quinta-feira, 12 de março de 2015

Porre jurídico: juíza quer deportar Battisti

Porre jurídico: juíza quer deportar Battisti

11/3/2015 15:00
Por Celso Lungaretti e Carlos Lungarzo, de São Paulo

Uma juíza quer colocar em questão uma decisão do ex-presidente Lula e do STF
Uma juíza quer colocar em questão uma decisão do ex-presidente Lula e do STF
Tudo pode acontecer no Brasil, como um juiz se apropriar do carro de luxo e do piano de cauda de um ricaço em falência, sob seu julgamento. Ou de uma juiza decidir coisa já julgada pelo STF e assinada pelo ex-presidente Lula, baixando uma sentença na contra-mão, numa área na qual, juridicamente falando, não tem competência.
Talvez sem ter tido tempo para ler o processo (já houve o caso de um advogado ter juntado uma receita de pamonha num processo e assim constatou não ter sido lida sua petição), a juiza quer expulsar do Brasil o italiano Cesare Battisti, já com documento de residente permanente em São Paulo.
Fui um dos primeiros a me levantar em defesa de Battisti, quando foi preso no Rio de Janeiro e alvo de um pedido de extradição por parte da Itália. A situação de Battisti era frágil, pois a revista Carta Capital e seu diretor Mino Carta tentavam influenciar a esquerda brasileira apoiando as acusações do governo italiano de Silvio Berlusconi.
Foi uma luta árdua, iniciada na França pela escritora Fred Vargas, que veio ao Brasil para contratar advogado, pois Cesare, que vivera como fugitivo não dispunha de recursos. Nessa fase inicial, em que a esquerda brasileira ainda não tomara posição, se destacaram os políticos Fernando Gabeira e Eduardo Suplicy e o jurista Dalmo Dallari.
Foi quando Celso Lungaretti, ex-preso político e ágil no seu blog Náufrago da Utopia, trouxe seu valioso a assíduo apoio, ao qual logo depois se juntou o jurista Carlos Lungarzo. Embora o ministro da Justiça tivesse concedido refúgio a Battisti, essa decisão foi praticamente anulada pelo ministro Gilmar Mendes do STF, numa luta jurídica cujo objetivo era o de sobrepor o Judiciário ao Executivo.
Essa situação se arrastou por alguns anos, o STF decidiu pela extradição mas o então presidente Lula, no último dia de seu mandato, 31 de dezembro de 2010, decidiu pela não extradição de Battisti, provavelmente Dilma Rousseff, eleita para seu primeiro mandato não teria rejeitado a decisão do STF, embora a Constituição permita ao presidente a útima palavra em matéria de extradição.
Mesmo assim, o ministro Cesar Peluso do STF, substituto de Gilmar Mendes, quis arguir da competência de Lula e Cesare Battisti continuou preso na penitenciária de Papuda. 
O colunista Celso Lungaretti conta a atual tentativa do absurdo jurídico, faz o histórico do caso Battisti, e o jurista Carlos Lungarzo interpreta juridicamente como pode uma simples juíza tentar ultrapassar uma decisão do presidente Lula posteriormente ratificada pelo STF. 
(Nota de Rui Martins, editor do Direto da Redação)
UMA JUIZA CONTRA LULA E O STF (Celso Lungaretti)
Uma juíza do Distrito Federal tomou a esdrúxula decisão de tentar reverter o status de refugiado do escritor italiano Cesare Battisti em nosso país.
Apesar da euforia com que a grande imprensa está saudando a novidade, a meritíssima mesma não cogita a extradição de Battisti para a Itália, pois reconhece que seria uma afronta à decisão em contrário do presidente da República, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
Eis o principal de sua algaravia:
“No presente caso, trata-se, na verdade, de estrangeiro em situação irregular no Brasil, e que por ser criminoso condenado em seu país de origem por crime doloso, não tem o direito de aqui permanecer, e portanto, não faz jus à obtenção nem de visto nem de permanência. Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar nulo o ato de concessão de permanência de Cesare Battisti no Brasil e determinar à União que implemente o procedimento de deportação aplicável ao caso…”
“…os institutos da deportação e da extradição não se confundem, pois a deportação não implica em afronta à decisão do presidente da República de não extradição, visto que não é necessária a entrega do estrangeiro ao seu país de nacionalidade, no caso a Itália, podendo ser para o país de procedência ou outro que consinta em recebê-lo”(os grifos são meus).
Ou seja, ainda que tal besteirinha prevalecesse nas outras instâncias do Judiciário às quais será sucessivamente submetida (inclusive o STF que, caso tenha de manifestar-se, certamente manterá seu entendimento anterior), o risco para o Cesare seria apenas o de ser deportado para outro país qualquer, e não o de ser extraditado para a Itália.
A probabilidade de que isto aconteça, contudo, é mínima. Em termos legais, a balança pende acentuadamente para o lado dos patronos de Battisti e da Advocacia Geral da União, que já anunciou sua decisão de participar do caso, defendendo as prerrogativas presidenciais.
Shakespeare explica: é muito barulho por nada.
RESUMO DO CASO BATTISTI, UMA EPOPEIA LIBERTÁRIA EM TERRAS BRASILEIRAS
Foi um Caso Dreyfus ou Sacco e Vanzetti com final feliz.
Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, Cesare Battisti engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.
Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.
Participou de assaltos para sustentar o movimento — as expropriações de capitalistas — e não nega. Mas, assustado com a escalada de violência desatinada — cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas — desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento a posteriori, recebendo-o com indignação.
Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.
Detido, foi condenado em 1981 pelo que realmente fez (participação em grupo armado, assalto e receptação de armas), mas a uma pena rigorosa demais (12 anos), característica dos anos de chumbo na Itália, quando se admitia até a permanência de um suspeito em prisão PREVENTIVA por MAIS DE 10 ANOS!!!
Mitterrand recebia bem os perseguidos italianos
Resgatado em outubro de 1981, por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.
Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand — abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês –, levava existência pacata e laboriosa há 14 anos, quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.
Tinha sido um personagem secundário e obscuro nos anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela traição histórica do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.
Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.
“POR QUE EU?” – Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o delator premiado Pietro Mutti e outros arrependidos, em depoimentos escandalosamente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.
Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.
A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana — cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.
O Tribunal do Santo Ofício, de triste memória.
Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele), como também falsários (pois forjaram as procurações que os davam como seus patronos).
Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como vilão menor.
Passou a ser encarado como um vilão maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o macartismo à italiana dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outros defensores dos direitos humanos.
Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França desonrasse a palavra empenhada por um presidente da República. Tudo isto facilitado pela voga direitista na Europa e pela histeria insuflada ad nauseam a partir do atentado contra o WTC.
Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.
VÍTIMA DE DOIS SEQUESTROS NO BRASIL – E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.
Preso em março/2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro/2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.
Tarso Genro concedeu-lhe refúgio
Mas, ao contrário do que estabelecia a Lei do Refúgio, bem como da jurisprudência consolidada em episódios anteriores, o relator Cezar Peluso manteve Battisti sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.
Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.
Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do pacote.
Foram juridicamente aberrantes as duas primeiras votações, em que o STF, por 5×4, derrubou uma decisão legítima do ministro da Justiça e autorizou a extradição de um condenado por delitos políticos, ao arrepio das leis e tradições brasileiras.
Como na nossa ditadura militar, delitos políticos foram falaciosamente metamorfoseados em crimes comuns — a despeito da sentença italiana, dezenas de vezes, imputar a Battisti a subversão contra o Estado italiano e enquadrá-lo numa lei instituída exatamente para combater tal subversão!
A blitzkrieg direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam automatizar a extradição, cassando também uma prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.
Contra este acinte à Constituição insurgiu-se um ministro legalista, Carlos Ayres Britto. Também por 5×4, ficou definido que a decisão final continuava sendo do presidente da República, como sempre foi.
Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não se vergaria às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.
Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31/12/2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.
Parlamentares foram se solidarizar a Battisti na Papuda
E o sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.
O STF acabou decidindo, por sonoros 6×3 (só Ellen Gracie embarcou na canoa furada de Peluso e Mendes), que não havia mais motivo nenhum para o processo prosseguir nem para Battisti ser mantido preso. Isto depois da dobradinha Peluso/Mendes ter cerceado arbitrariamente sua liberdade por mais cinco meses e oito dias.
Depois, em maio de 2014, o Superior Tribunal de Justiça considerou extinta a acusação contra Battisti, por ter usado documentação falsa quando entrou no Brasil; trata-se de um expediente ao qual usualmente recorrem os perseguidos políticos, sem serem por isto penalizados.
Sua condição legal, contra a qual uma juíza do DF se insurgiu (sua aberrante decisão deverá ser corrigido nas instâncias superiores, claro!), é a de residente permanente no Brasil.
<b>Celso Lungaretti</b>, jornalista e escritor.
CASO BATTISTI: DESMASCARANDO A PROVOCAÇÃO JUDICIAL (Carlos Lungarzo)
Quase todos percebem (mesmo que a maioria finja o contrário) que, desde 2007, o caso Battisti nada mais foi que uma sequencia infame de provocações sem sentido, desejos de vingança e manobras da oposição para abortar o governo do PT.
Neste post me refiro a última e mais truculenta de todas elas: um membro do MPF do DF, desconhecido pela opinião pública, mas subserviente aos interesses dos partidos da oposição de direita, apresentou uma ação civil pública (ACP) em 2011 para CASSAR O VISTO DE PERMANÊNCIA DE CESARE BATTISTI NO BRASIL.
Esse assunto foi pouco difundido, e o processo ficou arquivado até que houvesse uma situação ótima. A situação chegou: o plano golpista da direita e o caso Pizzolato.
A juíza Adverci Rates Mendes de Abreu emitiu uma sentença, que, além de seu óbvio caráter “sob demanda”, é tão contraditória, falaciosa e ilegal, que minha intenção de analisá-la parece uma frescura desnecessária. Entretanto, prefiro não facilitar, porque, afinal, o que está detrás disto é muito grande: golpistas civis e não civis, mercadores do obscurantismo, financistas, empresários e interesses estrangeiros.
Num país onde pessoas que querem substituir a ciência pela superstição e pessoas que exportam por atacado benzoilmetilecgonina (vulgarmente, cocaína), consideram-se com direito a disputar o maior comando do estado, tudo pode acontecer.
Adiantando a Conclusão
O que todos sabemos, mas vamos mostrar agora, é que:
A Lei de Estrangeiros proíbe a permanência de estrangeiro processado no exterior por crime que mereça extradição, porém:
A extradição foi negada pelo Poder Executivo. Lembram disso? Então Battisti não é mais sujeito a extradição. Já foi até o 8/6/11, mas não é agora.
Todo estrangeiro cuja extradição foi recusada, foi julgado por extradição. Isto está claro? Se alguém proíbe a extradição de João, é porque alguém pediu a extradição de João, e, portanto, é porque João foi acusado de algum crime. Não é? No Brasil se julgaram, nas últimas décadas, mais de mil extradições (a de Battisti é a 1085), e centenas delas foram NEGADAS. Ou seja, a pessoa não foi extraditada. Então todas essas pessoas foram ou condenadas, ou julgadas, ou, pelo menos, indiciadas, no exterior, por crime que merecia extradição. Então, a pitoresca juíza deveria pedir a imediata anulação de visto e a deportação de cerca de 500 pessoas.
Como disse (e veremos depois) Maierovitch, a lei de estrangeiros não pode ser literalmente interpretada, porque conduz a paradoxos.
Julgar a autorização da extradição é atribuição do STF, mas não sua execução. Isso só cabe ao Poder Executivo.
Se a extradição ou a deportação fosse atribuição do judiciário, então, certamente, nenhum juiz, por mais adverÇo que seja, poderia colocar-se acima do STF, que encerrou o caso em 9/6/2011 às 00:44.
Finalmente, a lei 6851 foi enviada a Parlamento pelo ditador Figueiredo, por requerimento de sangrento tirano argentino Rafael Videla, que queria a deportação de mais de 20.000 argentinos que moravam no Brasil. Naquele momento, todo o MDB votou contra, salvo Brossard. A favor, foram os deputados da ditadura (ARENA), que faziam uma ajustada maioria. O então deputado da Bahia Chico Pinto disse que a lei era fascista e estalinista. Nada mais exato.
Bom, agora, um pouco de história desta sujeira, e depois argumentos e conclusões.
Os Fatos que Conduziram à ACP
Em 31/12/2010, o presidente saliente do Brasil, Lula da Silva, assinou um decreto em que recusava a extradição pedida pela Itália no caso Ext 1085, o que, de acordo com a legislação nacional e a CF, fechava definitivamente o caso.
Na época, os ministros Marco Aurélio e Ayres Brito protestaram contra a exigência (totalmente ilegal e antijurídica) de Peluso, que se opunha a libertação de Battisti e demorou todo o que foi possível o julgamento da decisão anti-extradição. Por sinal, este julgamento era desnecessário e foi uma manobra suja de alguns ministros.
O jurista Luis Roberto Barroso lembrou que essas práticas faziam retroceder a justiça aos tempos da disfuncionalidade chamada ditadura.
Sendo que Peluso, junto com Mendes e Ellen tinham a força bruta, pois estavam apoiados pela mídia e pela direita parlamentar, conseguiram demorar o fato até o 8 de junho de 2011.
Na oitiva desse dia, Mendes entrou subitamente em delirium e fez um discurso de impressionante non-sense (muito mais que o habitual), repetindo até sete vezes chavões grotescos (por exemplo, disse que o STF não era um clube de recreação poética [sic]). Lady Ellen fez um comentário cheio de dondoquice, onde comparava a “arrogância” de Lula com a “humildade” da Rainha da Inglaterra. Poderia ter sido pior: pelo menos, não se discutiram receitas de coquetéis nem etiqueta na mesa, o qual foi muito prudente.
Só Peluso manteve a seriedade que cabe a um inquisidor e carrasco que se preze. Sendo os três votos vencidos por 6 a 3, Peluso se indignou, acusou Lula de ilegalidade e disse que “apesar de tudo, ia aceitar a decisão da maioria”, sugerindo que, se quiser, poderia desobedecer. De fato, quando Barroso subiu ao estrado e, vigorosamente, pediu a ordem de soltura, Peluso o olhou com notória antipatia e disse que logo a redigiria.
A partir daquele momento, CB ficou livre, mas devendo resolver sua permanência jurídica. Não é a primeira vez que o Brasil rejeita uma extradição. Há algumas centenas de casos e, em todos, exceto quatro, sempre foi dado ao ex-extraditando a opção de ficar no país como residente permanente. Os casos em que isso não aconteceu foi porque os ex-extraditandos optaram, voluntariamente por ir a um 3º país.
Vale destacar que o juiz Marco Aurélio de Melo teve a honestidade de dizer que CB poderia reclamar indenização por ter sofrido prisão ilegal durante um longo tempo.
Um fato deve ficar claro, pois até os mais honestos e empenhados defensores de Battisti cometem alguns erros que só prejudicam a marcha da defesa, e dão combustível às mentiras da mídia. É este:
Lula não deu refúgio a Battisti. O refúgio havia sido dado por Tarso Genro, e foi cassado, por uma intromissão inconcebível do STF em 9/9/2009, violando o princípio de separação de poderes. Após de ser libertado em 9/6/2011, CB tornou-se estrangeiro ex-extraditando, em aguardo pela normalização de sua permanência no Brasil.
Logo após sua libertação, o Conselho Nacional de Imigração (órgão do MTE) concedeu RESIDENCIA PERMANENTE AO BATTISTI, que encaminou, então, à polícia federal, o pedido para obter a condição de residente permanente.
Em agosto de 2011, a condição de residente permanente foi dada pela Polícia Federal de SP, num processo administrativo absolutamente válido, que não foi viciado por nenhuma irregularidade. Esse dia, também, se elaborou a carteirinha de Residente Permanente, que é igual, salvo pelo número e a foto, a que temos todos os estrangeiros do Brasil, mesmo os que não somos acusados de nada. É falso, então, totalmente falso, que Cesare tivesse recebido uma fórmula migratória restritiva.
Vejam um segmento da sequencia do protocolo da própria PF. Outros documentos relativos ao caso estão afixados em meu site.
Em agosto de 2011 Battisti pediu seu Registro Nacional de Identidade. Trocando em miúdos:
Cesare Battisti têm, desde agosto de 2011, residência permanente no Brasil, que só pode ser cassada, de acordo com a Lei de Estrangeiros, pel@ Chef@ de Estado, desde que a cassação seja tolerada pelo STF. O registro nacional de estrangeiros deve renovar-se em 2019, mas a renovação visa apenas atualizar os dados. Ele não pode ser indeferido.
A condição migratória de Battisti (como pode ver-se no protocolo que eu apensei acima nas linhas grifadas), é a mesma que a de qualquer outro estrangeiro radicado definitivamente no Brasil, que ainda não esteja naturalizado. Não é um visto precário de refugiado, asilado, transeunte, nem coisa que o valha.
O MP carrega a AK-47
No 13 de outubro de 2011, ou seja, 127 dias depois da soltura de Battisti, o MPF do DF apresentou uma Ação Civil Pública (ACP) contra o governo federal onde Battisti seria o “litispedente”.
O caso esteve aos cuidados do Procurador Hélio Heringer. Ele não possui muitas menções no Google, por exemplo. Faz coisas de rotina no MPF do DF. Ficou mais ou menos conhecido quando se empolgou com a perseguição de um dos filhos do Lula, no qual acreditou ver o famoso fantasma da corrupção. Parece que não encontrou nada.
Heringer apresentou uma Ação Civil Pública, cujo réu principal é o governo Federal, acusado de violar a lei ao conceder a Battisti a residência permanente. O “litispendente” era Cesare Battisti.
Veja, se tiver paciência, neste link. Há muitos outros que repetem a história.
http://www.prdf.mpf.mp.br/imprensa/13-10-2011-mpf-df-questiona-visto-de-cesare-battisti-e-pede-a-justica-deportacao-do-italiano
Para poupar o leitor de longas páginas de bobagens, vamos capturar o parágrafo central da argumentação do MPF
“Desse modo, sendo os crimes dolosos e sujeitos à extradição segundo a lei brasileira, não há que ser concedido visto de estrangeiro a Cesare Battisti”.
Para quem não acha óbvia a falácia, permitam a um profano tentar dar uma explicação.
LEI Nº 6.815, DE 19 DE AGOSTO DE 1980, no artigo 7, diz, no inciso IV que, não se concederá visto ao estrangeiro…
“condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira”
Observe que a lei estabelece duas condições conjuntas:
Não deve ser condenado por crime doloso,
O crime não deve ser passível de extradição pelo Brasil
Ou seja, não é suficiente que o estrangeiro seja condenado por crime doloso. Ele deve ser suscetível de extradição pela lei Brasileira.
Por exemplo, correr um racha (pega no RJ) de carro é um crime de dolo eventual, no Brasil. Ora, se um estrangeiro é perseguido por ter ferido alguém num “racha”, não é claro se seria extraditado ou não.
Então, vamos chegando… Para que alguém seja impedido de ter visto, precisa-se que ele possa ser extraditado, não apenas que o crime seja doloso: o estrangeiro deve ser um extraditando. Isto deriva de extradictandus, que é o gerundivo de extraditare < extradere = entregar.
Ou seja, o extraditando é aquele que, em função de sua condenação, deve ser devolvido ao seu pais, entregue às autoridades que o reclamam. Mas, isso não se aplica neste caso por duas razões.
O Poder executivo recusou a extradição em 31/12/2011, uma faculdade do PE que já havia sido autorizada pelo STF, em novembro de 2009, e faz parte das atribuições do presidente em virtude da CF, da jurisprudência nacional e das convenções internacionais.
Porque o STF, por 6 votos contra três (Mendes, Peluso e Ellen Gracie), apoiou a decisão do PE e ordenou a imediata libertação de Battisti.
Então Battisti foi um extraditando até 31/12/2010, ou, se quisermos ser ainda mais rigorosos, até 9/6/2011, mas, quando saiu da cadeia, já não era mais extraditando. Quando fez seus documentos em agosto de 2011, o processo de extradição estava encerrado.
Ouso conjecturar que a juíza percebeu que brincar com a extradição podia ser facilmente descoberto, e preferiu acatar a sugestão do MP, de deportar Battisti e não extraditá-lo. Mas, eis aí que isso também é ilegal.
Observe que, pela lei 6851, o estrangeiro é impedido de ter documentos, ou, então, o estrangeiro pode ter seus documentos anulados, só se ele for ainda extraditando. Ou seja, você não pode anular a qualquer momento os documentos de um estrangeiro, pela simples vontade de um burocrata ao serviço de quem sabe quem.
Se você quer expulsar um estrangeiro do pais, seja por deportação a locais determinados, seja por simples expulsão, uma vez que ele tem documentos de residência, precisa da autorização do Chefe do Estado, e de consentimento do STF, pois a responsabilidade do ato é do Executivo, mas a certeza de que não se violam direitos do estrangeiro é da Corte.
A Opinião de Maierovitch
A ACP apresentada pelo MPF do DF era obviamente tão disparatada, que só foi defendida pelo mais sórdido da direita brasileira. As pessoas com conhecimento jurídico, mesmo sendo inimigas de Battisti, reconheceram que aquilo era um desatino.
O jurista Walter Maierovitch, que foi a pessoa que investiu mais tempo e esforços em exigir a extradição de Battisti, também criticou a proposta do MPF. Maierovitch atacou Battisti, muitas vezes, com argumentos não totalmente exatos, como quando afirmou que o sindicalista Guido Rossa, delator do PCI, havia sido assassinado pelo grupo autonomista Prima Linea, quando em realidade foi pelas Brigadas Vermelhas. Entretanto, neste caso da ACP demonstrou muita objetividade, o que desconcertou os outros inimigos de Battisti que pensavam encontrar apoio nele. Veja o que ele disse.
A ação proposta pelo ministério público do Distrito Federal referentemente à anulação da permissão para permanência e trabalho concedidas a Cesare Battisti no Brasil padece, com o devido respeito, de uma forte miopia. Não se pode, no “tapetão” desconsiderar a decisão principal de indeferimento da extradição. Por outro lado, a interpretação literal, fundamentalista, do Estatuto do Estrangeiro, como ficará demonstrado abaixo, conduz a equívoco.
Sobre o caso Battisti escrevi mais de 100 artigos e todos sabem da minha posição a respeito desse sanguinário e covarde assassino. Mas, e como não sou farsante como Battisti, não posso admitir uma extradição por via oblíqua.
De dez a vinte, a chance não sai do zero sobre a possibilidade jurídica de o sanguinário e dissimulado Cesare Battisti ser deportado ou expulso do Brasil, por força da ação anulatória de visto de permanência proposta pelo ministério público do Distrito Federal e noticiada nos jornais de hoje.
Para o procurador Hélio Heringuer, do ministério público distrital, houve ilegalidade na concessão de autorização de permanência e de trabalho a Cesare Battisti, no Brasil.
A visão ministerial está divorciada do fato principal, ou seja, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, caber ao Presidente da República a última palavra sobre a extradição em face de estar em jogo questão de relações internacionais entre estados.
Você pode ler o resto do artigo aqui
http://www.cartacapital.com.br/politica/caso-battisti-no-tapetao-nao
As Consequências da Ação do MPF
A ação do MPF não foi lançada por acaso. Alguns se perguntam por que o MPF cometeria um ato tão ridículo. O que acontece é que esse ato seria ridículo em outro lugar, mas não na América Latina, onde ninguém sabe quais são seus direitos, salvo as elites que são as que fabricam esses direitos. Os objetivos naquele momento eram:
Reforçar as bravatas da Itália, que ameaçou ir ao Tribunal de Haia (mas não fez) e até, por via de grupos privados, sugeriu que capturaria Battisti pela força, o que foi apoiado por algumas TVs Brasileiras.
Aumentar o clima de ódio contra o PT, cujo triunfo eleitoral pela terceira vez deixava histérica à direita.
E, além disso, estão as sempre permanentes razões, do enorme ódio dos que regem um estado policíaco-inquisitorial contra pessoas de esquerda, iluministas ou realmente democráticas.
Houve algumas consequências diretas, e outra não tanto. A mais surpreendentemente direta foi uma ação feita por um juiz em 4 de agosto de 2012.
Com efeito, o juiz Federal da 20ª vara, também do DF, Alexandre Vidigal, pediu uma investigação policial para identificar o domicílio de Battisti. Ao mesmo tempo, na Itália, mais de 5.000 blogues, jornais e revistas eletrônic@s difundiram notícias alarmistas do tipo:
“Battisti desaparecido”
“Battisti voltou a fugir”
“Justiça brasileira procura Battisti”
O motivo da extemporânea ação do juiz foi que, segundo ele, não se sabia onde estava Battisti. Mas, naquele mesmo momento, Battisti apresentava seu último romance nas livrarias de RS, e toda a mídia noticiava que o “terrorista” andava fazendo propaganda de seu livro. Será que o juiz não lia notícias?
Houve alguns outros fatos isolados, cuja origem é fácil de imaginar. Por exemplo, um jovem que se fingiu alterado pela “indignação” simulou sequestrar um mordomo de um hotel de Brasília em 29/9/2014, gritando que exigia a “renúncia da Dilma” e a “extradição de Battisti”.
Enquanto isso, a ACP do MPF ficou dormindo durante três anos e meio no despacho da 20ª. Vara Federal de Brasília. Por que tanto tempo?
Sentença Adversa
Finalmente, a semana passada a juíza abriu a caixa de Pandora. Ela disse que não é a mesma coisa a deportação que a extradição.
Hum! Ainda bem que teve a gentileza de nos informar. No entanto, atente a isto:
Ninguém está dizendo que a juíza, pelo menos oficialmente, esteja pedindo a extradição de Battisti. De acordo! Ela quer deportar a outros países (não a Itália), como o México e a França. Isso não seria, em aparência, extradição. Mas, observem
O MP, ao propor a ACP, e a juíza, ao deferi-la, usam (eles e não nós) o conceito de extradição, para qualificar o suposto crime de Battisti.
Tem outra coisa. O que a juíza disse, que extradição e deportação são institutos muito diferentes, é pura teoria. Na prática, eles estão muito perto, aliás, a menos de um dia de voo entre Aeroporto Juárez e Fumicino.
Como México não tem nada contra Battisti, ele vai recebe-lo, mas, a Interpol já está autorizada a levar Battisti à Italia em qualquer lugar que o encontro; só não pode fazer isso no Brasil, porque aqui está oficialmente imigrado, com documentos legítimos de permanência.
3. Mesmo que com França fosse diferente, a proposta de transferí-lo a esse país é mais uma provocação. Battisti não está obrigado a ir a nenhum país. É um estrangeiro que tem os mesmos direitos que eu e outros 300.000 ou mais que moram no Brasil.
Qual é Objetivo Disto?
São vários, pelo menos, estes:
Utilizar o caso Battisti, como foi previsto já muitas vezes, para forçar a volta de Pizzolato.
Já na Itália as ralés fascistas que ocupam todos os espaços do Estado estão celebrando o n-simo passo de sua vendeta. Estão tão contentes que até entregariam o Papa e até alguns chefes da Máfia para recuperar Battisti.
Contribuir à enorme tempestade golpista, que a direita brasileira, saindo de todos os esgotos onde habita, está promovendo desde as últimas eleições.
O caso Battisti tem um peso mínimo, mas a direita não desperdiça nada. O assunto do mensalão, a Petrobrás, e, entre outros infinitos “factoides”, o caso Battisti, são explosivos de diversos pesos, mas todos servem. Levar Battisti à Itália para morrer não é tão importante para a direita como vender a Petrobrás. Mas, sempre é um consolo. Tampouco a Inquisição ganhava nada concreto mandando adolescentes às fogueiras, mas satisfazia o ódio, a demência e o sadismo dos místicos e belicistas.
Afinal, pensemos nisto:
O que ganharam os fanáticos assassinos de Paris com sua sangrenta operação, e que ganham os católicos e os evangélicos que justificaram aquilo como uma ação contra os “blasfemos”? Até deram a vida (os assassinos, claro, não os admiradores, que olharam lubricamente a distância) por seus bárbaros objetivos.
<b>Carlos Lungarzo</b>, professor, jurista e escritor





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