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🔓 LEIA. Reportagem proibida: o cruzeiro macabro no Amazonas
Site Amazônia Real teve que tirar reportagem do ar. Estou republicando ela aqui
Pessoal, a Justiça do Amazonas censurou uma reportagem do site Amazônia Real e obrigou a agência dirigida por Kátia Brasil a tirar seu jornalismo do ar. Pena em caso de descumpriemento: R$ 8.000,00.
A reportagem investigou quem eram os donos dos iates de luxo de uma festa que aconteceu durante a pandemia nos rios do Amazonas. Conhecido como “cruzeiro macabro”, os barcos levaram turistas aglomerados e sem máscara para visitar uma aldeia indígena enquanto o covid ainda matava dezenas de pessoas no estado. A covid é muito mais perigosa para as comunidades indígenas.
A decisão judicial viola as garantias constitucionais relativas à liberdade de imprensa e informação, previstas nos artigos 5º e 220 da Constituição Federal. Infelizmente, isso vem acontecendo com muita frequência no Brasil – algo impensado anos atrás.
A decisão foi da 10ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus, acatando pedido dos ricos e poderosos empresários locais Waldery Areosa Ferreira, Daniel Henrique Louzada Areosa e da empresa WL Sistema Amazonense de Turismo. Eles alegaram que a reportagem associa seus nome como organizadores do evento relatado, dizem que não foram consultados antes da divulgação das informações e que a matéria tem conteúdo difamatório e calunioso, comprometendo a honra, a reputação e a imagem.
“Ao analisar o pleito, embora não tenham os autores juntado uma prova sequer que embasasse seus pedidos, o juízo de primeiro grau concedeu de forma inexplicável a tutela de urgência, baseando-se unicamente nas falsas afirmações arguidas pelos autores”, diz a defesa da agência, no recurso.
Eu decidi publicar a reportagem proibida aqui na nossa news para que todos possam ter acesso a ela. Compartilhem este e-mail o máximo que puderem. Vou deixar um botão de “share” no final da página!
Leia a reportagem do Amazônia Real 👇
Empresário das áreas da educação e do turismo, Waldery Areosa Ferreira é o nome por trás do “cruzeiro macabro” no Amazonas. O evento intitulado “Amazon Immersion” foi interceptado em uma operação da Polícia Civil em 6 de abril de 2021, quando navegava por rios da região com turistas brasileiros e estrangeiros. Todos se comportavam como se não houvesse uma pandemia, e foram flagrados por policiais sem máscaras, muitos embriagados e participando de uma balada.
Na hora do flagrante, os turistas e a maior parte da tripulação de três embarcações que faziam parte da expedição estavam a bordo do iate de luxo Anna Beatriz 1. O barco não possui registro na Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental. A informação foi confirmada pelo Comando do 9º Distrito Naval, da Marinha do Brasil, que instaurou um inquérito para apurar o caso após a agência Amazônia Real solicitar informações sobre o iate de luxo.
No passeio amazônico, a embarcação Anna Beatriz 1 era acompanhada por outros dois iates: Mano Zeca e Hélio Gabriel. Os iates Anna Beatriz e Hélio Gabriel pertencem à empresa WL Sistema Amazonense de Turismo Ltda, também proprietária do hotel de selva Amazon Jungle Palace, que está em nome de Waldery Areosa Ferreira e seus filhos.
As embarcações se encontram em exposição no site da própria empresa. O iate Anna Beatriz 1 possui 19 suítes, todas com ambientes climatizados. Conta ainda com restaurante, cozinha, bar e sala de jogos com TV, área de entretenimento e lazer. A balada flagrada pela Polícia Civil ocorreu em um dos três decks do iate.
A WL Sistema Amazonense de Turismo, cujo nome fantasia é Natureza Turismo NT, é uma gigante do setor na região. De acordo com informações na Receita Federal, a empresa tem capital social de 70.592.697 reais, e pertence ao empresário Areosa Ferreira e seus filhos, entre eles Waldery Areosa Ferreira Junior. Pai e filho foram alvo da Operação Estocolmo, deflagrada em 2012, que investigava um esquema de exploração sexual de crianças e adolescentes no Amazonas.
De acordo com a operação, empresários e políticos pagavam para fazer sexo com meninas, e utilizavam uma agência de modelos para atrair a atenção das vítimas. O nome Estocolmo foi uma homenagem ao 1º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que foi realizado em Estocolmo, na Suécia, em 1996.
Em reportagem veiculada no programa Fantástico, da TV Globo, Waldery Areosa Ferreira é apontado como cliente de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes no Amazonas. Na denúncia do Ministério Público Federal (MPF), há gravações em áudio e vídeo que mostram que “o empresário da área de educação, ex-dono de um centro universitário de Manaus e proprietário de um hotel flutuante” tinha predileção por adolescentes de 13 a 16 anos.
Fundador do Centro Universitário do Norte – Uninorte, Waldery Areosa Ferreira já foi homenageado, em 2007, pelo governo do Amazonas com a “Medalha do Mérito Educacional“. Nascido na Ilha da Paciência, em Iranduba (AM), o empresário fez fortuna pelo ramo educacional na gestão do ex-governador Amazonino Mendes (hoje no partido PODEMOS), mas não demorou para ampliar seus negócios para a área de turismo. Sempre esteve ao lado do poder.
Atualmente, a empresa WL Sistema Amazonense de Turismo Ltda, tem um contrato com o governo de Wilson Lima (PSC), para o aluguel de um imóvel situado na rua Emílio Moreira, nº 470, na Praça 14, na Zona Sul da capital amazonense. No local funciona a Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (SECT). O contrato foi assinado em 02/01/2020 e tem validade até 31 de dezembro deste ano. Pelo negócio, o estado paga à WL R$ 40 mil por mês. Até o final do contrato, a empresa de Waldery Areosa vai receber um total de R$ 920.000 .
Waldery é proprietário do Hotel Amazon Jungle Palace. Inaugurado em agosto de 2009, o empreendimento já foi alvo de uma ação civil pública ajuizada pelo MPF sob a acusação de danos ambientais. O hotel flutuante foi instalado no Lago do Tatu, em área do Parque Estadual do Rio Negro Setor Sul, segundo indicou o MPF. Em abril de 2019, o juiz substituto Hiram Armênio Xavier Pereira inocentou o empresário.
A denúncia da rede pedófila
Em 2014, a então presidente da CPI da Pedofilia da Câmara, em Brasília, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), e a relatora, deputada Liliam Sá (Pros-RJ), estiveram no Amazonas, para tomar depoimentos de testemunhas envolvidas em casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Antes de chegar ao Estado, a presidente da CPI recebeu uma cópia do inquérito de quase 4 mil páginas da Operação Estocolmo.
À época, a Comissão Parlamentar de Inquérito divulgou os nomes dos réus que foram convocados a depor, e os Waldery, pai e filho, estavam entre eles. Apesar do grande “barulho” que a operação causou à época, até hoje, nove anos depois, o desfecho do caso ainda parece longe do fim.
Waldery Areosa Ferreira, junto com outras 14 pessoas, é réu no processo originado pela Operação Estocolmo. O caso tramita em segredo de justiça.
Já o nome do primogênito do empresário, Waldery Areosa Ferreira Junior, também envolvido na rede de exploração sexual de crianças e adolescentes, ressurgiu em junho de 2020, após denúncia do site The Intercept Brasil envolvendo a TV Bolsonaro. A empresa IP.TV oferece tecnologia usada por 7,1 milhões de alunos e professores de São Paulo, Paraná, Amazonas e Pará para as aulas à distância. Os estudantes do Amazonas e do Pará são bombardeados com conteúdos bolsonaristas pelo aplicativo Mano, de streaming de vídeos.
A IP.TV é de propriedade de Eduardo Patrício Giraldez, que, por sua vez, mantinha sociedade com Areosa Junior na empresa Hexagono Technology – Hexagono Soluções em Tecnologia da Informação. Esta última empresa, em fase de “extinção por encerramento de liquidação voluntária”, apresentava como um dos contatos um email da empresa Natureza Turismo NT, a mesma da família Aerosa e dona do iate Anna Beatriz 1.
A “imersão” macabra
O cruzeiro macabro intitulado “Amazon Immersion” acabou se tornando público graças a um perfil no Instagram chamado “Brasil Fede Covid”, criada para denunciar aglomerações clandestinas durante a pandemia do novo coronavírus no país. O panfleto do evento, todo em inglês, prometia “uma jornada em direção a novas experiências”, com muita “cultura, natureza, música, gastronomia, autoconhecimento e amizades”.
A “Imersão Amazônica” teve início em uma sexta-feira (2 de abril), e foi interrompida quatro dias depois (na terça-feira, dia 6) , com a chegada dos policiais do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) e da Força Especial de Resgate e Assalto (o Grupo Fera).
“Flagramos diversas pessoas realizando uma festa. A grande maioria sem máscaras, consumindo bebidas e desrespeitando o decreto estadual”, disse o diretor do DRCO, delegado Bruno Fraga. De acordo com a polícia havia pelo menos 60 turistas no barco. Eles foram encaminhados à Delegacia Geral, onde assinaram um Termo Circunstanciado de Ocorrência. Liberados, eles foram enquadrados no artigo 268 do Código Penal – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. A pena é a prisão de um mês a um ano, e multa.
Embora o caso já tenha sido remetido à Justiça, a delegada-titular do 19º Distrito Integrado de Polícia, Débora Barreiros, afirma que as diligências continuam. “Ainda estou levantando as agências de turismo, pessoas que possam ter ajudado na promoção dessa festa, porque além do passeio de barco, temos visitantes em comunidades indígenas. Precisamos apurar se houve pagamento, para quem foi pago esse dinheiro para ver quem são as outras pessoas envolvidas nessa situação”, pontua Barreiros.
Violação a decreto
A delegada Débora Barreiros já antecipou à reportagem da Amazônia Real que os proprietários das embarcações também serão responsabilizados por, no mínimo, estarem “descumprindo o decreto do governador”.
Na época em que o passeio aconteceu, o decreto do governo do Estado, em vigor, proibia a realização de “passeios turísticos, em grupo ou individuais, em embarcações”.
O último decreto publicado pelo governo no dia 16 de abril, já flexibilizou “atividades de visitação para contemplação de atrativos naturais, na via fluvial e/ou terrestre, respeitando os protocolos de prevenção definidos pelos especialistas em saúde, desde que as áreas estejam liberadas pelo Órgão Gestor Ambiental das Unidades de Conservação (UC’s) do Estado do Amazonas”. Apesar da flexibilização parcial, o governo manteve “vedado o contato com comunidades tradicionais ribeirinhas, e o desembarque de turistas nestes locais”.
Mesmo sem essa proibição, a Fundação Nacional do Índio (Funai) já havia suspendido desde o dia 17 de março do ano passado, conforme a Portaria nº 419/PRES 2020, todas as autorizações para ingresso em Terras Indígenas. Somente estão permitidos os serviços essenciais. “A Funai esclarece que não coaduna com qualquer conduta ilícita e está à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações”, disse o órgão, por meio de nota, à Amazônia Real.
Turistas foram em aldeia indígena
A Comunidade Indígena do Cipiá, no baixo rio Negro, no entorno de Manaus – onde moram indígenas dos povos Dessana, Tukano, Tuyuka, Cubeo e Bará – , foi um dos locais visitados pelos turistas do “Amazon Immersion”. Quem confirmou a presença dos turistas foi o cacique Domingos Sávio Veloso Vaz, de 60 anos, que é da etnia Dessana.
De acordo com o líder indígena, os turistas chegaram à noite na comunidade. “Eles passaram aqui de noite com a gente. Vieram rapidinho e subiram o rio. Eles assistiram o ritual. Fizemos um ritual para eles”, admitiu à reportagem da Amazônia Real.
O cacique informou que cada turista pagou 20 reais para assistir à apresentação. “Eu acho que tinha uns 50 aqui. No barco tinha uns 70”, recordou. Vaz garante que os visitantes e os indígenas usaram máscaras durante o ritual, apesar das fotos divulgadas nas redes sociais, pelos próprios turistas, mostrarem o contrário.
Comunidades indígenas como a do Cipiá passaram, de uns anos para cá, a viver exclusivamente do turismo. Com a pandemia, essa fonte de renda secou. “Estamos vivendo porque Deus é grande, né? Estamos nos mantendo com peixinho, com farinha, com a roça, nem auxílio emergencial do governo do estado ou do município, e nem federal a gente não recebe aqui. É muito difícil”, desabafou o líder indígena.
Ao longo da pandemia, os 43 indígenas da comunidade contraíram Covid-19. Nenhum deles, de acordo com Vaz, desenvolveu a forma mais severa da doença. Os indígenas também não deixaram a comunidade para fazer qualquer tipo de tratamento. “Nós nos tratamos aqui mesmo, com nossa erva medicinal. Nós temos a árvore de sara tudo. Ela é amarga. Também temos capim santo, hortelã, essas coisas”, disse.
As investigações
A reportagem de Amazônia Real procurou o MPF no Amazonas. O órgão informou que encaminhou ofícios à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), à Empresa Estadual de Turismo do Amazonas (Amazonastur) e à Fundação Municipal de Cultura e Artes (Manauscult). O objetivo é saber que medidas foram adotadas sobre o “cruzeiro macabro”.
O MPF informou ainda que encaminhou representação ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM) para apuração de possível crime.
A reportagem tentou entrevistar o empresário Waldery Areosa. Em contato com o hotel de selva Amazon Jungle Palace, um funcionário disse que o departamento jurídico entraria em contato para responder a demanda. Até a publicação desta reportagem não houve retorno.
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