Olá,
Nos últimos dias, aconteceu comigo um desses momentos que reforçam nossa crença no jornalismo. Editei a reportagem "Tudo bem por aí?", do repórter Victor Silva, que conta a indigesta história do tratamento que o iFood deu ao entregador Yuri de Souza Fontes, que morreu em serviço: por questões burocráticas bastante questionáveis, alegando inconsistência nos dados cadastrais, a empresa negou o seguro de vida à família de Yuri. A matéria foi ao ar na segunda-feira e, logo na terça, o iFood voltou atrás e prometeu que pagará a indenização à família. Mas essa é uma conquista agridoce, e vou explicar por quê.
Como jornalistas, nos sentimos realizados, é claro, quando levamos uma denúncia como a da família de Yuri para o mundo e conseguimos que uma injustiça (ou ao menos parte dela) seja corrigida. No Intercept, apontar abusos, negligências e crimes dos poderosos é nosso principal papel, e buscamos isso incansavelmente. Mas, como seres humanos, nos dói o contato diário com a variedade de absurdos que o dinheiro, uma marca consolidada e um bom departamento de marketing podem promover contra pessoas sem o mesmo respaldo.
Não é a primeira vez que o iFood aparece por aqui. Em abril deste ano, o repórter Paulo Victor Ribeiro já havia mostrado que a empresa "compra" boas avaliações no site de defesa do consumidor Reclame Aqui com cupons de comida, manipulando as avaliações. Antes disso, ainda no ano passado, revelei em outra reportagem como a Frente Digital do Congresso, criada em 2019, tem por trás o lobby de empresas de tecnologia como iFood, Uber, 99, Facebook e Google, entre outras gigantes tecnológicas.
Nossa cobertura sobre as empresas de aplicativos de serviços que chegaram ao Brasil nos últimos 15 anos, e a precarização que elas causaram tratando trabalhadores como "parceiros", entre outras iniciativas para driblar o vínculo empregatício, vai longe. Já denunciamos como, por falta de notificação de dados do Uber às prefeituras, motoristas têm seus carros apreendidos e precisam pagar taxas como R$ 5 mil para reaver carros alugados que usavam no serviço.
Também sobre o Uber, divulgamos dados de uma pesquisa acadêmica que mostrava que passageiros e motoristas negros relatam terem média de nota mais baixa que a de colegas brancos — e vários deles passaram por situações de discriminação. Apesar de uma forte campanha contra o racismo, a empresa respondia a essas situações com atitudes tímidas, como evitar que passageiros e motoristas que passaram por essas situações se encontrassem novamente.
Na pandemia, expusemos como iFood, UberEats, Rappi, Loggi e 99Eats, mesmo lucrando como nunca com as entregas em domicílio que a pandemia exigiu, deixaram seus entregadores sem a proteção necessária e vulneráveis aos riscos de contágio por covid-19. E cobrimos incansavelmente a CPI dos Apps na Câmara Municipal de São Paulo – acompanhamos inclusive as diligências às sedes das empresas, e fomos, digamos, não muito bem recebidos por lá.
Eu poderia listar mais muitos exemplos aqui da nossa extensa cobertura sobre a uberização do trabalho que essas empresas vêm promovendo no Brasil, enquanto lucram e vendem a imagem moderninha e progressista que você conhece das propagandas.
Nosso papel é mostrar que, quando se trata de direitos trabalhistas, megaempresas precisam e sempre vão precisar ser investigadas de perto — por mais inovadoras que pareçam, ainda estamos falando de exploração de pessoas pelos donos do dinheiro. Como disse no início do texto, investigar e expor casos como o do Yuri e como tantos outros que acompanhamos não é tarefa simples: estamos tratando de trabalhadores desrespeitados e explorados por quem deveria se importar com eles.
Para que o Intercept possa continuar revelando abusos trabalhistas como o que fizeram com o Yuri, não conte com sites e jornais que têm patrocínio de empresas exploradoras. Estamos aqui para isso, mas precisamos do seu apoio. Aqui não entra "cupom" do iFood. Apoie nosso trabalho: QUERO O INTERCEPT INVESTIGANDO OS PODEROSOS →
Antes de encerrar, duas ótimas notícias!
✨O Elemento Tinta, documentário do Intercept com direção de Iuri Sales e Luiz Maudonnet, com coordenação de nossa Diretora de Vídeo Luiza Drable, nosso Diretor de Audiência Leonardo Martins e nosso Produtor de Vídeo Marlon Peter, levou nada menos que o Kikito de melhor curta-metragem brasileiro por júri popular no 50° Festival de Cinema de Gramado. O filme já tinha sido premiado em quatro festivais e selecionado para 12 deles, mas é a primeira vez que trouxemos o maior prêmio do cinema brasileiro para casa!
✨Também ficamos orgulhosos em contar que a jornalista Nayara Felizardo foi eleita Melhor repórter de jornal, revista ou texto online no Troféu Mulher Imprensa. Quem acompanha o Intercept sabe: merecidíssimo!
Abraço, |
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