terça-feira, 14 de junho de 2022

Carta Capital

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9 DE JUNHO DE 2022

“Pode ser acidente, pode ser que eles tenham sido executados”, especulou candidamente Jair Bolsonaro na terça-feira 7, dois dias após o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia. Naquele momento, é provável que o Exército brasileiro sequer tivesse chegado ao local onde eles foram vistos pela última vez, a julgar pelo desdenhoso comunicado divulgado pelo Comando Militar da Amazônia na tarde anterior, informando ter “condições de cumprir a missão humanitária de buscas e salvamento”, mas esclarecendo que as ações só seriam iniciadas “mediante acionamento por parte do Escalão Superior”. Passadas 48 horas da ocorrência, os militares ainda esperavam ordens superiores para sair da inércia e cumprir seu dever.

A omissão do governo federal escandalizou o mundo e levou numerosas entidades, a exemplo da Anistia Internacional, da Human Rights Watch e do Greenpeace, a cobrar providências imediatas das autoridades brasileiras. Colaborador assíduo de publicações como The Guardian, Financial TimesNew York Times e Washington Post, Phillips pediu auxílio a Pereira, servidor licenciado da Funai e profundo conhecedor da região, para investigar as constantes invasões de madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais nas terras indígenas. Desapareceram na manhã do domingo 5, durante um deslocamento de barco pelo rio Itaquaí, após uma visita aos limites da Terra Indígena Vale do Javari.

Pereira chefiou a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados até 2019, mas foi removido do cargo após liderar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Na ocasião, os agentes destruíram equipamentos de mineração e apreenderam um helicóptero. Punido por cumprir o seu dever, o servidor pediu licença não remunerada da Funai e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, onde passou a atuar livre das interferências políticas. Sem a proteção institucional do órgão público, passou, porém, a receber numerosas ameaças dos criminosos da floresta.

Caso Phillips e Pereira tenham sido vítimas de emboscada, como o ex-capitão cinicamente cogita, como se não tivesse responsabilidade alguma no episódio, o Brasil reforçará ainda mais o seu isolamento na comunidade internacional. Sob Bolsonaro, passamos rapidamente da condição de respeitados interlocutores na agenda ambiental à condição de párias, exatamente pelo fato de o atual ocupante do Palácio do Planalto não apenas tolerar, mas incentivar a atuação dos criminosos da floresta.

O jornalismo têm merecido de Bolsonaro e de sua horda de seguidores mais do que desdém. No Dia da Liberdade de Imprensa, o ex-capitão sugeriu o fechamento da mídia brasileira. “Deputados que estão aqui, que estejam nos ouvindo, vai chegar a sua hora [de ter o mandato cassado] se você não se indignar. Não existe especificação penal para fake news. Se for para punir fake news com a derrubada de páginas, fechem a imprensa brasileira, que é uma fábrica de fake news. Em especial, Globo e Folha”, discursou. Na mesma semana, bolsonaristas ameaçaram o repórter Lucas Neivas, do site Congresso em Foco, que expôs um esquema de distribuição de notícias falsas e mentiras a favor do candidato à reeleição.

A boa (e verdadeira) notícia é que Bolsonaro foi condenado a pagar 100 mil reais por danos morais contra os jornalistas, em uma ação movida pelo sindicato da categoria no estado de São Paulo. A decisão, publicada na terça-feira 7, Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, é histórica: pela primeira vez um governante em exercício foi punido em uma ação coletiva pelos reiterados ataques aos profissionais responsáveis por informar a sociedade, inclusive incentivando a sua horda de seguidores a perseguir e agredir quem ousa questioná-lo sobre temas incômodos.

Ainda que amplos setores da mídia tenham atuado como cabos eleitorais do ex-capitão em 2018 – e que alguns continuem a fazê-lo –, não existe democracia sem liberdade de imprensa.

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