terça-feira, 6 de setembro de 2016

Guardian: Dilma saiu, mas a crise política brasileira certamente não

06/09/2016 15:55 - Copyleft

Guardian: Dilma saiu, mas a crise política brasileira certamente não

A crise política e econômica combinadas estão oferecendo uma oportunidade de ouro para uma aliança ultra-conservadora demolir o legado da democracia.


Paulo Pinheiro - The Guardian Roberto Stuckert Filho/PR
Com o impeachment agora completo, o Brasil está a mercê de seus ultra-conservadores – e liderado por um homem que também está sob investigação por corrupção.

A votação que definiu a instalação de Michel Temer no poder no país aconteceu precisamente uma semana depois do encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio e apenas dias antes da reunião do G20. Grandes perturbações foram evitadas durante os Jogos e o novo presidente foi confirmado em seu posto em tempo de aproveitar uma rodada conveniente de apertos de mãos e fotos com líderes mundiais na China. Tudo foi cuidadosamente planejado para fazer com que a remoção arbitrária da presidente democraticamente eleita parecesse negócios de sempre.

Não estou dizendo que a nova liderança no Brasil não está preocupada sobre sua legitimidade. Nos últimos meses, a aliança forjada para depor Dilma Rousseff rejeitou chamar o processo de impeachment que estava patrocinando de golpe de estado. Alguns ainda ameaçaram tomar ações legais contra aqueles que alegassem isso em debates oficiais. Sua narrativa insistiu que procedimentos constitucionais foram, sim, observados.

É verdade que, diferentemente do impeachment repentino conduzido depois de alguns dias no Paraguai em 2012, ou do claro uso da força em Honduras em 2009, formalidades foram observadas no julgamento surreal de Rousseff. Por mais de cinco meses, supostas irresponsabilidades orçamentárias do governo foram tratadas como um dos mais sérios crimes da história política do Brasil e foram cuidadosamente analisadas por legisladores zelosos, incluindo alguns acusados de muitos crimes, desde corrupção até lavagem de dinheiro. De repente, o mesmo país que foi capaz de lidar silenciosamente com uma rotina de impunidades em casos notórios de violências estatal, como  assassinato em massa de crianças de rua e de trabalhadores sem terra, se tornou aficcionado pela legalidade de ordens orçamentárias administrativas.






O destino de Rousseff foi decidido bem antes da última votação do senado.

Independentemente de tais análises legais bizarras e criativas, o destino de Rousseff foi decidido bem antes da última votação do senado, pelo colapso da coalizão heterogênea que sustentava seu governo e que a transformou em presa fácil de uma legislatura ultra-conservadora abalada por investigações de corrupção incontroláveis.

Essa transição ilumina as fraquezas estruturais da democracia brasileira. Os congressistas conservadores que conduziram o processo de impeachment foram, de fato, apoiadores chave de Rousseff, e de todos os outros presidentes do Brasil desde o final da ditadura em 85. Sem o seu apoio, a maioria do governo no parlamento seria impossível. Com a chegada de Temer ao poder, essa coleção de forças ultra-conservadoras e corruptas finalmente alcançou o controle hegemônico dos braços executivo e legislativo.

Mesmo com o cuidadoso rearranjo de forças no parlamente e o apoio entusiasta da mídia tradicional brasileira (em sua maioria controlada por políticos), é difícil acreditar que Temer irá gozar de um clima calmo como o que deve encontrar na China. Investigações judiciais de corrupção ainda estão em andamento e ameaçam Temer pessoalmente e seus mais diretos aliados, e a polarização política continua alta no Brasil.

O impeachment de Rousseff deixará cicatrizes profundas na vida política e institucional. O país não somente será liderado por uma liderança artificial; a nova coalizão vem ao poder impondo uma mudança radical à direita que foi derrotada em quatro eleições anteriores. Reformas legislativas serão feitas pela nova liderança para prejudicar as leis que protegem os trabalhadores, severamente restringindo gastos obrigatórios da saúde e educação nas próximas décadas como solução mágica para restaurar a confiança global na economia do país. O parlamento também está à beira de concluir um fluxo de medidas prejudicando direitos em áreas críticas como a defesa de terras indígenas e do meio ambiente, bem como ameaçando direitos sexuais e reprodutivos.

A crise brasileira não é única. Talvez como uma consequência do fracasso econômico global de 2008, forças políticas tradicionais de todas as regiões estão agora lidando com altos níveis de insatisfação e batalhando com vozes estridentes e movimentos. Em alguns lugares, essa nova onda está resultando em violência e danos sérios ao estado de direito e à democracia.

No Brasil está claro que a crise política e econômica combinadas estão oferecendo uma oportunidade de ouro para uma aliança ultra-conservadora retomar o controle do poder e demolir parte do legado da breve experiência democrática. Tal fim dramático do que já foi pensado ser uma das poucas experiências positivas de liderança de esquerda no sul global irá certamente ressoar para além das fronteiras, particularmente na América do Sul. As tarefas de promover a democracia e os direitos humanos em uma sociedade extremamente desigual são bem mais complexas do que o Brasil já fez o mundo acreditar.

Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR

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