Impeachment é
político, diz Gilmar Mendes em entrevista ao Cafezinho
O blog O Cafezinho contratou o
jornalista Wellington Calasans, radicado na Suécia há muitos anos, para
acompanhar Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, em evento
realizado em Estocolmo, Suécia.
Miguel Rosário
Acostumado a ambientes blindados pela
mídia brasileira, com repórteres da Globo lhe fazendo perguntas
"bonitinhas", Gilmar Mendes desta vez saiu da zona de conforto.
O evento, que era fechado, se chamava
"A situação política do Brasil e as instituições" e realizou-se na
Universidade de Estocolmo.
Durante o evento, Calasans pode fazer,
em inglês, algumas perguntas incômodas a Gilmar Mendes, que o deixaram, segundo
nosso repórter, bastante constrangido.
Calasans perguntou, por exemplo, porque
Dilma estaria sendo derrubada por manobras orçamentárias rotineiras na
administração pública, feita por quase todos os governadores e presidentes
anteriores, e se isso não poderia provocar instabilidade no país, fragilizando
a nossa democracia. Gilmar Mendes respondeu (em péssimo inglês) que o processo
contra Dilma era mais "político" que "jurídico", sem
conseguir esconder a fragilidade jurídica das acusações contra a presidenta.
Terminado o evento, Calasans teve a
oportunidade de fazer uma entrevista exclusiva, dessa vez em português, com o
ministro, repetindo as perguntas que já havia feito em inglês.
Observe como Gilmar Mendes, na primeira
pergunta, se enrola todo ao responder sobre os riscos sistêmicos à democracia
provocados por um impeachment sem crime de responsabilidade. Afinal, se não é
preciso apontar um crime, qualquer governador ou prefeito pode ser derrubado em
caso de perda de apoio político parlamentar.
O golpe nos transformou - violando a
Constituição - num regime parlamentarista!
A resposta de Gilmar é uma barbaridade,
digna de figurar com destaque nos anais do golpe de Estado de 2016.
Ele diz que "o processo é político,
se ela tivesse cometido crime, se ficasse flagrantemente provado que ela
tivesse cometido crime, e ela tivesse 172 votos, ela também não seria
processada".
Ora, ora, ora!
A máscara dos golpistas está caindo na
velocidade da luz.
Quer dizer que Dilma não cometeu crime e
será derrubada?
E se ela "tivesse flagrantemente
cometido crime", poderia não ser derrubada?
Eita, Brasil! Condena quem não cometeu
crime, inocenta quem cometeu, tudo por conta de julgamentos políticos
realizados por um parlamento cheio de bandidos presidido por Cunha!
E o voto popular, que é o principal
julgamento político da nossa democracia, não vale nada?
Gilmar Mendes esqueceu disso? Que Dilma
ganhou, por duas vezes consecutivas, as eleições presidenciais?
O voto de um punhado de deputados
enrolados com a justiça, liderados por uma figura como Eduardo Cunha, vale mais
que o sufrágio universal de 140 milhões de eleitores?
Não, Gilmar Mendes não esqueceu, tanto
que, como ministro do TSE responsável pelas contas da Dilma (e agora como
presidente do TSE), mandou reabrir inquéritos contra a campanha dela várias
vezes. As contas são aprovadas e Gilmar Mendes reabre a investigação, sempre
tentando criar factoides políticos negativos para o governo, com objetivo de
desestabilizá-lo e de criar atmosfera política mais propícia para o golpe tipo
1 (parlamentar, que está dando certo) ou tipo 2 (cassação eleitoral, que é o
plano B dos golpistas). E agora Gilmar Mendes quer separar as contas de Dilma e
Temer, obviamente para reprovar só a primeira, uma bizarrice que mereceu,
inclusive, uma pergunta crítica de um professor sueco que participava do
encontro, para grande constrangimento do ministro.
A bizarrice é tanta que Gilmar Mendes,
já satisfeito com o relativo e temporário sucesso do golpe, puxou o freio do
processo de investigação das contas de Dilma, postergando-o para o ano que vem.
É assim, ele acelera, atrasa, reabre, a
análise das contas de Dilma a seu bel prazer.
Gilmar inaugura uma nova modalidade de
chicana jurídica: a chicana de acusação, conduzida pelo próprio juiz!
Em seguida, Calasans perguntou porque
Lula foi impedido de assumir o ministério, sob pretexto de que estaria tentando
"fugir" da justiça comum, enquanto Michel Temer nomeou mais de sete
ministros indiciados que também, ao assumirem o cargo, ganharam foro
privilegiado, e poderiam igualmente ser acusados de estarem
"fugindo".
Mais uma vez, Gilmar Mendes se embananou
todo e disse que as situações eram completamente diferentes, sem conseguir
apontar nenhuma diferença.
Por fim, Calasans perguntou a Gilmar
Mendes se ele considera que não há mais espaço para contestação ao impeachment
junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como de praxe, Gilmar Mendes julgou
fora dos autos um processo que ainda pode ter de julgar no tribunal, o que é
absolutamente antiético: ele respondeu que o STF já teria"exaurido"
as questões em torno do impeachment.
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