sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

"Pacote” suspeito tira braço direito de Temer do governo. Perguntas de Eduardo Cunha começam a ser respondidas. Matheus Pichonelli24 de fevereiro de 2017

“O sr. José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?”
A pergunta foi levantada, no fim do ano passado, pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba por tentar obstruir a Lava Jato. Era endereçada, entre outros questionamentos, a Michel Temer, arrolado como testemunha de defesa do ex-presidente da Câmara, mas barrada pelo juiz Sergio Moro. O magistrado viu em parte das questões uma tentativa de constranger o presidente.
Yunes, advogado, é amigo de Temer e trabalhou como assessor especial do governo até meados do ano passado, quando o ex-executivo da Odebrecht Claudio Melo Franco disse em delação premiada que ele recebeu dinheiro vivo em seu escritório em São Paulo. Pouco depois, Yunes deixou o cargo para poder se defender.
A história voltou ao noticiário nesta semana após o advogado comparecer espontaneamente à Procuradoria-Geral da República para esclarecer o assunto. Yunes, na tentativa de se salvar, entregou outro braço-direito de Temer, num sinal de rompimento que pode ser interessante acompanhar pelos próximos capítulos.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o advogado disse ter sido usado como “mula” e jamais soube da origem ou do destino do recurso para campanhas. Garante ter atendido apenas um pedido do ministro Eliseu Padilha (foto), chefe da Casa Civil, para receber um “pacote”, de conteúdo desconhecido, em seu escritório, mas foi surpreendido quando apareceu no local o doleiro Lúcio Funaro, suspeito de ser o operador do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha em esquemas de corrupção.
Preso na Papuda, o doleiro é apontado como o elo de três investigações da PF, a Sépsis, Greenfield e Cui Bono?. Dele se espera detalhes sobre desvios e lavagem de dinheiro em grandes empresas suspeitas, por exemplo, de receber aportes da Caixa Econômica Federal e outras entidades públicas comandadas pelo grupo em troca de propina.
Resultado: no dia da denúncia, Padilha pediu licença do governo para tratar da saúde (na semana, a saúde também foi o motivo alegado pelo tucano José Serra, também citado na Lava Jato, para deixar o Planalto). 
Da lista de questões enviadas por Cunha de sua cela em direção ao Planalto, o que mais chama a atenção é que tanto o remetente quanto o destinatário sabem a resposta.
Quem não sabe somos nós, mas podemos captar alguns sinais.
Em sua delação, o citado ex-executivo da Odebrecht descreve uma reunião, ocorrida em 2014, em que o Temer pediu dinheiro para o PMDB a Marcelo Odebrecht, então presidente do grupo, e também preso nas investigações. Conseguiu R$ 10 milhões, dos quais R$ 6 milhões foram para a campanha do peemedebista Paulo Skaf ao governo de São Paulo e R$ 4 milhões para Padilha distribuir.
A conta do pato, quem diria, estava paga.
Yunes foi o receptor de R$ 1 milhão a pedido de Padilha, via Funaro. O valor coincide com o que o delator da Odebrecht disse ter sido destinado a Eduardo Cunha, o autor das perguntas.
Para não perder o fio: Skaf é o presidente da federação das indústrias que serviu de QG, com patos espalhados pelo Brasil inteiro, do impeachment. Cunha foi quem levou ao Congresso o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff em razão das chamadas pedaladas fiscais.
Na ocasião, um deputado do PMDB defendeu a anistia, pelos bons serviços prestados à nação, a Eduardo Cunha, que da cadeia tenta intimidar o agora presidente – palavras de Sergio Moro – e mostrar que são mais próximos do que Temer gostaria de dizer em público, apesar dos inúmeros encontros secretos entre eles antes da prisão.
O deputado era Osmar Serraglio (PMDB-PR), que acaba de ser indicado ao Ministério da Justiça, ao qual a Polícia Federal é subordinada. Serraglio ganhou o posto após uma série de medidas protelatórias na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para atrasar a cassação de Cunha, seu aliado.
No PMDB, o cobertor de uns é o rompimento com outros. Não se sabe o que Cunha achou da nomeação de um ex-aliado ao posto, mas a escolha parece ter magoado uma ala do PMDB de Minas, que se sentiu destratada e agora promete complicar a vida de Temer na votação de temas como a reforma da Previdência – em que pese a disposição do presidente de recriar um ministério para abrigar a ala insatisfeita.
Menos de um ano após o impeachment, o critério para distribuição de cargos, explicitada em palestra de Padilha para empresários, segue o jogo do toma-lá-dá-cá, com a proposta de criação de postos para atender tanto apetite, o que até ontem levava uma multidão às ruas sobre o lombo dos patos infláveis. As respostas sobre distribuição de recursos, porém, seguem abertas, embora as pistas para bons entendedores tenham sido desenhadas por bons achacadores – Cunha é um.
Em tempo: na mesma semana em que ao menos uma pergunta do ex-deputado parece ter sido respondida e um antigo aliado foi promovido a ministro da Justiça, a PF deu início a uma nova fase da Lava Jato. O alvo é o engenheiro e lobista (não sei se nessa ordem) Jorge Luz, apontado como um dos principais operadores de propina do PMDB. Ele é suspeito de movimentar US$ 40 milhões em propina a políticos e funcionários da Petrobras em dez anos, a maioria direcionada a senadores peemedebistas.
Direto de um mundo paralelo, há quem garanta que o presidente está convicto da elevação de sua popularidade com base nos números da economia.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 

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