Roberto Requião*
Vão dilapidar o que puderem e deixar uma
armadilha para tornar Brasil ingovernável, caso Dilma volte.
Houve quem se surpreendesse quando a
equipe econômica de Henrique Meirelles pediu autorização ao Congresso para
fixar uma nova “meta” fiscal extremamente folgada, uma meta de 170 bilhões de
reais. Afinal, o valor é o dobro da meta que a presidente Dilma pediu e que na
época foi considerado “irresponsabilidade fiscal” pela imprensa e pelo
Congresso.
O que Meirelles quer não é uma meta, é
uma autorização para gastar à vontade. Os tais 170 bilhões de reais certamente
correspondam ao maior déficit primário da nossa história, em valores correntes.
Muito estranho para um governo que foi alçado ao poder em meio a uma campanha
pela austeridade fiscal, a que Dilma, supostamente, era avessa.
Se a Dilma está sofrendo processo de
impeachment por ter dado as tais pedaladas, na ânsia de cumprir uma meta fiscal
muito ambiciosa, que sentido faz dar um imenso cheque em branco para o governo
interino?
Tanta incoerência explícita,
escancarada, tanto cinismo militante incomodam. As réguas e as regras que valem
para uma não valem para outros? R$ 96 bilhões de meta fiscal pedidos por Dilma
são irresponsabilidade, mas os R$ 170 bilhões pedidos por Temer transmudam-se
em virtude.
Enfim, considera-se normal que os
políticos, na luta pelo poder, façam pronunciamentos incoerentes, contraditórios.Desdizem
hoje com toda ênfase o que declaravam com fervor ainda ontem. Políticos que
queriam o impeachment diziam uma coisa antes. Agora dizem o contrário.
No entanto, o que mais assusta é que a
mídia, os economistas e “o mercado” finjam que não há incoerência, que não usam
dois pesos e duas medidas. Da crítica azeda, desaforada de antes ao entusiasmo
de hoje não decorreram sequer 30 dias.
Isso é grave, gravíssimo, pois indica
que faziam terrorismo com o déficit menor de antes e agora nem se importam com
o déficit muito maior. Enfim, ao que tudo indica os políticos, “o mercado” e
seus economistas investiram pesado, até mesmo sua credibilidade, para
viabilizar o impeachment e agora investem pesado para viabilizar o novo
governo.
Há anos, todo santo dia, estamos
acostumados a ler nos jornalões, a ver e ouvir na mídia monopolista que o
terror dos terrores para os economistas, para o mercado, para as agências de
risco, para os investidores, que o terror dos terrores para eles é o déficit
público crescente. Mas, agora, nada comentam sobre o crescimento exponencial
desse déficit proposto por Meirelles.
Isso significa que esperam ganhar algo
muito maior? O que será?
Antes de conjecturar sobre isso, faço
uma pequena explanação a respeito dos fatos já conhecidos, para entender as
estratégias que movem a atual equipe econômica:
A previsão de um déficit primário
colossal mostra que o governo interino está se preparando para adotar uma
espasmódica política fiscal contracíclica keynesiana só para 2016 para
recuperar a economia, mas supostamente revertendo em 2017. Porém, na prática,
para 2016 ao menos, será muito mais arrojada do que a estratégia fiscal adotada
por Dilma em seu primeiro mandato. Estratégia essa objeto de todos os tipos de
críticas e xingamentos por parte da imprensa, dos economistas de mercado e da
antiga oposição.
Se o governo busca adotar uma política
fiscal arrojada, infere-se que ele esteja disposto a usar todos os meios para
fazer a economia crescer, inclusive radicalizar aqueles meios usados por Dilma
e que foram a base para o horror que “o mercado” e a “elite” têm da presidente.
Mas isso seria considerado uma loucura,
que precipitaria a explosão da dívida pública, se não fosse esperado pelo
“mercado” uma redução abrupta e substantiva dos juros.
Como a duplicação da previsão de déficit
foi digerida amistosamente pelo “mercado”, a redução dos juros já está acertada
entre “equipe econômica” e “mercado”.
Porém, o governo é fraco e continua na
mão de todos que viabilizaram o impeachment. Isso significa que o “mercado”,
que se regozija com os juros altos, está ganhando em troca algo muito melhor.
O que seria? O Pré-Sal?A radicalização
das privatizações? A suspensão dos direitos trabalhistas e dos direitos
previdenciários? A apropriação de uma gorda fatia dos recursos que iriam para
Educação e Saúde? Tudo isso e um tanto mais. Na verdade, essas medidas já foram
anunciadas pelo governo interino. Então, para ganhar tais prebendas, o mercado
aceita a política fiscal contracíclica em 2016 e juros baixos. Esse é o pacto
de que tanto se fala nesse novo ambiente político, o “pacto entreguista”.
Mas isso não é muito impopular para ser
realizado por um governo interino? Sim. E pode não dar certo, e não dando certo
sempre existe a possibilidade da volta do governo eleito.
Nesse caso, a equipe econômica do
Meirelles estaria preparando uma armadilha para manterDilma amarrada aos
compromissos e políticas neoliberais propostas pelos interinos.
A armadilha chama-se “mecanismo de
fixação do teto da dívida” obrigando que os gastos públicos fiquem congelados
em 2017, em termos reais!
Sabemos que a trégua do “mercado” à
política fiscal irresponsável do governo interino se deve ao “pacto
entreguista”. No entanto, na mídia, Meirelles vende que a trégua do mercado se
deve à proposição do “mecanismo de fixação do teto da dívida”. Ou seja, o
“mercado” está dizendo: “Eu não me preocupo com o fato de Michel Temer ter um
déficit duas vezes maior do que Dilma, porque Meirelles vai aprovar no
Congresso um mecanismo que congela os gastos públicos em 2017, mesmo se Dilma
voltar ao governo”.
Se isso acontecer, o Estado e o país
ficarão ingovernáveis, no caso da volta de Dilma. Ou no mínimo, colocará Dilma
novamente de joelhos frente ao Congresso e ao dono do Congresso, a mídia.
Caso Dilma não volte, Temer fulmina essa
armadilha facilmente com o apoio que tem no Congresso, na mídia e no “mercado”.
Mas, antes disso, irão aprovar todo tipo
de entrega do país. E Dilma, caso volte, estaria tão fraca e tão à mercê do Congresso
que não poderia reverter nada e teria que dar continuidade e implementar as
políticas neoliberais de Meirelles.
O ex-ministro Nelson Barbosa já deu
indicações de que deve continuar a mesma política de Meirelles, caso volte,
pois, segundo ele, o que o governo interino está fazendo “não é novidade” e que
propostas que ele mesmo lançou em março, como ministro de Dilma, Meirelles está
anunciando agora.
Meirelles quer colocar o país entre o
fogo e a frigideira. Logo, precisamos combater essas medidas.
*Senador da República
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