Associar Bolivarianismo com Socialismo é erro', diz biógrafa de Bolívar
Camilla Costa
Enviada especial da BBC Brasil ao Rio de Janeiro
- 7 outubro 2014
Marie Arana diz que Símon Bolívar espalhou o ideal de liberdade na América Latina
BBC - Como a senhora definiria quem é Símon Bolivar e porque ele foi tão importante para a América Latina ainda hoje?
Arana - Ele foi importante para a América Latina porque ele entendeu o prejuízo sofrido pela região por 300 anos graças à estrutura colonial espanhola. As pessoas não lembram ou não estudam o efeito que o colonialismo espanhol teve. As colônias não podiam comunicar-se entre si. Não era possível ler ou publicar nada das colônias. Não se podia plantar uma árvore e colher seus frutos. Eram regras muito opressoras. E o legado de Bolívar é importante, porque ele tem um espírito inerente de liberdade e por apontar a dificuldades sofridas no continente latinoamericano, que ficou debilitado e foi infantilizado pelo colonialismo. Quando a Espanha foi embora, não conseguíamos nos governar, porque não nos ensinaram como fazer isso. Quando a Inglaterra foi embora, os Estados Unidos já governavam a si próprios. Mas nós éramos tão dominados pela ordem espanhola que, quando eles foram embora, foi caótico. Essa foi a importante lição da experiência de Bolívar. Isso foi inesperado mesmo para ele. Ele era um péssimo político, mas um grande defensor da liberdade.
BBC - Em sua pesquisa, a senhora encontrou conexões de Bolívar com o Brasil?
Arana - Houve uma conexão muito concreta: ele foi convidado a ir para a Argentina quando o país enfrentava problemas de fronteira com o Brasil. Pediram a ele para vir ajudar a resolver a questão. Ele espalhou a noção de liberdade pelo Brasil. Esta foi uma época extraordinária, quando a liberdade era contagiante.
Apesar de ter morrido em 1830, o nome de Simón Bolívar continua presente nos dias atuais na América Latina.
Quando ainda era vivo, o venezuelano Hugo Chávez declarou seu país uma "república bolivariana".
Os presidentes Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, se autodeclaram "bolivarianos".
Essa
apropriação do nome do líder latino faz com que, no Brasil, o termo
seja associado ao modelo socialista muitas vezes defendido por estas
lideraças latinoamericanas atuais.
Mas
essa ligação entre Bolivarianismo e Socialismo é um equívoco, segundo
uma das maiores estudiosas da vida de Bolívar, a jornalista peruana
Marie Arana, editora literária do jornal americano The Washington Post.
Ela é a autor de Bolivar: American Liberator ("Bolívar: Libertador Americano", nunca lançado no Brasil), uma biografia do líder.
Na
obra, Arana mostra como este militar nascido na atual Venezuela teve um
papel-chave na luta pela independência de diversos países do continente
em relação ao império espanhol, uma atuação que faz com que ele seja
lembrado até hoje como um dos políticos mais influentes da história.
Arana
falou nesta terça-feira sobre o livro e a vida de seu protagonista no
TED Global, seminário que está sendo realizado no Rio de Janeiro.
Após
sua palestra, a BBC Brasil conversou com a jornalista sobre as ideias
capitaneadas por Bolívar e sobre a apropriação de seu nome.
BBC
Brasil - A imagem de Símon foi apropriada de diversas formas na América
Latina. No Brasil, o termo "bolivariano" é usado para falar de algumas
ideias da esquerda, principalmente quanto à maior participação popular
na elaboração de leis ou no debate sobre a lei. Isso faz sentido?
Marie Arana -
Isso não tem nada a ver com Símon Bolívar e com seus escritos
originais. Isso vem dessa aliança "bolivariana" instituída por Hugo
Chávez na Venezuela e que agora tem nove nações-membro. A apropriação do
nome de Bolívar é espantosa, porque ele tinha ideias fortes sobre
injustiça, esclarecimento popular, liberdade. Estas eram as coisas
básicas nas quais ele acreditava. E a apropriação de seu nome por esta
aliança de esquerda e socialista é errada historicamente e inapropriada.
BBC - Então, é errado dizer que ele era um socialista? Em vez disso, ele era um libertário?
Arana -
Ela não era socialista de forma alguma. Em certos momentos, ele foi um
ditador de direita. Em meio ao caos de uma revolução, ao tentar criar
países, ele precisava ter uma mão forte. Ele dizia desprezar a ditadura,
mas ele a usou, porque sabia que assim podia concretizar suas ideias.
Ele se preocupava com o contrário, que a elite seria destituída e
excluída do processo. Ele queria unir a todos.
BBC - Qual seria a definição correta de algo bolivariano?
Arana -
Ser bolivariano é ser unificador. Significa se livrar de qualquer
estrutura opressora. Se você olha para seu trabalho e seus escritos, a
educação é algo muito importante para ele. Bolívar acreditava que era
preciso criar uma forma de ensinar ética às pessoas. E qual é o nosso
maior problema hoje? A corrupção, a ilegalidade, a informalidade. Ele
entendeu muito antes de todos que tínhamos sido privados de uma educação
básica e sido corrompidos de certa forma. Então, ser bolivariano seria
defender a educação, a liberdade, a ética, a equidade social e o
esclarecimento do homem.
BBC - Essa apropriação do seu nome por uma ideia de socialismo pode ser, então, o resultado de um sentimento anti-americano?
Arana -
Há duas coisas envolvidas aí neste novo bolivarianismo, que não é um
bolivarianismo de verdade. Primeiro, por o conceito embutir uma ideia de
unificação. Bolívar acreditava nisso: eliminar fronteiras com uma
grande aliança panamericana. E, em segundo lugar, Bolívar dizia admirar
os americanos, mas dizia que eles "não tinham nada a ver" com os
latinos. Ele viu o mercado escravocrata na Carolina do Norte e como a
economia dos Estados Unidos dependia da escravidão. Também viu como era
uma nação construída sobre uma só raça, religião, classe e filosofia, e
ele sabia que isso não tinha nada a ver com a experiência da América
Latina.
BBC - Então, como foi possível essa apropriação de
Bolívar por ditadores de direita, como Pinochet, no Chile, e Franco, na
Espanha. O que eles ganhavam com isso?
Arana -
Eles ganhavam com fato de Bolívar representar uma ideia unificadora e
de destruição da velha ordem. Quando se junta essas duas coisas, mesmo
estando na direita, isso tem um grande apelo para as pessoas.BBC - Como a senhora definiria quem é Símon Bolivar e porque ele foi tão importante para a América Latina ainda hoje?
Arana - Ele foi importante para a América Latina porque ele entendeu o prejuízo sofrido pela região por 300 anos graças à estrutura colonial espanhola. As pessoas não lembram ou não estudam o efeito que o colonialismo espanhol teve. As colônias não podiam comunicar-se entre si. Não era possível ler ou publicar nada das colônias. Não se podia plantar uma árvore e colher seus frutos. Eram regras muito opressoras. E o legado de Bolívar é importante, porque ele tem um espírito inerente de liberdade e por apontar a dificuldades sofridas no continente latinoamericano, que ficou debilitado e foi infantilizado pelo colonialismo. Quando a Espanha foi embora, não conseguíamos nos governar, porque não nos ensinaram como fazer isso. Quando a Inglaterra foi embora, os Estados Unidos já governavam a si próprios. Mas nós éramos tão dominados pela ordem espanhola que, quando eles foram embora, foi caótico. Essa foi a importante lição da experiência de Bolívar. Isso foi inesperado mesmo para ele. Ele era um péssimo político, mas um grande defensor da liberdade.
BBC - Em sua pesquisa, a senhora encontrou conexões de Bolívar com o Brasil?
Arana - Houve uma conexão muito concreta: ele foi convidado a ir para a Argentina quando o país enfrentava problemas de fronteira com o Brasil. Pediram a ele para vir ajudar a resolver a questão. Ele espalhou a noção de liberdade pelo Brasil. Esta foi uma época extraordinária, quando a liberdade era contagiante.
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