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Eles sumiram com Dom. Essa foi a primeira frase que me veio à mente quando li sobre o desaparecimento do inglês sorridente que conheci na praia de Copacabana em 2018 fazendo stand up paddle no mar. Dom Phillips, repórter experiente, estava acompanhado de Bruno Pereira, um dos maiores conhecedores da região amazônica onde ambos sumiram sem deixar rastros no domingo, 5 de junho.
Depois de um par de ligações telefônicas que praticamente descartavam a hipótese de acidente, uma amiga me disse que um grupo de locais havia feito uma varredura minuciosa na área. Nada. Então a frase martelou novamente na minha cabeça: eles sumiram com Dom.
Fazer jornalismo na Amazônia sempre foi uma tarefa difícil e perigosa, mas ela se tornou especialmente letal nos últimos anos. Em 2021, o número de assassinatos em comunidades tradicionais e de agricultura familiar cresceu 12 vezes. A Amazônia Legal concentra 80% das mortes violentas em áreas rurais do Brasil . Mesmo que ainda haja esperanças de encontrar Bruno e Dom, era questão de tempo até que algo assim acontecesse.
Três anos atrás, Dom Phillips participou de um café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro. Perguntou a Bolsonaro sobre o crescente e alarmante desmatamento na Amazônia. Falou sobre o desmonte do aparato legal de proteção ao meio ambiente. Comentou sobre as ligações criminosas de assessores e do próprio ministro do Meio Ambiente com madeireiros. Com seu desdém habitual, Bolsonaro respondeu: “A primeira coisa que você tem que entender é que a Amazônia é do Brasil, e não de vocês.”
Não se sabe a que “vocês” Bolsonaro se referia, mas o fato é que a Amazônia não é mais, efetivamente, do Brasil. Neste exato momento em que equipes buscam por Bruno e Dom, porções continentais da floresta estão nas mãos de piratas brasileiros e estrangeiros.
A Amazônia de hoje é uma espécie de território anarcocapitalista onde convivem e negociam garimpeiros ilegais, grileiros, indígenas e ribeirinhos abandonados pelo estado e corrompidos pelo crime. Narcotraficantes controlam rios em toda a Amazônia Oriental transportando sobretudo cocaína que será consumida no norte global. Uma distopia real. Um Mad Max fluvial incentivado pelo governo.
Bolsonaro nunca escondeu sua ojeriza pelas populações indígenas. No passado, ele lamentou que o Brasil não tenha “dizimado” seus povos originários como fizeram os Estados Unidos. E sempre que pode fala de sua admiração pelo garimpo. Não à toa que o pai de Bolsonaro, Percy Geraldo Bolsonaro, foi um dos garimpeiros de Serra Pelada , o maior garimpo a céu aberto do mundo. Sua política busca o tempo todo dar livre passagem aos depredadores da floresta. As palavras duras ele costuma reservar a jornalistas e ativistas como Dom e Bruno.
Assim, a letargia das equipes de busca lideradas pelo Governo Federal não surpreende. É o desfecho óbvio desse enredo macabro em que o Brasil se meteu. Já na segunda-feira sabia-se que a vida de Bruno e Dom dependia do tic tac dos relógios. A resposta do Exército Brasileiro foi de causar ódio: em nota, os militares disseram que poderiam cumprir a missão, mas estavam esperando a ordem de algum burocrata.
A ordem veio tardiamente e o governo mentiu duas vezes: disse que Bruno e Dom não haviam informado sobre sua incursão na selva , e relatou o uso intensivo de helicópteros que não foram vistos por ninguém na região . Àquela altura, depois de intermináveis dias na mata, já seria praticamente impossível encontrar os dois com vida.
Bolsonaro e seu grupo tratam a imprensa a pontapés desde antes do começo do governo. Sua candidatura em 2018 agiu ativamente para censurar a liberdade de imprensa que ele diz defender enquanto fabricava boatos e tentava chupar dados de celulares para sua máquina de propaganda. O partido de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão, financiou a maior rede de fake news do Brasil , derrubada pelo Facebook.
Dom Phillips é autor do ainda inacabado livro "Como salvar a Amazônia?”. Era para isso que ele estava mergulhado na floresta. Eu espero poder abraçar Dom na noite de autógrafos. Mesmo com todo o terror que nos cerca, ainda não nos impediram de sonhar.
Este texto foi escrito para a Ijnet, Rede de Jornalistas Internacionais, e está publicado aqui .
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