domingo, 10 de janeiro de 2016

A História é feita pelos homens e fica, mesmo que os ratinhos a tentem roer

Quem desconhece a História de seu país – sua própria História – vaga sem rumo mesmo, repete erros, não consegue avançar (e costuma culpar os outros por sua imobilidade!).
                                     Tânia Franco
 

A História é feita pelos homens e fica, mesmo que os ratinhos a tentem roer

Por Fernando Brito · 30/12/2015
 
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Optei por não publicar diretamente o instigante relato pessoal de Nilson Lage sobre a tentativa de golpe de estado abortada pela posição corajosa de Leonel Brizola – e seguida por outros, lembra Lage, como o então governador de Goiás, Mauro Borges.
Fiz assim porque quero assumir a responsabilidade pessoal de registrar a exploração barata da Folha ao dizer que “Dilma altera lei para tornar Brizola, seu inspirador político, ‘herói da pátria’; regra anterior previa que homenagem seria somente 50 anos após morte“.
Ao sabujismo da Folha que fez isso, quero informar – se o seu problema é de ignorância e não de caráter, concedo – que Presidente da República não “altera lei”. Porque quem faz lei é o Congresso, exceto as medidas provisórias, que têm valor legal temporário, embora caduquem se o Legislativo não as transformar em lei.
Presidente (ou Presidenta) propõe lei, sanciona lei aprovada no Congresso ou, por razões de inconstitucionalidade, oportunidade ou conveniência as veta, justificadamente, ainda assim podendo o veto ser derrubado pelos parlamentares.
A lei que mudou prazos e inscreveu o nome de Leonel Brizola no livro dos herói da Pátria foi originária da Câmara, apresentada em 2013 e aprovada em junho de 2014. Depois, passou um ano no Senado e foi aprovado a 9 deste mês, a partir de parecer da Senador Ana Amélia, que é do PP, foi casada com um Senador da Arena (Otávio Omar Cardoso), mas teve a dignidade de reconhecer que até ela, com uma bolsa de estudos, foi beneficiária dos programas de educação do então governador gaúcho. Dilma, apenas, a sancionou, sem vetos, que não teriam sentido algum.
Mas o melhor castigo para esta pequenez é o relato de um jornalista que viveu aqueles dias impensáveis,  para sempre um professor de jornalismo, o que muita gente confunde com ser ratinho da História.
Estava em Brasília.
Viajei para lá, saindo do Rio de Janeiro, convocado por Carlos Castello Branco, secretário de imprensa de Jânio Quadros, para informar o presidente sobre uma licitação fraudada para compra de trens da Central do Brasil – falcatrua comum no Brasil – de que eu tinha conhecimento.
Já na escala do C-47 da FAB em Belo Horizonte, o agente do Conselho de Segurança Nacional que me acompanhava notou que algo estranho acontecia: jatos que deveriam estar em Santos pousavam ali, a caminho da capital.
Fui dos primeiros a saber da renúncia de Jânio. O repórter do Jornal do Brasil que cobria o Palácio do Planalto ouviu, na manhã do mesmo dia 24 de agosto, numa extensão, por acaso, Laudo Natel dar a notícia, pelo telefone, e me disse, em primeira mão. Eu estava na casa do chefe da sucursal, Raimundo Brito, e, também por acaso, atendi o telefonema.
Foram dias tensos. Não tinha como sair de Brasília. No roteiro de sua habitual paranoia, oficiais operativos invadiam com contingentes militares as casas onde funcionavam sucursais de jornais, na Avenida W3, procurando imaginárias estações de rádio amador.
No aeroporto fechado e às escuras, metralhadoras apontavam para supostos aviões que trariam do Oriente o vice-presidente João Goulart. Eu estava lá quando um piloto da Cruzeiro do Sul, que tentara inutilmente pousar em aeroportos alternativos, ameaçou pelo rádio lançar-se, com os passageiros, contra os prédios da Praça dos Três Poderes, aproveitando o pouco combustível que sobrava nos tanques. As luzes se acenderam e foi engraçado ver de longe a invasão do avião pelos soldados que esperavam prender Jango.
Dias sem dormir, com a mesma roupa, subi à sobreloja da sucursal e deitei-me em um sofá. Estava tenso, não dormia. Liguei o rádio e zapeei fugindo da animada música candangueira. Encontrei uma estação que tocava melodias suaves entre ruídos de estática, e cochilei.
De repente, o som elevou-se. Aumentaram a potência dos transmissores. E o locutor: “Rádio Brasil Central, emissora do governo do Estado de Goiás, passa a transmitir, nesse momento, em cadeia com a Rede da Legalidade, liderada pela Rádio Guaíba, de Porto Alegre”. Soaram os primeiros acordes do hino de Pereio. O Governador Mauro Borges convocava reservistas goianos para que se apresentassem nos quartéis ada Polícia Militar.
Nos dias seguintes, ouvi muito falar de Brizola, o agora herói da Pátria.”
PS. Quem acha que estas histórias têm exageros, leia o relato, publicado em 2011, do suboficial Caetano Angelo Vasto, publicado pelo jornalista Juremir Machado, onde ele conta em detalhes como se impediu o bombardeio do Palácio Piratini, inclusive a cena em que comunica que os aviões não decolarão armados ao Comandante da Base Aérea de Canoas e é ameaçado com um metralhadora no rosto. E não recua. Estes são, com Brizola, os heróis da Pátria.  Figuras que a história – cujos momentos de coragem não contam aos brasileiros –  fez grandes e  que ratinho algum irá roer.

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