segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Xadrez da tentativa de conter a intentona militar, por Luis Nassif

 Xadrez do Nassif

Xadrez da tentativa de conter a intentona militar, por Luis Nassif

Começa a se formar uma onda legalista no Exército. É hoje de aproveitar e firmar alianças para expurgar os conspiradores bolsonaristas.

Quando o relatório final sobre 8 de janeiro estiver pronto, a principal conclusão é que as forças de segurança do Distrito Federal – incluindo Exército, Polícia Militar e afins – contam com dois tipos de pessoas: os bolsonaristas radicais e os bolsonaristas legalistas. Este é o ponto de partida para se entender o que se passou. A tática do governo será confiar nos legalistas.

Peça 1 – os responsáveis pela intentona

A invasão da Esplanada dos Ministérios teve a participação direta de pelo menos quatro personagens-chaves: o ex-comandante do Exército, Júlio César de Arruda; do Comandante Geral do Planalto, General Gustavo Dutra de Menezes; do Comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, major Paulo Jorge Fernandes da Hora, e do Chefe do Departamento de Operação da Polícia Federal do Distrito Federal, coronel Jorge Eduardo Jaine Barreto.

General Júlio César de Arrudaex-Comandante do Exército
Coronel Jorge Eduardo Naime BarretoChefe do Departamento de Operações da PMDF
General de Divisão Gustavo Henrique Dutra de MenezesComandante do Comando Militar do Planalto
Major Paulo Jorge Fernandes da HoraComandante do Batalhão da Guarda Presidencial

Alguns pontos que deverão aparecer no relatório final sobre as investigações, a ser divulgado na próxima 4a feira.:

  1. Coube ao Coronel Naime, chefe do Departamento de Operações da PMDF, a tentativa de desarticular completamente o controle de entrada dos manifestantes. Colocou uma tropa insuficiente, tirou férias de 5 a 8 de janeiro. Chamado às pressas, quando houve a invasão, atuou ainda para atrasar o avanço das tropas sobre os terroristas. As tropas avançavam de metro em metro, sob as ordens (aos berros) do interventor Ricardo Capelli. Na opinião de observadores internos do episódio, é possível que o então comandante da PMDF, coronel Fábio Augusto Vieira, tenha sido atropelado pelos fatos.
  2. Comandante do Comando Militar do Planalto, o General de Divisão Gustavo Henrique Dutra de Menezes desguarneceu o Palácio do Planalto com o Batalhão da Guarda Presidencial, ainda procurou tirar o interventor da frente da batalha, insistindo para que atendesse a uma ligação sua na Torre de TV do Planalto. O recado para o telefonema foi do coronel Naime.
  3. Em meio às reuniões com representantes do governo, declarações do general Dutra de que poderia remover em ordem o acampamento, por conhecer fazendeiros e empresários que haviam levado banheiros químicos e providenciado alimentação.
  4. Declaração do general Arruda de que, a invasão do acampamento de noite, poderia provocar um banho de sangue. Questionado pelos presentes se seria sinal de que havia pessoas armadas em uma área do Exército, recuou. Mencionou a presença de mulheres e crianças. Na conversa com o interventor Ricardo Capelli e, depois, com o Ministro Flávio Dino, da Justiça, chegou a avançar de dedo em punho, em tom de ameaça.
  5. O fato do general Dutra, enquanto negociava com os representantes do governo Lula, ter mobilizado tanques do Exército com canhões apontados para fora do departamento. Foi ele que impediu a entrada da PMDF no acampamento, dando tempo para os suspeitos se safarem. 
  6. As declarações do general Arruda à Polícia Federal, na reunião com representantes do governo, sustentando ter mais soldados que eles – para demovê-los da tomada do acampamento à noite. De manhã, quando a PF entrou e levou os acampados, só havia “bucha de canhão”, na expressão de um policial da PF.
  7. O Major Hora, desguarnecendo o Palácio e impedindo a prisão de terroristas.

De fato, a intentona mostrou uma articulação entre vários setores do Exército e das milícias bolsonaristas, junto com autoridades do Distrito Federal, visando forçar o governo Lula a recorrer a uma GLO (Garantia de Lei e de Ordem) – que colocaria os militares no comando do país. Essa estratégia já era de domínio geral, tendo chegado até ao tio do WhatsApp.

Uma das notícias veiculadas no período conta que o general Braga Neto (vice de Bolsonaro) teria debatido no Palácio o uso da GLO.

Portanto, houve, de fato, uma conspiração. Já se chegou em alguns terroristas na ponta e em alguns financiadores. Espera-se, agora, que identifique os financiadores maiores e, principalmente, os estrategistas.

Peça 2 – os riscos do coronel Cid

Por todos esses pontos, não bate a versão de que a gota d’água foi a negativa do general Arruda de impedir a nomeação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, o “coronel Cid”, da direção do 1º Batalhão de Ações e Comandos (BAC), que faz parte do Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia (GO), considerado uma “tropa de elite” da força terrestre.

O QG do setor militar urbano não tem contingente ou armamento capaz de manter o golpe em andamento, segundo me informa fonte que, nos governos de Joaquim Roriz, fazia toda a manutenção do DF. O QG do Setor Militar Urbano é eminentemente burocrático. O aparato bélico é bem reduzido. O grosso do armamento está em Goiás, inclusive, a defesa aérea da capital, que fica em Anápolis.

 O batalhão comandado pelo coronel Cid teria a capacidade de agir com força máxima em seis horas, ou seja, é um batalhão de eterna prontidão, com a faca no pescoço de Lula. E Cid era considerado braço direito de Bolsonaro, a ponto de estar implicado com movimentações suspeitas com o cartão corporativo da Presidência.

Peça 3 – a punição dos responsáveis

Na verdade, as razões para a demissão do general Arruda eram palpáveis desde 8 de janeiro. Não haveria a necessidade de nenhum fato adicional. O caso do coronel Cid foi uma desculpa para despertar o sentimento de corporativismo do Exército. Mas não haveria nenhuma razão para manter um bolsonarista-raiz nas fuças de Brasília, depois dos eventos de 8 de janeiro. Só se fosse  para reeditar a intentona.

O ponto central é avaliar a extensão dos crimes cometidos e de quem estaria sujeito a punições. O fato de um comandante ter autorizado um acampamento em região militar, bradando palavras de ordem contra a Constituição,  justificaria seu afastamento?

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel, além de ter permitido acampamentos em São Paulo, foi assessor do general Villas Boas no período em que se iniciou a conspiração militar – com o tuíte pressionando o Supremo Tribunal Federal.

Em relação à permissão para os acampamentos, os generais obedeciam ordens dos ex-Comandantes do Exército – Generais Freire Gomes e Júlio César de Arruda e do ex-Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

A questão central é estratégica.

Levar ao pé da letra a punição significa se indispor com todas as FFAAs e perder a oportunidade de aliança com os legalistas para segurar os bolsonaristas terroristas.

É importante notar que, a exemplo da Lava Jato, formou-se uma onda de acampamentos em todos os quartéis do país – inclusive em cidades sedes de meros tiros de guerra -, envolvendo a família militar e comandantes não conspiradores.

Agora, começa a se formar uma onda legalista, cuja maior manifestação foi o discurso do general Tomás. É o momento de aproveitar a trégua, firmar alianças, desarmar a conspirata bolsonarista, denunciar e providenciar afastamento imediato de militares que participaram ativamente da conspiração.

  • Com acréscimos de informação sobre Goiânia, em 23.01.2023 às 10:00

Nenhum comentário:

Postar um comentário