domingo, 10 de janeiro de 2016

Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

 
   
Por Pedro Martins
do Canal Ibase
Os 15 primeiros dias do governo de Mauricio Macri na Argentina começaram marcados por um grande número de decretos presidenciais. Ao todo, o novo presidente argentino já emitiu mais decretos do que sua antecessora Cristina Kirchner. E um dos principais alvos dos decretos de Macri foi a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, mais conhecida como Lei de Meios. Por conta disso, o Canal Ibase conversou com a jornalista argentina Sofia Hammoe, que integra a Associação Mundial de Rádios Comunitárias. Ela apontou os principais ataques de Macri e como vem sendo a resposta dos movimentos sociais e da socidade civil argentina.
Considerada um avanço na democratização da comunicação, a Lei de Meios possui medidas como a divisão do espectro, garantindo espaço para os meios sem fins lucrativos nas frequências de rádio e TV. Além disso, a Lei também criou o órgão regulador, a AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), cujos integrantes são eleitos por diferentes setores da sociedade e seus mandatos, propositalmente, não coincidem com os mandatos presidenciais. Tudo isso para tentar manter a independência política do órgão. Macri, através de um decreto, fez uma intervenção na AFSCA e transferiu as responsabilidades do órgão para o Ministério das Comunicações, tirando sua independência.
Diante de tantos ataques, a Defensoria do Público de Serviços de Comunicação Audiovisual solicitou com urgência uma reunião na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para expor o problema, que tem sido considerado um ataque frontal a liberdade de expressão. Vale lembrar que à época da aprovação da Lei de Meios, o então Relator Especial de Liberdade de Expressão da ONU, Frank La Rue, a classificava como um grande avanço que deveria ser seguido por outros países do continente e de outras regiões do mundo.
Veja como foi a conversa com Sofia Hammoe.
sofiaCanal Ibase: Quais foram os principais ataques do governo Macri a Lei de Meios nesses primeiros 15 dias de governo?
Sofia Hammoe: Foram três medidas tomadas por este novo governo que atacaram a Lei de Meios, todas via decreto presidencial sem passar pelo Congresso. O primeiro foi o Decreto número 13, que é uma nova lei de ministérios. Nele é criado um novo Ministério de Comunicações, que tem sob sua órbita algumas agências reguladoras que eram autárquicas, segundo as leis anteriores a este decreto, como, por exemplo, a AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual) e a AFTIC (Autoridade Federal de Tecnologias da Informação e das Comunicações). Então, tudo que era a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que é conhecida como Lei de Meios, e tudo que tinha a ver com o que se conheceu como Argentina Digital, agora passou a fazer parte de um único órgão do poder executivo nacional. Ou seja, independência zero. E tudo que tem a ver com a comunicação audiovisual, a internet e as redes digitais passa a depender do poder executivo. Isso foi só o início.
Logo depois, por causa deste decreto, houve uma intervenção na AFSCA despejando do prédio toda a diretoria do órgão, que não tem apenas um diretor. A diretoria tem representação de diversos setores da sociedade, não apenas da comunicação. Tinha lá diretores e diretoras indicados pelo poder executivo, mas aprovados pelo Congresso. Também tinha representantes das minorias do Congresso, das províncias, das universidades nacionais com curso de comunicação, das universidades privadas, dos povos originários, dos meios sem fins de lucro… Enfim, uma série de representações que eram parte da direção da AFSCA, que ficaram sem ter como incidir de alguma forma na comunicação na Argentina. Em seguida houve uma medida interposta por um delegado da AFSCA na cidade de La Plata que obteve uma ordem judicial para que isso voltasse atrás, e a polícia não deixou os trabalhadores da AFSCA entrarem de novo no prédio. Isso foi semana passada. E no dia 04 de janeiro, foi apresentado um novo decreto presidencial que muda a Lei de de Meios, especificamente alguns artigos dela. A maioria desses artigos tem a ver com a quantidade de meios que uma corporação pode ter ou deixar de ter e a formação de rede. Nessas mudanças, por exemplo, a TV a cabo não é contemplada como um serviço de comunicação audiovisual, o satélite não pode ter mais nenhuma concessão que não seja satélite. Quer dizer, sobra somente como serviço de comunicação audiovisual as frequências de rádio e a TV aberta.
Canal Ibase: Você pode explicar quais são as perdas que se tem com esses ataques no direito à comunicação e na democratização dos meios?
Sofia: Organizações da sociedade civil, advogados e advogadas, especialistas e até organizações que apoiaram a candidatura de Mauricio Macri estão criticando essas medidas que mudam a Lei de Meios porque, no geral, esses decretos violam todos os estândares internacionais de liberdade de expressão. A gente não pode esquecer que a Lei de Meios foi reconhecida até pela Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais que reconhecem os avanços dessa regulação para garantir fundamentalmente a liberdade de expressão. Essa lei garantia a diversidade de meios e a pluralidade de vozes. E como isso era garantido? Era garantido porque não se permitia uma grande concentração de meios em poucas famílias, pessoas ou grupos. Não é que não podiam ter, mas tinha a limitação de até dez concessões. Mas antes da Lei de Meios, podiam ter mais de 24, não tinha nenhuma restrição também quanto à cobertura no país que cada grupo poderia ter (a lei restringe a 35% da população o alcance de cada veículo). Tudo isso voltou a valer com os decretos de Macri. Agora o novo decreto permite que cada grupo possua até 15 licenças de radiodifusão. Além disso, legaliza que as outorgas sejam vendidas, mas isso não é possível para os veículos sem fins de lucro, só para os comerciais. O decreto de Macri fala em usuários e consumidores, enquanto a Lei de Meios era baseada no direito à comunicação e no acesso a este direito. Tinham espaço na Lei de Meios todos os setores que tivessem capacidade para operar uma frequência de rádio ou um canal de televisão. Com o novo decreto, tudo isso fica de fora.
Canal Ibase: Para ficar bem claro, quem se beneficia com essas medidas do governo Macri?
Sofia: Os beneficiados são os grandes grupos econômicos, que sempre tiveram a capacidade de comprar todos os meios de comunicação. Ou seja, principalmente o Grupo Clarín, que tem frequências de rádio, canais de televisão e também TV a cabo, entre outras questões, e que quer entrar também no negócio de telecomunicações e internet. Basicamente é isso, o decreto está permitindo novamente a concentração de todos os meios em um grupo que vai dizer para todo o país como é que o mundo deve ser e mostrar a sua leitura de realidade.
O novo decreto também permite a formação de redes em todas as ocasiões que forem necessárias. Então, imagina o quanto é ferida a diversidade e as realidades locais a partir do momento em que um grupo tem a propriedade da maioria dos meios do país.
Canal Ibase: Qual tem sido a reação dos movimentos sociais diante dessas medidas, tendo em vista que a lei foi elaborada com ampla participação da sociedade civil?
Sofia: Teve várias manifestações da sociedade civil, dos sindicatos, dos meios sem fins de lucro, dos povos originários, da mulheres… Enfim, inúmeras organizações têm se mobilizado para repudiar nas ruas esse decreto chamado de “necessidade e urgência” porque nenhum dos argumentos colocados para que essas normas sejam alteradas por decreto justificam o que foi feito até agora como necessário e urgente. O que mais está se criticando é a não chamada ao Congresso para sessões extraordinárias para, entre outras coisas, se for necessário, mudar a lei. Como sabemos, a Lei de Meios foi debatida ao longo de um ano no país inteiro e recebeu 1.200 modificações que foram discutidas em audiências públicas, que foram enviadas por e-mail, pelo correio, por telefone etc, por organizações ou por pessoas individualmente. Ou seja, uma lei que foi construída por toda a sociedade argentina é agora simplesmente apagada com um decreto que não tem nenhuma necessidade, não tem nenhuma urgência a não ser a urgência do Grupo Clarín, que tem uma liminar na justiça que vence no dia 16 de janeiro (este era o prazo que o Grupo Clarin tinha conseguido na justiça para se adequar à Lei de Meios devolvendo parte de suas licenças de rádio e TV que superavam o limite estabelecido pela lei)
Canal Ibase: E quais são os próximos passos da luta contra esses ataques a Lei de Meios?
Sofia: Os movimentos, organizações, partidos políticos e grupos estão primeiro fazendo uma grande campanha de informação sobre o que diz o decreto e como ele fere os estândares internacionais em matéria de liberdade de expressão. A própria redação dos decretos seria inconstitucional. Além disso, advogados, advogadas e organizações estão elaborando representações na justiça local, e também tem pedidos para que o caso seja apresentado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que se peça explicações ao governo de Mauricio Macri.

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