dirige o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), empresa de consultoria que trabalha para as principais transnacionais de petróleo, gás e energia. E, só então, a imprensa passou a chamá-lo pelo nome que nós já tínhamos dado – lobista.
Como apontou Rubens Valente em sua coluna do UOL, apesar de não divulgar publicamente sua carteira de clientes, o site do CBIE tem um espaço intitulado "Confiam no CBIE", que traz logos de empresas como as "norte-americanas Chevron e Exxon Mobil, a britânica Shell e a própria Petrobras".
Pela Lei das Estatais, de 2016, que veta que um executivo tenha parentes atuando no mercado para empreendimentos que possam ser considerados concorrentes, o economista precisaria não só deixar o CBIE como vender a empresa, como apontou a colunista Josette Goulart na revista Veja.
No dia 4 de abril, o lobista anunciou publicamente a desistência de assumir o cargo — não sem antes causar certa comoção no setor, gerando mobilização da Abegás (Associação Brasileira de Empresas Distribuidoras de Gás), que chegou a fazer uma carta pedindo que os associados apoiassem a indicação do economista, lembrando o quanto ele já teria feito pelas empresas do setor.
O patente conflito de interesses levou à desistência de Pires, que provavelmente ponderou que abrir mão de uma empresa por pouco mais de oito meses (com o risco real da não reeleição de Bolsonaro) na presidência da estatal não seria vantajoso — em carta pública, o lobista citou falta de tempo para essa transição, mas quem acompanha o Intercept soube meses antes que Pires fazia uso de sua posição privilegiada para benefício próprio.
Denunciar essa incoerência foi nossa contribuição para evitar que um acesso privilegiado à mídia evoluísse para um ilegal uso da máquina pública para benefício do setor privado. Esse é o tipo de trabalho que dá gosto fazer. Apontar o dedo para vantagens indevidas, ainda que bem no início, e incomodar o clube do colarinho branco que define a vida de milhões de brasileiros é um dos nossos papéis.
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