quarta-feira, 4 de março de 2015

A encruzilhada do Brasil que poderíamos ser

A encruzilhada do Brasil que poderíamos ser

Saul Leblon

O equívoco que na bonança delegou exclusivamente às gôndolas a tarefa de legitimar um projeto progressista, agora se repete de forma ainda mais desconcertante na fase de baixa do ciclo econômico.

Transferiu-se – de novo e exclusivamente – à lógica de mercado, a ordenação de um ajuste que se faz à margem da negociação social.

De modo abrupto, sem salvaguardas, sem prazos, sem mediações políticas, sem a necessária repactuação do passo seguinte do desenvolvimento, transferiu-se a um centurião do mercado a tarefa de pavimentar um futuro, a contrapelo da bússola progressista.

Um governo é o seu legado e o seu futuro: como defendê-lo se nem o seu ministro da Fazenda o respeita mais?

O Brasil vive uma de suas mais graves encruzilhadas.

Se ainda há tempo para reverter a marcha dos acontecimentos, é forçoso reconhecer que esse tempo se gasta aos saltos.

A ampulheta do destino brasileiro escorre aos soluços.

A pouca sedimentação organizativa e ideológica da década de avanços reflete-se agora no acoelhamento de uns, na catatonia de outros, no sectarismo suicida de muitos, na prostração contagiosa e na inebriante determinação de não correr riscos – não correr riscos! – daqueles que bordejam o precipício e fingem não enxergá-lo.

O primeiro e mais dramático de todo os riscos é permitir que o Brasil retroceda às mãos da restauração neoliberal.

O segundo, acoplado ao anterior, será permitir que isso aconteça sem luta.

O terceiro, aceitá-lo, antecipadamente, como se fosse fatalidade.

Daí para a rendição urdida na recusa à autocrítica e à retificação daquilo que não deveria nunca ter sido descuidado, é um passo.

Não um passo qualquer.

Mas o derradeiro passo em falso capaz de sepultar uma década e tanto de caminhada em direção ao país que o Brasil poderia ser no século XXI.

Mas que ainda não somos.

E não seremos jamais – se a restauração neoliberal vingar sobre uma base de acoelhamento progressista aviltante.


A ver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário