A
encruzilhada do Brasil que poderíamos ser
Saul Leblon
O equívoco que na bonança delegou exclusivamente às gôndolas a tarefa
de legitimar um projeto progressista, agora se repete de forma ainda mais
desconcertante na fase de baixa do ciclo econômico.
Transferiu-se – de novo e exclusivamente – à lógica de mercado, a
ordenação de um ajuste que se faz à margem da negociação social.
De modo abrupto, sem salvaguardas, sem prazos, sem mediações políticas,
sem a necessária repactuação do passo seguinte do desenvolvimento,
transferiu-se a um centurião do mercado a tarefa de pavimentar um futuro, a
contrapelo da bússola progressista.
Um governo é o seu legado e o seu futuro: como
defendê-lo se nem o seu ministro da Fazenda o respeita mais?
O Brasil vive uma de suas mais graves encruzilhadas.
Se ainda há tempo para reverter a marcha dos acontecimentos, é forçoso
reconhecer que esse tempo se gasta aos saltos.
A ampulheta do destino brasileiro escorre aos soluços.
A pouca sedimentação organizativa e ideológica da década de avanços
reflete-se agora no acoelhamento de uns, na catatonia de outros, no sectarismo
suicida de muitos, na prostração contagiosa e na inebriante determinação de não
correr riscos – não correr riscos! – daqueles que bordejam o precipício e
fingem não enxergá-lo.
O primeiro e mais dramático de todo os riscos é permitir que o Brasil
retroceda às mãos da restauração neoliberal.
O segundo, acoplado ao anterior, será permitir que isso aconteça sem
luta.
O terceiro, aceitá-lo, antecipadamente, como se fosse fatalidade.
Daí para a rendição urdida na recusa à autocrítica e à retificação
daquilo que não deveria nunca ter sido descuidado, é um passo.
Não um passo qualquer.
Mas o derradeiro passo em falso capaz de sepultar uma década e tanto de
caminhada em direção ao país que o Brasil poderia ser no século XXI.
Mas que ainda não somos.
E não seremos jamais – se a restauração neoliberal vingar sobre uma
base de acoelhamento progressista aviltante.
A ver.
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