Serra quer implodir o Mercosul
Por Marcelo Zero, Brasilia, 10 de agosto 16
Todas as alegações ridículas do governo golpista brasileiro e de seus sócios minoritários contra a Venezuela não passam de cortina de fumaça pseudojurídica para encobrir um fim político mesquinho: suspender a Venezuela do Mercosul a qualquer custo
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O governo golpista do Brasil, juntamente com seus sócios paraguaios e argentinos, decidiu não reconhecer a presidência pro tempore da Venezuela no Mercosul. Além disso, agora se recusa a participar de quaisquer reuniões ou atividades presididas pela Venezuela.
Ora, o governo golpista não pode deixar de reconhecer a presidência da Venezuela, pois ela está prevista claramente na normativa do bloco. O artigo 12 do Tratado de Assunção, que fundou o Mercosul, estabelece que a Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses. Por sua vez, o Protocolo de Ouro Preto, que definiu, em 1994, a estrutura institucional do Mercosul, estipula, em seu artigo 5, que a Presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos Estados Partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses.
Trata-se de regra clara, autoaplicável e automática. Deixando a presidência a Argentina, assume o Brasil, deixando Brasil, assume o Paraguai, deixando o Paraguai, assume o Uruguai e deixando o Uruguai, como ocorreu agora, assume a….. Venezuela. O Tratado de Assunção é claro, o Protocolo de Ouro Preto é cristalino e a ordem alfabética, para os alfabetizados, é evidente.
Ao contrário da falsidade alegada pelo governo golpista brasileiro, não é necessário nenhum ato do Conselho do Mercado Comum para validar juridicamente essa rotação automática da presidência do Mercosul. Não há uma única decisão do Conselho do Mercado Comum sobre isso. Sendo a Venezuela Estado Parte do Mercosul e estando ela no pleno gozo de suas prerrogativas como membro do bloco, e está, ela tem de assumir a presidência. Essa é a regra acordada entre os Estados Partes e aprovada por seus poderes legislativos.
Mas, como se sabe, o governo golpista do Brasil não gosta muito de respeitar regras democráticas. Para quem teve o desplante de cassar mais de 54 milhões de votos, colidindo com a Constituição, afrontar tratados internacionais é como tirar doce de criança.
E, para um governo de acusados de corrupção, que cinicamente acusou a honesta presidenta Dilma Rousseff de crime para tentar se safar da Lava Jato, a exportação da hipocrisia é algo natural. Assim, o insigne Barão da Mooca, digno sucessor do Barão do Rio Branco, alega, como desculpa para sua decisão, que a Venezuela não cumprirá “disposições essenciais” à sua adesão ao bloco econômico; e que “torna-se evidente que se está diante de um cenário de descumprimento unilateral de disposições essenciais para a execução do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, que deverá ser avaliado detidamente à luz do direito internacional”.
Tal alegação é cômica. É de conhecimento até do reino mineral que nenhum Estado Parte do Mercosul cumpre integralmente com as normas acordadas do bloco. Nenhum. Inclusive o Brasil. Por isso, muitos protocolos e acordos importantes até hoje não conseguiram entrar em vigor. Por exemplo, o Brasil até hoje não ratificou o PROTOCOLO DE COLÔNIA PARA A PROMOÇÃO E PROTEÇÃO RECÍPROCA DE INVESTIMENTOS NO MERCOSUL. Tampouco ratificou o PROTOCOLO SOBRE PROMOÇÃO DE INVESTIMENTOS PROVENIENTES DE ESTADOS NÃO PARTES DO MERCOSUL e o ACORDO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA DO MERCOSUL, só para citar alguns. O mesmo ocorre com todos os outros membros do bloco.
Mas além de não terem ratificado vários protocolos e acordos negociados no âmbito do bloco, os Estados Partes também não cumprem, muitas vezes, as regras já em vigor. Nenhum membro do bloco, inclusive o Brasil, cumpre a Tarifa Externa Comum (TEC) em toda a sua amplitude. Mesmo as regras comerciais intrabloco muitas vezes são descumpridas. Basta olhar, a esse respeito, as inúmeras reclamações, principalmente na área comercial, que os membros do bloco fazem contra outros membros, tanto no âmbito do Mercosul, quanto até mesmo no quadro da OMC.
Portanto, quando o Brasil, Argentina e Paraguai reclamam que a Venezuela não está cumprindo ainda com todas as regras do seu Protocolo de Adesão ao Mercosul, é como assistir os rotos, bem rotos, falando do esfarrapado.
Quanto ao conflito interno da Venezuela, que é muito grave, ele não pode servir de motivo para impedir a Venezuela de assumir a presidência. Afinal, o Brasil vive situação semelhante, com o agravante de que aqui a ordem democrática já foi quebrada. Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe. Atentado grave contra o Estado Democrático de Direito. Ergo, quem violou o Protocolo de Ushuaia foi o Brasil.
Todas essas alegações ridículas do governo golpista brasileiro e de seus sócios minoritários contra a Venezuela não passam de cortina de fumaça pseudojurídica para encobrir um fim político mesquinho: suspender a Venezuela do Mercosul a qualquer custo. Repete-se no Mercosul o que aconteceu no Brasil: inventam uma regra jurídica inexistente ou interpretação estapafúrdia de uma regra para tentar justificar um fim político concreto. No Brasil, foram as “pedaladas fiscais”. No Mercosul, é essa invencionice ridícula de que a presidência rotativa tem de ser aprovada pelos demais Estados Partes. O governo golpista brasileiro conseguiu exportar o modus operandi do golpe para o Mercosul.
No entanto, o golpe no Mercosul não é apenas para tirar a Venezuela do bloco. A eventual suspensão da Venezuela é apenas meio para um fim maior.
O chanceler do governo golpista brasileiro nunca escondeu seu total desprezo pelo Mercosul e a integração regional. Segundo ele, o Mercosul foi “uma farsa”, um “delírio megalomaníaco, que paralisou a política de comércio exterior brasileira.”.
Assim, a agenda de Serra para o Mercosul é sua implosão. Ele quer acabar com a união aduaneira do bloco, de modo a celebrar, com celeridade, acordos de livre comércio com quem “realmente importa”: EUA, União Europeia, Japão etc. Ele deseja transformar o Mercosul em mera área de livre comércio, uma espécie de Alcasul escancarada à concorrência predatória das nações mais industrializadas, na qual cada país fará o que bem entender. Se a Argentina quiser fazer um acordo de livre comércio com a China, tudo bem. Se o Paraguai quiser fazer um acordo de livre comércio com os EUA, tudo bem. Dessa forma, o bloco se diluirá na “globalização” e nas “cadeias internacionais de valor”. Perderá seu sentido estratégico de propiciar inserção soberana dos seus membros no cenário mundial.
Ora, a Venezuela é, atualmente, um obstáculo a essa implosão estratégica do Mercosul. Esse é o motivo último pelo qual ela tem de ser afastada. A questão democrática e o descumprimento de regras são desculpas esfarrapadas.
O pior de tudo isso é a cegueira estratégica dos golpistas. O Mercosul, com sua união aduaneira, ainda que incompleta, é vital para nossos interesses. Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 690%, quase de oito vezes mais, em apenas 11 anos. E cerca de 90% do que exportamos para esse bloco são produtos industrializados. Assim, esse mercado é crucial para nossa indústria. Mas vamos perdê-lo, caso a união aduaneira seja extinta.
A própria relação bilateral com a Venezuela beneficia muito o Brasil. Entre 2003 e 2012, nossas exportações para esse país irmão subiram de apenas US$ 608 milhões para US$ 5 bilhões. Nesse período, a Venezuela nos brindou com um superávit comercial acumulado de US$ 29 bilhões. Exportamos para lá desde alimentos até produtos manufaturados sofisticados. Além disso, a Venezuela é vital para desenvolvimento da nossa fronteira amazônica norte e desempenha papel fundamental para o suprimento de energia elétrica aos nossos estados da Região Norte. Por conseguinte, trata-se de uma relação estratégica para o Brasil, que não pode ser fragilizada por preconceitos políticos e ideológicos, os quais não cabem numa política externa responsável.
O governo golpista brasileiro, depois de ter dado um tiro na democracia, quer também dar um tiro no Mercosul e no pé do Brasil.
A política externa brasileira está entregue a quem quer entregar o Brasil.
Meirelles defende privatização de estatais aptas a serem vendidas
LAÍS ALEGRETTI
DE BRASÍLIA
DE BRASÍLIA
10/08/2016 15h36
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defendeu nesta quarta-feira (10) que todas as empresas estatais que podem ser privatizadas, parcial ou integramente, devem ser vendidas.
"É muito importante que não se fique com estatais apenas para tê-las dentro do Estado. [...] Estamos discutindo a privatização do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Devemos esperar alguns meses, mas existe uma determinação clara de privatizar", afirmou o ministro.
Em almoço com parlamentares, Meirelles disse, ainda, que é necessário melhorar o desempenho e a governança das empresas estatais.
A Folha mostrou que, na busca de reduzir o rombo das contas públicas no próximo ano, a Fazenda calcula que o futuro programa de privatizações e concessões do governo do presidente interino Michel Temer irá render entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões ao caixa do Tesouro Nacional em 2017.
O governo está montando a lista do que pode ser privatizado e concedido ao setor privado, mas já conta com a venda da Caixa Seguridade, IRB, participações da Infraero em aeroportos e concessões de rodovias, portos e aeroportos.
No fim de junho, durante reunião com sua equipe, Temer orientou seus ministros a levantarem em suas áreas "tudo o que puder ser privatizado e concedido ao setor privado".
Na ocasião, no entanto, o governo já havia decidido que não colocaria nada à venda antes do julgamento final do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Só depois, caso se confirme a efetivação de Temer, o governo daria o sinal verde nesta área.
E como anda a Taxa de juros, Selic?
Ao ignorar os problemas associados ao austericídio, a mídia insiste em martelar na suposta 'competência técnica' dos integrantes do alto escalão temerário.
Por Paulo Kliass *
Carta Maior, 10 de agosto 16
O esforço hercúleo realizado pelos grandes meios de comunicação para blindar os membros da equipe econômica do governo interino parece que tem obtido algum resultado sobre o comportamento das pessoas em geral. A situação de crise aberta só tem se aprofundado a cada dia que passa: desemprego, número de falências, redução do consumo e da massa salarial, diminuição das verbas orçamentárias para serviços públicos essenciais, entre tantos outros aspectos. Mas o Brasil das editorias de economia parece ser outro.
Ao ignorar os problemas associados à receita do austericídio, os jornalões e as telinhas insistem em martelar na suposta “competência técnica e qualificação profissional” dos integrantes do alto escalão temerário. Preocupados apenas em disseminar a visão parcial do financismo a respeito da terrível situação do País, a imprensa pouco se preocupa com o fato de que a inflação continua praticamente nos mesmos níveis de antes e que as empresas do setor financeiro são as únicas a apresentar, de forma continuada e sistemática, seus vergonhosos ganhos bilionários.
O Brasil corre o sério risco de penetrar na pior depressão de sua história no último século e mesmo assim os especialistas não se atrevem a criticar as opções de política econômica que vêm sendo implementadas pela dupla de banqueiros no comando do governo. Um ex-presidente internacional do Bank of Boston em sintonia com um dos diretores do Banco Itaú revelam a que tipo de interesse os responsáveis pela economia estão preocupados em atender. Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central (BC) vêm atuando de forma harmônica entre si, com o firme propósito de manter arrochada a política monetária. O argumento retórico e conceitual permanece sendo a necessidade de protagonizar o bom e velho combate sem tréguas à inflação. Um enorme equívoco.
Tripé continua firme e forte.
E aqui começamos a responder a pergunta do título do artigo. Afinal, como anda a SELIC? Com a finalidade de montar um teto protetor aos (ir)responsáveis pela economia, a imprensa parece se esquecer do que vem acontecendo com a condução da política monetária. Talvez esse comportamento d esconder os males se justifique pelo verdadeiro desastre que continua a ser praticado nesse quesito. Para não perecer injusto, é necessário reconhecer que algumas palavras foram dirigidas a Goldfajn, sempre elogiosas. E aqui elas parecem uma verdadeira seção “Caras” de cobertura da economia, lembrando aos leitores que as decisões do COPOM serão liberadas mais cedo ao final das reuniões e que as atas serão redigidas em uma linguagem menos inacessível. Sim, mas e daí?
O fato relevante é que a política monetária não sofreu nenhuma alteração em sua essência. Assim como o tripé da política econômica, que continua inalterado, com a permanência das seguintes características: i) regime de metas de inflação; ii) taxa de câmbio flutuante, formada apenas pela oferta e demanda de divisas; e iii) esforço pela geração de superávit primário. A política monetária não mudou pelo simples fato de que a taxa oficial de juros permaneceu nos mesmos níveis estratosféricos de antes.
A primeira reunião do COPOM sob a presidência de Goldfajn deliberou pela continuidade da SELIC no patamar em que estava. Em 20 de julho último o colegiado anunciou que a taxa permaneceria em 14,25% anuais. Com isso, o Brasil teve a oportunidade de comemorar um ano dessa verdadeira desgraça que se abate sobre o conjunto da sociedade. Lembremo-nos todos que em 29 de julho de 2015, o mesmo COPOM havia decidido aumentar a SELIC dos então 13,75% para o nível em que estamos até hoje.
SELIC nas alturas: remédio equivocado.
Todos sabemos o enorme esforço a que indivíduos, famílias, empresas e governos são submetidos para suportar os efeitos provocados por tal orientação de política econômica. No entanto, o mais trágico é que nem mesmo os argumentos retóricos são sustentados quando se confrontam os dados da realidade. Por que a SELIC deve ser tão alta? Os manuais tradicionais de macroeconomia insistem que esse é o único mecanismo eficiente para combater a alta dos preços. Assim, para evitar a volta da inflação, a sociedade deveria sofrer mesmo com os efeitos recessivos derivados do arrocho monetário. Essa tese, por si só, já é bastante polêmica. Mas mesmo assim, a manutenção da SELIC nas alturas não atuou como elemento de redução da inflação.
Senão, vejamos. Em julho do ano passado, o IPCA acumulado de 12 meses havia atingido 9,6%. Realmente, um número preocupante, um tanto acima do teto da meta aceito pelos órgãos de governo e pactuado pelos agentes econômicos - 6,5% ao ano. Porém, o diagnóstico de que se tratava de um processo de alta de preços provocado por excesso de demanda não se justificava de forma alguma. Provocar recessão não era de modo algum remédio para aquele problema.
O resultado ao longo desse ano todo foi que a SELIC se manteve olímpica e a inflação praticamente não diminuiu desde julho passado. Pelo contrário, o IPCA se aproximou de 11% em janeiro e agora está por volta de 9% ao ano. Os únicos beneficiados por esse tipo de orientação foram os setores que se mantêm ancorados nos ganhos parasitas do reino das finanças. Vivemos o pior dos mundos: juros elevados e inflação também alta.
Além dos efeitos nefastos sobre o nível de atividades e as consequências sociais deles derivadas, a política monetária piorou ainda mais as dificuldades na seara da política fiscal. Ao longo desses mesmos 12 meses em que a SELIC esteve a 14,25%, o governo dirigiu o montante de R$ 450 bilhões do orçamento federal para o pagamento de despesas com juros da dívida pública. A lógica perversa do superávit primário exige um enorme esforço de contenção de gastos em saúde, educação e similares, ao passo que libera completamente as despesas de natureza financeira praticadas pelo Estado..
O mesmo BC que define a política monetária é também o órgão público responsável pela regulação e normatização das empresas que atuam no sistema financeiro. Apesar de tal atribuição legal e institucional, o banco não cumpre com tal papel. Pelo contrário, faz cara de paisagem frente às investidas dos bancos e demais empresas da área contra os interesses dos usuários, sejam empresas ou famílias. A cobrança sistemática de tarifas exorbitantes pelos serviços oferecidos é impressionante. A prática de spreads escandalosos sobre as operações de crédito é inaceitável. Ao longo desse mesmo ano aqui analisado, a média da taxa de juros para operações com pessoas físicas saiu de 58% para 71% ao ano. E a taxa média das operações com cartão de crédito aumentou 100 pontos percentuais ao ano, saindo de 371% para 471%. Uma loucura! Uma espoliação praticada com a devida chancela e subserviência do órgão que deveria fiscalizar os excessos praticados pelos bancos.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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