Por que José Dirceu sorriu
pela segunda vez?
Breno Altman
Os punhos erguidos de Genoíno e Dirceu, ao se apresentarem à Polícia
Federal no dia da República, tiraram do sério os áulicos da direita pátria. Os
articulistas de aluguel do conservadorismo não esconderam sua frustração.
Ansiavam por ver os líderes petistas algemados, vergados e humilhados. Mas
foram obrigados a engolir o retrato de dois homens dispostos a enfrentar, com
dignidade e valentia, o preço que lhes foi imposto.
Nem mesmo a saúde debilitada de Genoíno, o primeiro a se entregar,
arrebatou-lhe a integridade que, nessas horas, faz a diferença entre homens e
ratos. Logo foi seguido por Dirceu. O mesmo gesto, horas depois, sem qualquer
combinação prévia. Ambos exclamaram, em silêncio, a disposição de lutar contra
os abutres da nação, não importa as condições a que estejam submetidos.
A imagem levou a malta reacionária ao ódio indecoroso, mas aqueceu o
coração dos que aceitavam desanimados o julgamento de exceção do chamado
“mensalão”. Animou a solidariedade entre as forças progressistas. Deixou
escancarado o fosso histórico e moral entre os réus e seus verdugos. Pavimentou
emocionalmente o longo caminho para que se restabeleça a verdade e a justiça.
Nas horas seguintes já estava claro que o presidente do STF optara pelo
caminho da ilegalidade e do arbítrio, pisoteando decisões da própria Corte
Suprema e violando direitos legais dos presos. Talvez imaginasse que sua
atitude seria respaldada pela passividade dos que poderiam resistir. A firmeza
de Genoíno e Dirceu, porém, serviu de exemplo para milhares e milhares que vão
dizendo basta ao arbítrio togado. Afinal, eles se entregaram sem rendição e
estabeleceram a altura do sarrafo para o comportamento de seus pares.
Além do punho ao alto, no entanto, houve um sorriso. O mesmo de quase
45 anos passados, quando o líder estudantil de 68 mostrava as algemas na foto
da turma libertada em troca do embaixador norte-americano.
Da primeira vez, Dirceu saía do cárcere, mas eternamente banido. Na
segunda, começava a cumprir sua sentença. Nenhum dos dois deve ter sido sorriso
de felicidade, mas possivelmente tivessem ambos o mesmo sentido histórico.
O fato é que Dirceu aparenta chegar ao outono de sua vida – para o bem
e para o mal, dirão alguns – com a mesma alma de sobrevivente que carregava na
sua juventude. Como se estivesse imbuído da missão de contar para a história
que sua causa, a causa de sua geração, é invencível.
As manifestações cariocas dos últimos meses, quando reprimidas
violentamente pela polícia militar, jocosamente repetem dois mantras. Quando se
põem em movimento, cantam a pleno pulmão: “Olha eu aqui de novo!” Na hora da
retirada, mesmo debaixo de pauladas, não perdem o humor e gritam: “Amanhã vai
ser maior!”
Preso e sem voz, nas duas vezes restou a Dirceu o punho e os lábios
mudos. Como se cantasse, ao sorrir, os mesmos cânticos da garotada de hoje.
“Olha eu aqui de novo! Amanhã vai ser maior!”
*Breno
Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
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