sábado, 9 de abril de 2022

O que a Uber tem a esconder?

 

Sábado, 9 de abril de 2022
O que a Uber tem a esconder?


Visitamos a obra da sede-fantasia da empresa em Osasco.

No meio de 2021, a Uber anunciou a construção de sua nova sede brasileira. Localizado na Vila Yara, em Osasco, na Grande São Paulo, o Uber Campus fica num terreno de mais de 30 mil metros quadrados. Os croquis publicados pela empresa projetam um prédio com cara de universidade, como o nome indica. São 12 mil metros quadrados de área construída cercados por 18 mil de área verde. 

"Ele está sendo desenhado para incluir salas de reuniões amplas, restaurante, cafeteria, academia, sala de amamentação, além de áreas para a prática de yoga, alongamento e meditação e para receber os cachorrinhos de estimação dos funcionários", publicou a empresa em um comunicado. A previsão para a inauguração era 2022. 

O repórter Paulo Victor Ribeiro, que está cobrindo a CPI dos Aplicativos da Câmara Municipal de São Paulo desde outubro do ano passado, participou de uma diligência dos parlamentares à sede da Uber em Osasco. Entre os pontos visitados estava o terreno do futuro Uber Campus. Chegando lá, no entanto, decepção: não há nada além de um terreno vazio e uma antiga concessionária de automóveis abandonada. Nenhum indício de obra do tal "campus" futurista, o que torna a inauguração em 2022 improvável.

Os vereadores estranharam. Assim como também desconfiaram da atual sede da Uber, num prédio de escritórios compartilhados. Sem aviso prévio, a comitiva formada por políticos de um espectro que vai do União Brasil ao Psol foi até lá de surpresa. Eles queriam entender as razões pelas quais a Uber se instalou em Osasco apesar de concentrar suas operações na capital paulista. A suspeita deles: evasão fiscal. 

Assista aqui ao vídeo. 

Os aplicativos de transporte estão em uma brincadeira de gato e rato com os vereadores paulistanos. Quando seus executivos aparecem para depor, normalmente já têm direito de ficarem calados graças a habeas corpus obtidos pelos advogados das empresas, como mostramos nesta reportagem

Os vereadores enviaram uma série de perguntas ao departamento jurídico das empresas de entregas e transporte. Queriam saber, por exemplo, o número de casos de assédio, de acidentes, o tempo em que os motoristas e entregadores ficam trabalhando diariamente. Perguntas básicas, que o pessoal da Fair Work também fez, cujas respostas permitiriam entender como é a rotina de trabalho dos profissionais que prestam serviços para as empresas (e que elas insistem em chamar de "parceiros"). Mas, de forma geral, a CPI só recebeu evasivas.

Vamos nos concentrar na Uber, foco da diligência do final de março. A empresa foi questionada sobre o número de motoristas que se acidentaram, morreram ou acionaram o seguro oferecido pelo aplicativo. A resposta? "A Uber não possui no momento um relatório de segurança referente à sua atividade de intermediação no Brasil e, portanto, não tem como compartilhá-lo ou divulgá-lo", diz o documento da empresa enviado à CPI. Em outro requerimento, que perguntava à Uber se "foram registradas mortes de prestadores de serviços em decorrência de acidentes", a empresa tergiversou. Disse que "não possui 'prestadores de serviços'" e que é uma plataforma utilizada "livremente pelos parceiros usuários". Quantos se acidentaram com motoristas exaustos? Ficamos sem saber.

Os vereadores também questionaram qual a média de viagens feitas pelos motoristas e quanto tempo eles ficam logados diariamente na plataforma – uma forma de tentar calcular as horas de trabalho. De novo, a empresa foi escorregadia. "A plataforma Uber é usada por parceiros e funcionários à sua exclusiva discrição. Assim sendo, não há de se falar em média de viagens, pois os motoristas e entregadores parceiros estão livres para gerar renda se e quando quiserem, nos horários em lhes sejam mais convenientes".

O Ministério Público do Trabalho, que esteve na CPI na última terça, entrou com uma ação civil pública para que o tempo de engajamento dos motoristas no app seja limitado, além de querer, também, que a Uber reconheça o vínculo empregatício de seus motoristas. Mas a ação corre em segredo – graças a mais um dos habeas corpus dos diligentes advogados da empresa. 

Depois das visitas dos vereadores paulistanos, o prefeito de Osasco, Rogério Lins, do Podemos, telefonou para seu colega da capital paulista, Ricardo Nunes, do MDB, reclamando da operação. "O pessoal tem que saber perder também, né", disse Lins. Na última terça-feira, uma comitiva da prefeitura osasquense divulgou uma visita ao campus da Uber com entusiasmo. Segundo a divulgação oficial, as obras estão "a pleno vapor" e devem ser entregues em dezembro de 2022. Não foi o que pareceu. 

Tatiana Dias
Editora Sênior

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