43 anos depois de Allende, a direita volta a sangrar a América Latina
Quarenta e três anos depois do 11 de setembro chileno, a democracia no Brasil e em toda a América Latina sofre uma nova escalada demolidora, semelhante nos objetivos a que derrubou Allende, mas distinta no seu método --por enquanto. Quando os Hawkers-Hunters da Força Aérea chilena passaram a bombardear o palácio presidencial de La Moneda, no centro de Santiago, naquela terça-feira cinzenta de 1973, ninguém tinha dúvida do que estava em marcha. A aposta nas instituições existentes para lastrear a primeira experiência regional de transição pacífica para o socialismo, desguarneceu a prontidão organizada da sociedade, que sucumbiu diante da ferocidade tradicional que a direita exibe quando decide atacar. Seria o mais sangrento, mas não o único massacre em uma escalada que encurralaria as bandeiras da democracia e da justiça social à trincheira da resistência, por uma década, em toda América Latina. Um superciclo de alta nos preços das commodities, iniciado no final dos anos 90, que durou até 2013, precedido da reação à desastrosa hegemonia neoliberal nos anos 80/90— reabriria o espaço para a emergência recente de um colar de governos progressistas, dotados de inédita estabilidade em uma região historicamente turbulenta e conflagrada. Lula, Morales, Nestor, Mujica, Dilma, Cristina, Rafael, entre outros, fizeram o repto, cada um a seu modo, da agenda esmagada sob as bombas, os assassinatos e a tortura promovidos por Pinochet no Chile. O impulso das condições internacionais propiciou o resgate, mas não o definiu. A América Latina sempre foi uma região exportadora de matéria-prima; já viveu outros ciclos de fastígio e opulência –madeira, ouro, prata, cana, café, carne... Mas nunca antes experimentara um salto social e democrático como o que se assistiu na última década. O que se vive agora no Brasil, Argentina, Equador, Venezuela etc é a inflexão dessa excepcionalidade de volta à norma: as elites locais não aceitam mais o jogo democrático que as ameaça com um pedaço do sacrifício necessário à travessia para um novo arranjo de desenvolvimento, após o declínio das commodities. Em vez dos Hawkers-Hunters da Força Aérea chilena, a resposta golpista agora vem dos pelotões acantonados pelas elites nos congressos nacionais. Importa reter, todavia, que há ‘ferramentas’ de uso comum às modalidades de assalto distintas que separam o Brasil de 2016, do Chile de 1973. Da mesma forma, seria ingênuo descartar a existência de pontes de intercâmbio entre versões brandas e sangrentas da recaptura do poder pelas elites, em marcha na região. A ação do fascismo fardado em São Paulo, contra manifestações pacíficas por democracia, sugere uma capacitação para essa conversibilidade. A natureza radicalmente antissocial do projeto comum aos dois períodos talvez a obrigue. Antes mesmo da Inglaterra, de Thatcher, a sociedade chilena foi militarmente capturada para ser a cozinha experimental do neoliberalismo. Talvez fosse mais apropriado dizer, ‘para ser o açougue'. Ali se sangrou, retalhou, picou e moeu uma nação até reduzi-la a uma massa disforme e vegetativa. Dessa matéria-prima aviltada em direitos trabalhistas, democráticos e sociais, nasceu a primeira receita mundial do cardápio que decretaria o fim do capitalismo regulado, a partir dos anos 70 –esse que agora se pretende restaurar, anacrônica e violentamente, no Brasil de 2016. Em 1973, o quitute indigesto foi enfiado goela abaixo de uma das sociedades mais democráticas do continente latino-americano. O recado escrito com o sangue da esquerda chilena foi peremptório a toda a região: 'a democracia promete mais do que os mercados estão dispostos a ceder'. O país que resultou desse acerto de contas regressivo é a confirmação enfática da fraude arquitetada por aqueles que agora se propõem repeti-lo no Brasil, na chave ‘branda’. Tudo funciona nesse modelo, mas só funciona para quem paga. E a maioria é esfolada a ponto de não pode pagar. A classe média chilena, ainda hoje, não pode pagar, por exemplo, por uma educação universitária de qualidade. Essa é a origem da revolta estudantil que premiou o Chile com uma renovação pioneira de liderança política na região, pela esquerda. A impulsiona-la, o padrão neoliberal de distribuição da riqueza, reconhecido agora como um entrave à recuperação mundial até pelo FMI: um minúsculo enclave de 5% da população chilena fatura por ano quase 260 vezes mais que o seu extremo oposto na pirâmide de renda. O principal trunfo do país, o cobre, preserva uma estatização de fachada. Os maiores beneficiários do negócio sãos as castas fardadas, às quais a ditadura destinou uma fatia cativa dos rendimentos da maior reserva do metal no planeta. Pior que o Brasil, pior que os EUA ou a Alemanha, a plutocracia chilena aferrou-se de tal maneira a seus privilégios que hoje 1% da população detém 31% de toda a riqueza nacional O conjunto faz do Chile, após a imersão neoliberal, um paradigma da receita de segregação econômica e social que determinou o esgotamento global desse modelo. Os textos sobre o 11 de setembro chileno reunidos neste Especial de Carta Maior –que reúne também análises sobre o 11 de setembro norte-americano, outra evidência do colapso da globalização neoliberal-- merecem leitura atenta nos sinais que emitem ao presente e ao futuro ameaçadores que o golpe reserva ao Brasil.
Como um velho farol solitário, o ano de 1973 lança alertas para os rochedos regressivos em direção aos quais, 43 anos depois, a aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário quer arremeter o país, sua gente, a sua democracia. Seu patrimônio e o seu desenvolvimento.
De novo, exortamos à leitura engajada que confere densidade a uma urgência: ‘Fora, Temer!’ Joaquim Palhares
Diretor de Redação
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domingo, 11 de setembro de 2016
43 anos depois de Allende, a direita volta a sangrar a América Latina
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