sábado, 7 de janeiro de 2023

PARA NÃO ESQUECER – 01 DE JANEIRO DE 1994 * O LEVANTE DE CHIAPAS (MÉXICO)

 PARA NÃO ESQUECER – 01 DE JANEIRO DE 1994

*
O LEVANTE DE CHIAPAS (MÉXICO)
(Ernesto Germano Parés)
*
O levante de Chiapas surpreendeu o mundo no dia 1 de janeiro de 1994. Não só porque ninguém esperava um levante popular em uma data festiva, mas, principalmente, porque foi considerado o primeiro movimento popular conhecido contra a chegada do neoliberalismo em sua nova roupagem.
*
A data do levante marcava a entrada em vigor do Nafta (North American Free Trade Agreement, ou Acordo de livre-comércio da América do Norte), assinado entre EUA, Canadá e México que, até hoje, leva pobreza e mais dependência ao México.
*
O levante, oficialmente, durou 12 dias e foi liderado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional. Dizemos “oficialmente” porque, durante muitos anos, vimos os reflexos daquele levante nas mudanças da política mexicana.
*
Hoje sabemos que membros das forças armadas mexicanas já tinham conhecimento do aumento das tensões na região e que havia muita revolta contra as políticas econômicas e sociais do governo de Carlos Salinas de Gortari. Mas havia uma preocupação para não “atrapalhar” a assinatura do maldito acordo.
*
Tendo em sua formação, majoritariamente, camponeses e indígenas mexicanos, o EZLN sabia que a assinatura do acordo iria colocar os grandes proprietários de terra em uma situação de competição desigual com a agroindústria estadunidense e que, mais cedo ou mais tarde, as consequências cairiam sobre aqueles que dependiam do campo para sobrevivência. Tanto que, em uma das suas primeiras declarações, os insurgentes se referem ao Nafta como uma “sentença de morte” para os pobres e camponeses mexicanos.
*
A insurreição tem início com a tomada pelos rebeldes de San Cristóbal de las Casas e cidades vizinhas. A posição dos Zapatistas foi de declarar oficialmente guerra contra o Governo do México. No combate da cidade de Las Margaritas, amanhecendo o dia primeiro de janeiro, os rebeldes perdem um dos seus líderes, o Subcomandante Pedro. Mas os combates não param e os rebeldes avançam para outras cidades. A Igreja tenta um acordo de trégua e o bispo Samuel Ruiz divulga um documento pedindo “suspensão das hostilidades”.
*
Salinas de Gortari, pressionado por todos os lados, chama os rebeldes para uma negociação e determinou o cessar-fogo para suas tropas. Surge como representante Zapatista o Subcomandante Marcos, que ficou conhecido por sua imagem sempre de máscara e fumando um cachimbo.
*
A região de Chiapas é distante dos centros principais do México e sua população, na época, era de cerca de 70.000 pessoas que viviam em pequenas comunidades. Aparentemente, teria pouca repercussão no país, mas a surpresa da ação e as reivindicações contra o Nafta e por mudanças imediatas no programa social e econômico do governo deram ao EZLN uma projeção inesperada.
*
Em fevereiro de 1995 Ernesto Zedillo assume o Governo mexicano e resolve tomar uma posição de força, ordenando a prisão de todos os líderes rebeldes. A luta volta a se acirrar e grandes mobilizações de camponeses e indígenas marcham para as cidades principais da região. Zedillo recua e chama os Zapatistas para “negociação”.
*
O EZLN surgiu de uma das muitas organizações de esquerda que se formaram durante os mais de 70 anos de governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que de “revolucionário” nada tinha. Um governo entreguista e corrupto.
*
Uma dessas organizações era as Forças de Libertação Nacional, berço do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Fundadas em agosto de 1969, as FLN atuavam no norte do México e tinham várias áreas de atuação.
*
Em confronto com o exército regular mexicano as FLN perdem alguns dos seus principais líderes, mortos ou presos. Dos sobreviventes, na maioria indígenas e mestiços, vai surgir um agrupamento rebelde que, em 1994, desponta como o EZLN!
*
No dia 10 de junho de 1994 os Zapatistas divulgam a “Segunda Declaração da Selva Lacandona”, na qual propõe, entre outras coisas, repensar o problema do poder, liberdade e justiça para que nasça uma nova cultura política dentro dos partidos do país. Dois dias depois toma conhecimento do resultado de sua consulta e rechaça as propostas governamentais, o que provoca a renúncia de Manuel Camacho Solís como comissário para a Paz em Chiapas, acusando o candidato presidencial do Partido Revolucionário Institucional (PRI), Ernesto Zedillo, de sabotar as negociações.
*
Em 6 de agosto, convocada pelo EZLN, inicia-se em San Cristóbal de las Casas a Convenção Nacional Democrática (CND), “nacional, soberana e revolucionária”, cuja aposta a médio prazo era a instauração de um “governo de transição” e a formação de uma “nova Constituinte”, que por sua vez redigiria uma “nova Magna Carta”.
*
No início de janeiro o EZLN lança a “Terceira Declaração da Selva Lacandona”, onde propõe à sociedade a criação de um Movimento para a Libertação Nacional. Interrompendo qualquer negociação, no dia 9, o presidente Ernesto Zedillo anuncia que as identidades dos dirigentes zapatistas haviam sido descobertas. O Subcomandante Marcos, agora conhecido, era o ex-professor e filósofo Rafael Sebastián Guillén Vicente, de 38 anos. Zedillo determina a prisão dos líderes.
*
O EZLN manteve sua mobilização, apesar de toda a repressão do governo, e grandes mobilizações populares foram realizadas em apoio aos rebeldes. Em 1996 o EZLN lançou a “Quarta Declaração da Selva Lacandona”. No dia 5 de janeiro, o Subcomandante Marcos abandonou seu esconderijo na mata e viaja a San Cristóbal para participar do Fórum Nacional Especial de Cultura e Direitos Indígenas que se havia iniciado dois dias antes. No dia 10, encerrou-se o Fórum com a proposta de integrar uma nova organização que posteriormente seria conhecida como Congresso Nacional Indígena.
*
Em 16 de fevereiro, os zapatistas e o Governo federal firmaram os acordos sobre Direito e Cultura Indígena, por meio dos quais o governo se comprometeu a reconhecer os povos indígenas na Constituição.
*
Para finalizar, no dia 1 janeiro 2014 matéria especial da BBC News anunciava que “Vinte anos após levante, zapatistas têm ‘independência’ no sul do México”.
*
Nas imagens: 01) Bandeira do EZLN; 02) Segunda bandeira do EZLN; 03) O Subcomandante Marcos; 04) Guerrilheiros do EZLN
13
3 compartilhamentos
Curtir
Comentar
Compartilhar

Nenhum comentário:

Postar um comentário