ANÁLISE
Lalo Leal: o jornalismo brasileiro, do colapso à fraude
Nunca antes na história o nível ético da imprensa comercial esteve tão baixo. Na ânsia de derrubar a qualquer custo um governo eleito, mandou às favas valores consagrados internacionalmente
por Lalo Leal, Revista do Brasil publicado 13/08/2016 15:15, última modificação 17/08/2016 11:52
GERALDO MAGELA/LIA DE PAULA/AGÊNCIA SENADO
Otavio Frias Filho, dono do grupo Folha, e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald: diferenças numéricas e de conduta
Assistimos ao colapso do jornalismo comercial brasileiro. Nunca antes na história deste país o nível ético de jornais, rádios e TVs esteve tão baixo. Na ânsia de derrubar a qualquer custo um governo eleito democraticamente, as empresas de comunicação mandaram às favas princípios e valores jornalísticos consagrados internacionalmente. Causaram espanto em quem viu esse processo com olhar estrangeiro. O jornalista estadunidense Glenn Greenwald, radicado no Brasil, arregalou os olhos. Primeiro surpreendeu-se com a unanimidade da mídia tradicional brasileira na defesa dos mesmos interesses, sem espaço para divergências.
É dele a melhor definição desse processo, ao comparar a situação real do Brasil com um cenário hipotético dos Estados Unidos, no qual todos os meios de comunicação adotariam a linha conservadora da Fox News. Para quem vive naquele país, ficou fácil de entender. Por aqui, é mais difícil. A maioria da população se informa pelo rádio e pela TV, que por sua vez ecoam o que dizem jornais e revistas, num círculo fechado à controvérsia.
Do susto inicial ao constatar essas evidências, o jornalista foi além e desvendou uma das maiores fraudes já ocorridas na imprensa brasileira veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo, espetacularizada pelo programaFantástico, da Rede Globo, e disseminada por diferentes meios de comunicação. Greenwald, depois com o importante complemento do jornalista brasileiro Fernando Brito, editor do site Tijolaço, revelou a manobra operada por aquele jornal com a colaboração do seu instituto de pesquisa, o Datafolha. Num domingo de julho, a Folha disse que 50% dos brasileiros desejavam a permanência de Temer na presidência até 2018 e que apenas 3% do eleitorado era favorável a novas eleições.
Diante desses números surpreendentemente positivos para um governo tão impopular como o de Temer, outro jornalista estrangeiro, Brad Brooks, correspondente-chefe da agência de notícias Reuters no Brasil, também se assustou. Foi o primeiro a perceber a discrepância entre aqueles números e a informação do próprio Datafolha, dada em comunicado à imprensa, de que três em cada cinco brasileiros preferem novas eleições.
Só que essa informação sumiu até da página do instituto de pesquisa. Foi Fernando Brito quem descobriu nos escaninhos da internet a versão original dos dados coletados. Segundo Greenwald e Erick Dau, do site The Intercept, o que foi encontrado na versão original do documento – aparentemente retirada do ar de forma discreta pelo Datafolha – é de tirar o fôlego. Ficou comprovado que a matéria da Folha era uma fraude jornalística completa.
Dizem os jornalistas, no Intercept: “A pergunta 14, encontrada na versão original, dizia: ‘Uma situação em que poderia haver novas eleições presidenciais no Brasil seria em caso de renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer a seus cargos. Você é a favor ou contra Michel Temer e Dilma Rousseff renunciarem para a convocação de novas eleições para a Presidência da República ainda neste ano?’ Os dados não publicados pelo Datafolha mostram que 62% dos brasileiros são favoráveis à renúncia de Dilma e Temer, e à realização de novas eleições, enquanto 30% são contrários a essa solução. Isso significa que, ao contrário da afirmação da Folha de que apenas 3% querem novas eleições e 50% dos brasileiros querem a permanência de Temer como presidente até 2018 – ao menos 62% dos brasileiros, uma ampla maioria, querem a renúncia imediata de Temer”.
Mas a Folha não ficou por ai. Escondeu também uma pergunta cujas respostas eram mais favoráveis a Dilma. O Datafolha perguntou: “Na sua opinião, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras democráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras democráticas e a Constituição?” Apenas 49% disseram que o impeachment cumpre as regras democráticas e respeita a Constituição, enquanto 37% disseram que não. “Como a Folha pode omitir este dado tão surpreendente e importante quando, supostamente, quer descrever a visão dos eleitores sobre o impeachment?”, perguntam os jornalistas do Intercept.
Para completar, o jornal embalou esses e outros números numa manchete de primeira página que dizia: “Cresce o otimismo com a economia, diz Datafolha”. Trabalho de propaganda para pôr no chinelo as ideias e frases dos mais renomados e experientes marqueteiros políticos do país.
Pesquisas realizadas por outros institutos, alguns dias depois, confirmaram a fraude. Segundo levantamento do Ipsos, publicado pelo jornal Valor Econômico, 20% da população quer a permanência de Dilma e apenas 16% do interino, que é rejeitado por 68% da população (a rejeição à Dilma caiu de 61% em março para 48% em julho). A preferência por novas eleições chega a 52% (bem distante dos 3% da Folha).
Mas o estrago maior para a democracia foi realizado pela TV, tendo o Fantástico à frente. Foram longos minutos dissecando didaticamente para o telespectador os números da pesquisa numa ação de duplo efeito: diminuir a rejeição popular ao governo interino e, por consequência, dar respaldo aos votos dos senadores golpistas no processo de impeachment. A fraude no jornalismo acompanha a fraude na política.
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