segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Sim ou não: colombianos votam em plebiscito sobre acordo de paz com as FARC


Sim ou não: colombianos votam em plebiscito sobre acordo de paz com as FARC


O que pensam os colombianos sobre o acordo de paz assinado nesta semana? Como justificam seus votos no plebiscito deste domingo?
A Colômbia vota neste domingo (02/10) o plebiscito que irá referendar, ou não, o acordo de paz negociado com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias Colombianas) nos últimos quatro anos em Havana, Cuba, e assinado na segunda-feira (26/09) pelo presidente do país, Juan Manuel Santos, e o comandante da guerrilha, Timoléon “Timochenko” Jiménez.
Para que o resultado do plebiscito valide ou desqualifique o acordo de paz, a Corte Constitucional colombiana determinou que é preciso que pelo menos 13% do censo eleitoral vá às urnas. Isso quer dizer que pelo menos 4,5 milhões dos quase 35 milhões eleitores em potencial precisam votar, a favor ou contra o acordo, para que o resultado seja acatado pelo governo do país e pelas FARC — que já se comprometeram a aceitar o que a população decidir.

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Pesquisas recentes apontam para uma ligeira vantagem do sim. Segundo um levantamento de terça-feira (27/09) da companhia Datexco, de todos os entrevistados, 67,1% disseram que irão às urnas neste domingo. Desse total, 55% afirmou que votará a favor do acordo de paz.
Professor Antonio Abello votará sim
Professor Antonio Abello votará sim
“Por que alguém votaria não?”, questiona o professor Antonio Abello, de 54 anos. “Por que alguém seria contrário ao acordo de paz? Eu entendo que o acordo não é perfeito, mas temos que dar um basta. As marcas do conflito ficarão como cicatrizes por muito tempo, mas já basta, mesmo que isso signifique engolir a anistia em troca do fim da matança. Já pagamos um preço suficientemente alto”, disse ele a Opera Mundi.
Abello, que vive no Brasil há 38 anos, é um dos quase 600 mil colombianos que não moram na Colômbia, mas que poderão votar no plebiscito deste domingo. Segundo as autoridades, serão montados 203 postos com 1.372 mesas de votação em 64 países diferentes para que colombianos morando no exterior possam participar do plebiscito.
Dana Duarte, de Bogotá, votará sim
Dana Duarte, de Bogotá, votará sim
Apesar de votar sim neste domingo, o professor afirma que existem pontos do acordo que ainda devem ser esclarecidos. Relembrando o M-19 (Movimento 19 de Abril, uma guerrilha urbana), cujos membros foram assassinados quando teve início os diálogos de paz com o governo colombiano, Abello diz não estar claro “como o governo vai garantir que esses guerrilheiros tenham segurança” a fim de impedir que o acordo seja rompido por retaliações às FARC.
A designer de UX (Experiência do Usuário em softwares e aplicativos) de 26 anos, Dana Duarte, de Bogotá, também votará sim. Para ela, o acordo de paz é uma oportunidade para o desenvolvimento da Colômbia, visto que o dinheiro que era gasto no combate à guerrilha poderá ser revertido para investimentos no país.
Em 2012, quando começaram as negociações de paz, uma pesquisa encomendada pela BBC Brasil mostrou que cerca de 3% do PIB anual da Colômbia (R$ 20 bi, na época) era utilizado na guerra com as FARC.

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“Na Colômbia, durante muitos anos foi perdido tempo, esforço e dinheiro em uma guerra sem fim. E, apesar de [o acordo] dar benefícios aos guerrilheiros, a população vai poder se beneficiar da tranquilidade de viver em um ambiente de paz”, afirmou Duarte a Opera Mundi.
O economista Daniel Garavito votará sim
O economista Daniel Garavito votará sim
A posição dela é reforçada pelo economista de 25 anos de Bogotá Daniel Garavito. “O acordo é mais barato do que continuar a guerra. O pós-conflito é muito mais barato que o investimento na milícia do país [que combate as FARC]”, disse ele.
Assim como o professor Abello, tanto Garavito quanto Duarte têm ressalvas com relação ao acordo. Para Duarte, por exemplo, os guerrilheiros das FARC deveriam ser condenados à prisão. “Muitos cometeram crimes de lesa humanidade atrozes que deveriam gerar penas de até 30 anos de prisão”, afirma.
Entretanto, rebate Garavito, “o verdadeiro ponto da paz não é ter eles [guerrilheiros] trancados nas prisões, mas conseguir a verdade, a reparação material das vítimas. Vai ter justiça sim”.
Uma das obrigações que prevê o acordo de paz é a indenização, por parte das FARC, às vítimas civis da guerrilha. Também será criado um "tribunal para a paz" para investigar e julgar os crimes cometidos durante o conflito. Aqueles que cooperarem com as investigações ou admitirem seus crimes poderão pagar suas penas com trabalho comunitário e mobilidade reduzida. Quem, por outro lado, protelar ou negar uma confissão poderá enfrentar penas de pelo menos cinco anos de prisão.
Julián Echeverrí, de Medellín, votará não
Julián Echeverrí, de Medellín, votará não
“Isso é mentira”, afirmou o coach quântico e ativista, natural de Medellín, Julián Jaramillo Echeverrí, de 19 anos, a Opera Mundi. “Como tudo na Colômbia, esse tribunal está comprado, assim como o [resultado do] plebiscito”.
Echeverrí faz parte do grupo de cidadãos colombianos que votará contra o acordo de paz neste domingo. Para ele, é uma “falta de respeito que o governo negocie em nível de igualdade de condições com um grupo terrorista".

"É uma vergonha que os máximos comandantes de delitos de lesa humanidade não sejam presos. É uma grosseria que um grupo que vem matando e sequestrando nossos indígenas, camponeses e militares gozem de mais privilégios que todas as vítimas de seus atos de lesa humanidade”, disse.
Porém, afirma Echeverrí, o fato de votar contra o acordo não significa que ele não seja a favor da paz. “Nós que votamos pelo não também queremos a paz, mas não a paz que o presidente Santos está assinando. Queremos uma paz justa, onde todos os guerrilheiros paguem por seus delitos e as vítimas sejam reparadas”, disse.
É o que pensa também o administrador de empresas de 44 anos Luis Enrique Hernandez Becerra, de Bogotá, “Obviamente queremos a paz”, afirmou.
“Eu não estou de acordo com algumas das condições que se estão colocando para que os guerrilheiros abandonem as armas. Não são justas com quem sofreu com o conflito”, disse ele aOpera Mundi.

Agência Efe

Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, dá as mãos para comandante das FARC, Timoléon Jiménez, após assinatura do acordo de paz
Becerra acredita que não haverá justiça para as vítimas e que é perigoso reinserir na sociedade pessoas que “só sabem matar”.
“A justiça não é equitativa. Ou seja, uma pessoa que é pega roubando um pão para alimentar sua família, por exemplo, é condenada a três anos de prisão, e os guerrilheiros não vão ser condenados a nem um só dia. Além disso, essas pessoas que vão ser inseridas na sociedade, o que elas sabem fazer? Nunca tiveram uma educação formal. Só sabem matar e roubar. Haverá um aumento da violência nas cidades que os receberem”, afirmou o administrador.
Um dos itens do acordo de paz determina que os ex-combatentes das FARC tenham sua transição para a vida civil facilitada. Essa facilitação virá na forma de programas de desenvolvimento educacional e profissional e um subsídio do governo de quase 2.440 euros (cerca de R$ 3.700) para quem abandonar as armas.
O engenheiro Fredy Bolívar votará não
O engenheiro Fredy Bolívar votará não
“Abandonar as armas?”, questionou, por sua vez o engenheiro de sistemas de 49 anos, Fredy Bolívar. “Não existe isso. Segundo o acordo eles devem deixar as armas, mas não é assim que vai acontecer”, disse ele a Opera Mundi.
“Nosso presidente entregou o país a criminosos que devem ser responsabilizados por seus delitos de lesa humanidade. Por favor, o terrorismo não tem fala em uma negociação”, afirmou Bolívar.
Além disso, de acordo com Becerra, o governo falhou na forma como convocou o plebiscito, que pergunta se a população concorda ou não com o acordo de paz — cujas únicas respostas possíveis são sim ou não, de modo que ou se aceita todas as partes do acordo ou nenhuma delas.
“Não tenho dúvidas de que o sim vai ganhar, mas eu queria votar em cada item, pois não aceito o todo. Sem dúvidas que isso demoraria mais tempo, mas não se pode resumir uma coisa tão grande em uma pergunta tão simples”, afirmou ele.
Acordo de paz
Outros pontos que prevê o acordo de paz que será votado neste domingo são reforma agrária, em que o governo cederá 3 milhões de hectares de terras improdutivas ou confiscadas para as FARC; desarmamento; participação política, em que a agora ex-guerrilha terá direito a pelo menos cinco cadeiras no Parlamento colombiano; e combate ao tráfico de drogas.
As FARC e o governo colombiano anunciaram o fim das negociações de paz, que duraram quatro anos, no dia 24 de agosto em Havana, capital de Cuba. O texto final do acordo foi entregue ao Congresso Nacional colombiano no dia seguinte e foi assinado definitivamente por Santos e o líder das Farc, Timoleón Jimenez, no dia 26 de setembro.
No dia 29 de agosto, já havia sido ordenado um cessar-fogo definitivo, tanto por parte das forças oficiais quanto das FARC, encerrando o conflito armado entre o governo e a guerrilha. O cessar-fogo bilateral, porém, foi assinado em junho e era um dos pontos mais complexos do acordo e que abriu caminho para a conclusão das negociações. As condições sobre como seria a anistia aos guerrilheiros, sua futura participação política e reincorporação à vida civil foram os últimos temas a serem acordados.
Agência Efe

Durante Conferência das FARC, guerrilheiros aprovaram acordo de paz
Em janeiro, os dois lados concordaram que a ONU participasse com monitoramento do processo de cessar-fogo e da resolução das eventuais disputas que possam surgir com a desmobilização de pelo menos 7 mil guerrilheiros armados.
Em agosto, foram anunciados os critérios para escolha dos juízes que atuarão na Jurisdição Especial para a Paz, um tribunal estabelecido no processo de diálogo entre as partes e que julgará delitos cometidos durante o conflito entre a guerrilha e as forças colombianas.

O conflito entre diversas guerrilhas, entre elas as FARC, e o governo colombiano deixou mais de 220 mil mortos e pelo menos um milhão de pessoas desalojadas desde 1964. O governo Santos e as FARC estão desde 2012 negociando um acordo de paz que dê fim ao conflito entre as duas partes e trate de justiça e reparação para as vítimas e de reinserir as pessoas envolvidas na guerrilha na sociedade civil.

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