Manifestação de 13 de março: onde estavam os negros na Paulista?
O racismo da classe média que fala grosso contra a corrupção, mas aceita o preconceito e simula até 'enforcamento' de negro, com manifestante fazendo blackface
Entre as milhares de pessoas que invadiram a avenida Paulista neste domingo (13/3), quase não havia negros. Assim como aconteceu há um ano, a grande maioria dos negros que foram ao coração de São Paulo – e a outras capitais brasileiras – estava trabalhando. Eram babás ou ambulantes (ou policiais militares). Esse quadro trata de reproduzir a posição subalterna dessa parcela da sociedade brasileira, desde a escravidão até hoje.
Entre as demandas por honestidade, havia zero cartazes pedindo igualdade de direitos, cotas ou conquistas trabalhistas das empregadas domésticas. Ao contrário. O que se viu na avenida Paulista foi a representação do desejo da classe média alta e da elite branca do Brasil em manter seus privilégios. A manifestação está para a justiça social assim como a casa grande está para a senzala. Idêntico e escancarado.![IMG_2016-03-13forca]()
![Procure um negro | Foto: Christian Braga]()
Jornalistas Livres

Manifestantes faz blackface na Paulista
Manifestantes faz blackface na Paulista
“Essa marcha não é somente contra a Dilma e a favor do impeachment. Ela é também contra os direitos humanos e as conquistas sociais”, define o administrador de empresas e educador negro Antonio Nascimento, militante de direitos humanos na Bahia.
Sob a cortina do combate à corrupção, o que se coloca é o desejo de uma elite e classe média brasileiras defendendo os próprios interesses. Não à toa, os atos deste domingo aconteceram em locais nobres das cidades: a orla da zona sul carioca, a Avenida Paulista, o Farol da Barra, em Salvador, ou a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. “A elite viu nesse governo a sustentação de seus privilégios sendo ameaçada. Não está preocupada com a moralidade ou com a honestidade porque sempre conviveu com governos desonestos.”
Mas as manifestações foram muito além e deixaram escapar esse desejo. O que se viu em alguns lugares foram cenas de racismo explícito: um homem pintado de negro (os “blackfaces”, movimento teatral escravocrata que tem por objetivo ridicularizar a população negra) simulava uma “Forca da Inconfidência”.
Senhoras, senhores e crianças brancas posavam ao lado dessa representação, sorrindo e sem se abalarem; em outra cena, um homem branco segurava um cartaz no qual se via a presidenta Dilma, pintada de negra, imitando o comediante negro Mussum, com os dizeres “Dilma Rouseffis, só no forevis”; e por fim, as dezenas de cenas de babás negras empurrando carrinhos de bebês brancos, com os patrões caminhando adiante.
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Racismo explícito na avenida que pede Justiça | Foto: Edgar Bueno
A população negra não é mais minoria no Brasil. Desde 2011, mais da metade dos brasileiros é negra (pretos e pardos, segundo o IBGE). Atualmente, corresponde a 53,6% da população total do Brasil. Significa dizer que mais de 110 milhões de pessoas não estavam retratadas nos atos pró-impeachment. “Andei duas horas na manifestação. Não tinha pobres nem negros”, constatou a advogada Eliane Dias, produtora do grupo de rap Racionais MC’s.
De fato, para falar em democracia, é preciso se referir a toda a sociedade. “É muita irresponsabilidade, por exemplo, simular o enforcamento de um homem negro no meio da Paulista. Vi várias famílias lá dando risadinha disso”, relata Eliane. Para ela, violência semelhante é levar uma babá negra para esse contexto. “É uma humilhação. Você coloca lá uma mulher negra, num domingo, num lugar onde não tem nenhum negro… Isso representa a submissão”, constata.
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