01/11/2016 18:23 - Copyleft
Norberto Martins, Social EuropeAusteridade no Brasil: passos em direção ao abismo
Em 2015, o Brasil começou a implementar uma política fiscal baseada na austeridade, seguindo o caminho de muitos países europeus
Em 2015, o Brasil começou a implementar uma política fiscal baseada na austeridade, seguindo, com alguns anos de atraso, o caminho que muitos países europeus, como a Grécia, Portugal e Espanha, entraram logo após a crise financeira internacional de 2008.
Na Europa, os resultados da dessa escolha política são bem conhecidos. Como resumido por Joseph Stiglitz, em uma entrevista recente, quando a Troika 'começou a insistir por mais e mais austeridade, as economias se fragilizaram, as receitas tributárias diminuíram, e anos depois a posição fiscal desses países e a sustentabilidade da dívida são ainda piores do que quando começaram'.
A Europa pode ter fornecido uma experiência pedagógica para outros países, mas os legisladores brasileiros esqueceram todas as lições que a crise da zona do euro ensinaram sobre austeridade e suas consequências. Depois de nove quadrimestres de depressão econômica, a nova administração brasileira de Michel Temer está reforçando a austeridade como “O” remédio para tratar a crise econômica brasileira.
Os paralelos com a experiência européia são muitos, do diagnóstico ao remédio – e a retórica é idêntica. Um artigo recente de Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial, entitulado “A Saída para o Brasil”, estabelece o diagnóstico que o desregramento fiscal e o crescimento anêmico da produtividade são há as vulnerabilidades econômicas do Brasil de há muito tempo. Ele argumenta que a única opção real para restaurar o crescimento econômico é enfrentar essas fragilidades 'estruturais'. Ele também afirma: “políticas anti-cíclicas não são uma opção; simplesmente não há espaço monetário ou fiscal suficiente”.
Ao analisar essa retórica, três questões vêem em mente. Políticas anti-cíclicas não são uma opção mas a austeridade fiscal é uma opção real para restaurar o crescimento econômico? Não há espaço 'monetário disponível' ao Banco Central brasileiro? Se a depressão perdurar, como a produtividade irá crescer?
Sobre as políticas de austeridade, o argumento de Canuto reproduz a visão convencional de que a restrições fiscais irão reviver o crescimento econômico. Em um nível empírico, a experiência européia mostra claramente que a austeridade fiscal é uma descida para o abismo da recessão/depressão econômica. No front teórico, trabalhos macroeconômicos recentes estão desafiando abertamente essa visão – e não estamos falando sobre trabalhos de economistas heterodoxos.
Os membros do Fundo Monetário Internacional, Ostry, Lungani e Furceri, salientam em um artigo recente que as “políticas de austeridade não somente geram custos substanciais de bem estar devido a canais no lado da oferta, mas também prejudicam a demanda – piorando o emprego e desemprego”.
Então, se políticas fiscais restritivas têm efeitos prejudiciais na produção e no emprego, como a austeridade irá restaurar o crescimento econômico? Na prática, como a experiência brasileira e a européia mostram, só piora as coisas. A tentativa da ex-presidente, Dilma Rousseff, em promover uma restrição fiscal no início do seu segundo mandato somente contribuiu para a deterioração da posição fiscal do governo brasileiro e dos níveis de atividade econômica.
Além disso, um ajuste fiscal que vem com uma reforma da previdência certamente irá aumentar a vulnerabilidade da população sem nenhum benefício previsto de crescimento. Os benefícios da seguridade social são relevantes não somente na lógica econômica, mas também em estabelecer os padrões de vida das pessoas, ajudando a diminuir a pobreza e a aumentar a mobilidade social.
Nossa segunda questão é mais simples: como não há espaço monetário em uma economia que está constantemente no topo da classificação mundial de taxas de juros nominais (e reais)? Enquanto os EUA e a Europa estão flertando com zero taxas de juros e outros países estão atravessando a fronteira do zero e, mesmo, experimentando taxas negativas, o Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil continua com uma taxa nominal de 14% por ano (cerca de 5% em termos reais).
O PIB do Brasil está caindo (-4.9% ano após ano), o desemprego está subindo (mais de 11%) e o Banco Central insiste em uma política excessivamente conservadora, não fornecendo 'apoio monetário' para a economia. “Mas a inflação está alta”, podem dizer. Sim, o índice de preços do consumidor está agora em cerca de 8.5%, considerados os últimos 12 meses. Contudo, não há sutentação que fundamente uma inflação de demanda em uma economia em recessão, na qual o PIB se contraiu nos últimos seis quadrimestres. A inflação no Brasil é uma mistura de mecanismos de indexação com inflação de custos, portanto pode-se dizer que há espaço para reduzir a taxa de juros.
Taxas de juros menores podem ajudar a reavivar o crescimento de demanda agregada, mesmo que seus efeitos sejam mais relevantes em outros aspectos: pode resultar numa trajetória mais suave da dívida pública, melhorando o quadro fiscal do governo brasileiro, e as empresas brasileiras poderiam se beneficiar de melhor condição financeira, permitindo que sejam restaurados seus “colchões de segurança” em termos mais favoráveis.
Em terceiro lugar, é muito difícil ver como a produtividade irá crescer sem a restauração da demanda agregada e do crescimento econômico. Muitos economistas brasileiros defendem 'reformas estruturais' afim de promover ganhos na produtividade, mas as evidências mostram que a produtividade está conectada ao crescimento econômico. Quando a economia brasileira estava melhor, a produtividade cresceu muito. Quando a atividade econômica desacelerou, a produtividade começou a cair, da mesma forma.
Enquanto a retórica da austeridade ganha terreno, o Financial Times salienta que “o Brasil foi de pária global entre os investidores a favorito do mercado emergente em menos de 12 meses”. Os preços dos bens brasileiros aumentaram mas, como dizem os analistas do mercado financeiro, quem está aumentando os preços é a política e não a economia. Em outras palavras, investidores estão endossando a orientação de alinhamento ao mercado e os planos de austeridade de Temer.
Nossa história econômica tem muitos exemplos mostrando que o Brasil caiu de queridinho para rejeitado dos investidores e vice-versa. A euforia neoliberal de meados dos anos 90 levou a uma crise na moeda em 1998. O entusiasmo recente dos investidores pelo Brasil pode estar sujeito a mudanças violentas como resultado de retrocessos políticos e fraco desempenho econômico– a austeridade, em particular, se relaciona com o último.
Em uma situação de crescimento anêmico de demanda, o Congresso brasileiro está prestes a aprovar uma proposta de emenda constitucional que congela os gastos do governo por 20 anos. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados; o Senado irá votar em novembro. Reformas da previdência e do mercado de trabalho vêem em seguida.
Por último, mas não menos importantes, essas medidas surgem em um contexto no qual o novo braço executivo brasileiro não tem a legitimidade eleitoral para implementá-las. Não estamos somente olhando para o abismo, estamos também andando em direção a ele.
Na Europa, os resultados da dessa escolha política são bem conhecidos. Como resumido por Joseph Stiglitz, em uma entrevista recente, quando a Troika 'começou a insistir por mais e mais austeridade, as economias se fragilizaram, as receitas tributárias diminuíram, e anos depois a posição fiscal desses países e a sustentabilidade da dívida são ainda piores do que quando começaram'.
A Europa pode ter fornecido uma experiência pedagógica para outros países, mas os legisladores brasileiros esqueceram todas as lições que a crise da zona do euro ensinaram sobre austeridade e suas consequências. Depois de nove quadrimestres de depressão econômica, a nova administração brasileira de Michel Temer está reforçando a austeridade como “O” remédio para tratar a crise econômica brasileira.
Os paralelos com a experiência européia são muitos, do diagnóstico ao remédio – e a retórica é idêntica. Um artigo recente de Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial, entitulado “A Saída para o Brasil”, estabelece o diagnóstico que o desregramento fiscal e o crescimento anêmico da produtividade são há as vulnerabilidades econômicas do Brasil de há muito tempo. Ele argumenta que a única opção real para restaurar o crescimento econômico é enfrentar essas fragilidades 'estruturais'. Ele também afirma: “políticas anti-cíclicas não são uma opção; simplesmente não há espaço monetário ou fiscal suficiente”.
Ao analisar essa retórica, três questões vêem em mente. Políticas anti-cíclicas não são uma opção mas a austeridade fiscal é uma opção real para restaurar o crescimento econômico? Não há espaço 'monetário disponível' ao Banco Central brasileiro? Se a depressão perdurar, como a produtividade irá crescer?
Sobre as políticas de austeridade, o argumento de Canuto reproduz a visão convencional de que a restrições fiscais irão reviver o crescimento econômico. Em um nível empírico, a experiência européia mostra claramente que a austeridade fiscal é uma descida para o abismo da recessão/depressão econômica. No front teórico, trabalhos macroeconômicos recentes estão desafiando abertamente essa visão – e não estamos falando sobre trabalhos de economistas heterodoxos.
Os membros do Fundo Monetário Internacional, Ostry, Lungani e Furceri, salientam em um artigo recente que as “políticas de austeridade não somente geram custos substanciais de bem estar devido a canais no lado da oferta, mas também prejudicam a demanda – piorando o emprego e desemprego”.
Então, se políticas fiscais restritivas têm efeitos prejudiciais na produção e no emprego, como a austeridade irá restaurar o crescimento econômico? Na prática, como a experiência brasileira e a européia mostram, só piora as coisas. A tentativa da ex-presidente, Dilma Rousseff, em promover uma restrição fiscal no início do seu segundo mandato somente contribuiu para a deterioração da posição fiscal do governo brasileiro e dos níveis de atividade econômica.
Além disso, um ajuste fiscal que vem com uma reforma da previdência certamente irá aumentar a vulnerabilidade da população sem nenhum benefício previsto de crescimento. Os benefícios da seguridade social são relevantes não somente na lógica econômica, mas também em estabelecer os padrões de vida das pessoas, ajudando a diminuir a pobreza e a aumentar a mobilidade social.
Nossa segunda questão é mais simples: como não há espaço monetário em uma economia que está constantemente no topo da classificação mundial de taxas de juros nominais (e reais)? Enquanto os EUA e a Europa estão flertando com zero taxas de juros e outros países estão atravessando a fronteira do zero e, mesmo, experimentando taxas negativas, o Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil continua com uma taxa nominal de 14% por ano (cerca de 5% em termos reais).
O PIB do Brasil está caindo (-4.9% ano após ano), o desemprego está subindo (mais de 11%) e o Banco Central insiste em uma política excessivamente conservadora, não fornecendo 'apoio monetário' para a economia. “Mas a inflação está alta”, podem dizer. Sim, o índice de preços do consumidor está agora em cerca de 8.5%, considerados os últimos 12 meses. Contudo, não há sutentação que fundamente uma inflação de demanda em uma economia em recessão, na qual o PIB se contraiu nos últimos seis quadrimestres. A inflação no Brasil é uma mistura de mecanismos de indexação com inflação de custos, portanto pode-se dizer que há espaço para reduzir a taxa de juros.
Taxas de juros menores podem ajudar a reavivar o crescimento de demanda agregada, mesmo que seus efeitos sejam mais relevantes em outros aspectos: pode resultar numa trajetória mais suave da dívida pública, melhorando o quadro fiscal do governo brasileiro, e as empresas brasileiras poderiam se beneficiar de melhor condição financeira, permitindo que sejam restaurados seus “colchões de segurança” em termos mais favoráveis.
Em terceiro lugar, é muito difícil ver como a produtividade irá crescer sem a restauração da demanda agregada e do crescimento econômico. Muitos economistas brasileiros defendem 'reformas estruturais' afim de promover ganhos na produtividade, mas as evidências mostram que a produtividade está conectada ao crescimento econômico. Quando a economia brasileira estava melhor, a produtividade cresceu muito. Quando a atividade econômica desacelerou, a produtividade começou a cair, da mesma forma.
Enquanto a retórica da austeridade ganha terreno, o Financial Times salienta que “o Brasil foi de pária global entre os investidores a favorito do mercado emergente em menos de 12 meses”. Os preços dos bens brasileiros aumentaram mas, como dizem os analistas do mercado financeiro, quem está aumentando os preços é a política e não a economia. Em outras palavras, investidores estão endossando a orientação de alinhamento ao mercado e os planos de austeridade de Temer.
Nossa história econômica tem muitos exemplos mostrando que o Brasil caiu de queridinho para rejeitado dos investidores e vice-versa. A euforia neoliberal de meados dos anos 90 levou a uma crise na moeda em 1998. O entusiasmo recente dos investidores pelo Brasil pode estar sujeito a mudanças violentas como resultado de retrocessos políticos e fraco desempenho econômico– a austeridade, em particular, se relaciona com o último.
Em uma situação de crescimento anêmico de demanda, o Congresso brasileiro está prestes a aprovar uma proposta de emenda constitucional que congela os gastos do governo por 20 anos. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados; o Senado irá votar em novembro. Reformas da previdência e do mercado de trabalho vêem em seguida.
Por último, mas não menos importantes, essas medidas surgem em um contexto no qual o novo braço executivo brasileiro não tem a legitimidade eleitoral para implementá-las. Não estamos somente olhando para o abismo, estamos também andando em direção a ele.
Créditos da foto: Divulgação
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