Temer e os orgasmos do financismo
O pacote de malefícios, sem nenhuma legitimidade democrática, aponta para tempos difíceis. A única certeza é a de que os golpistas não terão vida fácil.
O anúncio dos principais nomes a ocuparem postos estratégicos na área econômica do Presidente Interino Michel Temer foi saudado com muita festa e fogos de artifício pelos mais límpidos representantes do sistema financeiro em nosso País.
Na verdade, tal reação não pode ser encarada como uma grande surpresa. Muito pelo contrário, trata-se tão somente da confirmação de um jogo de cena muito bem desenhado pelos dirigentes das instituições do setor em articulação com os principais responsáveis pelos meios de comunicação.
Os articuladores do golpeachment tinham por objetivo óbvio a remoção de Dilma do Palácio do Planalto. Para eles não bastava a implementação da política do austericídio colocada em prática pelos dois ocupantes do Ministério da Fazenda desde o início do segundo mandato da Presidenta eleita. Não era suficiente que ela tivesse abandonado o programa de governo para o qual havia sido vitoriosa no segundo turno do pleito de outubro de 2014.
Levy, Barbosa e Meirelles: mais do mesmo.
Tampouco ficaram eles satisfeitos com a guinada conservadora de Dilma, que foi buscar uma indicação na nata dos representares dos bancos para comandar a economia, incorporando um diretor do Bradesco - Joaquim Levy - para o posto. Na sequência, a nomeação de Nelson Barbosa para substitui-lo gerou enorme frustração em tempo recorde para todos os que acreditavam na retomada de alguma tintura desenvolvimentista no projeto econômico do governo. Porém, de nada adiantou que o sucessor do banqueiro mantivesse exatamente a agenda da ortodoxia, pois o imenso apetite dos golpistas não era jamais saciado.
Uma vez consumado o putsch em sua etapa inicial no âmbito do Senado Federal, o afastamento temporário de Dilma abriu o espaço para a posse do interino. E com ele veio toda uma mudança na equipe de governo. Enfim, alteração mais na retórica do que nos nomes, pois boa parte do gabinete temerário é composta de pessoas que haviam ocupado cargos estratégicos durante os governos dirigidos pelo PT.
Como sempre, o essencial era a direção da economia. A escolha de mais uma sugestão oferecida pela banca recaiu sobre Henrique Meirelles, ex presidente internacional do Bank of Boston e todo poderoso Presidente do Banco Central durante os dois mandatos lulistas. A ironia da história é que Lula havia pressionado Dilma para que escolhesse o próprio Meirelles para ocupar o cargo da Fazenda.
As trapalhadas iniciais do governo, as declarações desastradas e desencontradas dos ministros ainda na primeira semana, a ausência de mulheres e negros no primeiro escalão, a elevada incidência de investigados dentre os nomeados, quase nada disso ganhou muita relevância ou destaque entre os editores dos órgãos de imprensa. O importante era conceder um voto de confiança e ressaltar a capacidade profissional e a competência técnica dos indicados para a área econômica. Ao governo provisório é oferecida uma bela trégua.
O financismo no poder, sem intermediários.
O tom exageradamente ufanista do “agora, vai!” dominou o tempero da comunicação. Afinal, o fundamental é contribuir para a criação de um clima positivo para a formação das expectativas no interior dos espaços dos tomadores de decisão na economia. O financismo chegou ao orgasmo com o anúncio do sócio do banco Itaú, Ilan Goldfajn, para comandar a política monetária e a regulamentação do sistema financeiro. O ingresso de assessores explícitos ou informais da candidatura de Aécio Neves e dos tucanos de forma geral foi comemorado com êxtase indisfarçável, como se realmente houvessem recebido um inédito mandato das urnas para algo que lhes fora negado, de forma sistemática, pelo voto popular em 2002, em 2006, em 2010 e em 2014.
Talvez a aristocracia do dinheiro tenha realmente ficado cansada de terceirizar por tanto tempo o comando da economia e do país para dirigentes políticos estranhos ao seleto grupo da elite. Como se dissessem: “Chega! Agora é a nossa vez!”. Basta de governantes que tentem incorporar a narrativa e a prática do bom mocismo e que busquem interpretar os mais profundos desejos da finança. Não! Agora, o financismo pretende governar de forma direta, sem intermediários, ainda que a essência da política econômica não seja muito diferente do que havia sido praticada até então.
A grande questão é que, a partir de agora, o tom e a intensidade serão muito diversos. Não haverá mais vergonha em falar de privatização, em desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS), em reforma da previdência social, em cortes dos gastos sociais, em mudança nas regras do salário mínimo, em redução de direitos sindicais e trabalhistas, entre tantas outras maldades. A área da cultura já recebeu o tratamento que era imaginado. O sistema de ciência, tecnologia e inovação foi reduzido a pó. A reforma agrária e a política social foram esmagadas. Os direitos humanos também foram ofendidos.
Dificuldades de Temer e a articulação da resistência.
Temer sabe que tem pouco tempo para entregar o que prometeu e aquilo que as elites tanto esperam. Exatamente por isso é que a tarefa da mídia é exultar os orgasmos múltiplos. Pouco importa que estes sejam muito bem simulados, na tentativa de enganar um prazer que não foi tão intenso assim. O que conta agora são os resultados esperados. As dificuldades iniciais para convencer a própria base do golpismo no Congresso Nacional começam a apresentar seus obstáculos. Os sindicalistas pelegos que estavam com Cunha e contra Dilma não parecem muito dispostos a engolir as maldades de uma reforma previdenciária. Os representantes dos empresários, embalados pelo clima do pato da FIESP, já avisam que não aceitarão aumento de tributos sob a forma da CPMF.
Mas mesmo assim, os jornalões e as redes de rádio e TV - que receberam todo o tipo de ajudas e benesses dos governos do bloco que ajudaram a derrubar - mantêm o clima artificial de otimismo e tocam o bumbo para o bloco seguir em frente. Assim, os problemas seriam todos derivados da herança maldita deixada pelos governos anteriores. A competência técnica e a excelência do currículo dos novos indicados para economia são a boia de salvação para a travessia do rio turbulento. Afinal, a promessa de uma ponte para o futuro não passava de mera criação fantasiosa.
No entanto, o que aparentemente não havia entrado nos cálculos dos estrategistas do “coup d´´Etat” - denunciado pelo mundo afora, inclusive em Cannes, na França – é a capacidade de resistência política de amplos setores em nossa sociedade. A ruptura casuística da ordem institucional e a edição de um pacote de malefícios, sem nenhuma legitimidade democrática ou popular, apontam para tempos difíceis no horizonte.
A única certeza é a de que os golpistas não terão vida fácil.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Na verdade, tal reação não pode ser encarada como uma grande surpresa. Muito pelo contrário, trata-se tão somente da confirmação de um jogo de cena muito bem desenhado pelos dirigentes das instituições do setor em articulação com os principais responsáveis pelos meios de comunicação.
Os articuladores do golpeachment tinham por objetivo óbvio a remoção de Dilma do Palácio do Planalto. Para eles não bastava a implementação da política do austericídio colocada em prática pelos dois ocupantes do Ministério da Fazenda desde o início do segundo mandato da Presidenta eleita. Não era suficiente que ela tivesse abandonado o programa de governo para o qual havia sido vitoriosa no segundo turno do pleito de outubro de 2014.
Levy, Barbosa e Meirelles: mais do mesmo.
Tampouco ficaram eles satisfeitos com a guinada conservadora de Dilma, que foi buscar uma indicação na nata dos representares dos bancos para comandar a economia, incorporando um diretor do Bradesco - Joaquim Levy - para o posto. Na sequência, a nomeação de Nelson Barbosa para substitui-lo gerou enorme frustração em tempo recorde para todos os que acreditavam na retomada de alguma tintura desenvolvimentista no projeto econômico do governo. Porém, de nada adiantou que o sucessor do banqueiro mantivesse exatamente a agenda da ortodoxia, pois o imenso apetite dos golpistas não era jamais saciado.
Uma vez consumado o putsch em sua etapa inicial no âmbito do Senado Federal, o afastamento temporário de Dilma abriu o espaço para a posse do interino. E com ele veio toda uma mudança na equipe de governo. Enfim, alteração mais na retórica do que nos nomes, pois boa parte do gabinete temerário é composta de pessoas que haviam ocupado cargos estratégicos durante os governos dirigidos pelo PT.
Como sempre, o essencial era a direção da economia. A escolha de mais uma sugestão oferecida pela banca recaiu sobre Henrique Meirelles, ex presidente internacional do Bank of Boston e todo poderoso Presidente do Banco Central durante os dois mandatos lulistas. A ironia da história é que Lula havia pressionado Dilma para que escolhesse o próprio Meirelles para ocupar o cargo da Fazenda.
As trapalhadas iniciais do governo, as declarações desastradas e desencontradas dos ministros ainda na primeira semana, a ausência de mulheres e negros no primeiro escalão, a elevada incidência de investigados dentre os nomeados, quase nada disso ganhou muita relevância ou destaque entre os editores dos órgãos de imprensa. O importante era conceder um voto de confiança e ressaltar a capacidade profissional e a competência técnica dos indicados para a área econômica. Ao governo provisório é oferecida uma bela trégua.
O financismo no poder, sem intermediários.
O tom exageradamente ufanista do “agora, vai!” dominou o tempero da comunicação. Afinal, o fundamental é contribuir para a criação de um clima positivo para a formação das expectativas no interior dos espaços dos tomadores de decisão na economia. O financismo chegou ao orgasmo com o anúncio do sócio do banco Itaú, Ilan Goldfajn, para comandar a política monetária e a regulamentação do sistema financeiro. O ingresso de assessores explícitos ou informais da candidatura de Aécio Neves e dos tucanos de forma geral foi comemorado com êxtase indisfarçável, como se realmente houvessem recebido um inédito mandato das urnas para algo que lhes fora negado, de forma sistemática, pelo voto popular em 2002, em 2006, em 2010 e em 2014.
Talvez a aristocracia do dinheiro tenha realmente ficado cansada de terceirizar por tanto tempo o comando da economia e do país para dirigentes políticos estranhos ao seleto grupo da elite. Como se dissessem: “Chega! Agora é a nossa vez!”. Basta de governantes que tentem incorporar a narrativa e a prática do bom mocismo e que busquem interpretar os mais profundos desejos da finança. Não! Agora, o financismo pretende governar de forma direta, sem intermediários, ainda que a essência da política econômica não seja muito diferente do que havia sido praticada até então.
A grande questão é que, a partir de agora, o tom e a intensidade serão muito diversos. Não haverá mais vergonha em falar de privatização, em desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS), em reforma da previdência social, em cortes dos gastos sociais, em mudança nas regras do salário mínimo, em redução de direitos sindicais e trabalhistas, entre tantas outras maldades. A área da cultura já recebeu o tratamento que era imaginado. O sistema de ciência, tecnologia e inovação foi reduzido a pó. A reforma agrária e a política social foram esmagadas. Os direitos humanos também foram ofendidos.
Dificuldades de Temer e a articulação da resistência.
Temer sabe que tem pouco tempo para entregar o que prometeu e aquilo que as elites tanto esperam. Exatamente por isso é que a tarefa da mídia é exultar os orgasmos múltiplos. Pouco importa que estes sejam muito bem simulados, na tentativa de enganar um prazer que não foi tão intenso assim. O que conta agora são os resultados esperados. As dificuldades iniciais para convencer a própria base do golpismo no Congresso Nacional começam a apresentar seus obstáculos. Os sindicalistas pelegos que estavam com Cunha e contra Dilma não parecem muito dispostos a engolir as maldades de uma reforma previdenciária. Os representantes dos empresários, embalados pelo clima do pato da FIESP, já avisam que não aceitarão aumento de tributos sob a forma da CPMF.
Mas mesmo assim, os jornalões e as redes de rádio e TV - que receberam todo o tipo de ajudas e benesses dos governos do bloco que ajudaram a derrubar - mantêm o clima artificial de otimismo e tocam o bumbo para o bloco seguir em frente. Assim, os problemas seriam todos derivados da herança maldita deixada pelos governos anteriores. A competência técnica e a excelência do currículo dos novos indicados para economia são a boia de salvação para a travessia do rio turbulento. Afinal, a promessa de uma ponte para o futuro não passava de mera criação fantasiosa.
No entanto, o que aparentemente não havia entrado nos cálculos dos estrategistas do “coup d´´Etat” - denunciado pelo mundo afora, inclusive em Cannes, na França – é a capacidade de resistência política de amplos setores em nossa sociedade. A ruptura casuística da ordem institucional e a edição de um pacote de malefícios, sem nenhuma legitimidade democrática ou popular, apontam para tempos difíceis no horizonte.
A única certeza é a de que os golpistas não terão vida fácil.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Fonte: Carta Maior
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