Pânico geral
entre as elites do mundo
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Alarmados, angustiados, traumatizados,
confusos, petrificados, lívidos… É difícil encontrar um qualificativo que
reflita o estado de espírito dos dirigentes euro-atlânticos e da imprensa que
lhe é fiel no momento em que Donald Trump acede à Casa Branca.
E que dizer dos punhados de “inocentes
úteis” (conforme a fórmula outrora atribuída a Lênin) que, em Berlim, Paris ou
Londres, desfilaram com o delicioso slogan: “Este
não é meu presidente”… O que dizer se isto não é o apontar de uma linha
de fratura fundamental que se esboça progressivamente tanto em numerosos países
europeus quanto nos Estados Unidos, assim como em outros lados do mundo: entre
camadas médias mais abastadas, urbanas, intelectuais e almejando a
mundialização, e uma classe operária que sofre desprezo e atomização desde há
décadas.
Entre os primeiros que pensam em
“valores” e os segundos em “interesses”, mesmo na sobrevivência social pura e
simples. Entre, de um lado, aqueles que se mobilizam “contra o ódio” (!) e, do
outro, aqueles que se mobilizam pelo emprego. Simplificação excessiva? Talvez.
Mas esta polarização de classe que emerge não está senão no princípio. E tanto
melhor se os segundos recuperam esta dignidade, esta existência e estes papéis
coletivos que lhes foram negados pelos cantores da globalização econômica e
também ideológica.
Ouçamos estes últimos. “É o fim do
mundo!”, lamentou-se Manuel Valls (BFMTV 16/01/17), que não se referia aos
resultados da primária socialista e sim à perspectiva de uma “aliança entre
Trump e Putin”. “Donald Trump está decidido a destruir o projeto europeu”,
espantava-se o editorial de Libération (18/01/17). E Le Monde (19/01/17) tocava
o sinal de alarme: “O presidente dos Estados Unidos lançou-se numa operação
deliberada de desestabilização da Alemanha (…) é toda a Europa que é atacada”.
A Europa está confrontada com um dos
“maiores desafios destas últimas décadas” alerta por sua vez Angela Merkel. O
comissário europeu Pierre Moscou choca-se: “Tem-se uma administração americana
que deseja o desmantelamento da União Europeia, isto não é possível!”. Quanto
ao secretário de Estado americano cessante, ele exortou a nata das elites
mundializadas reunida em Davos a “recordar porque fizemos juntos esta viagem de
70 anos”. John Kerry parece assim evocar o eixo euro-atlântico… no passado.
Este pânico geral – que não se pode
deixar de saborear – é compreensível. Pois, numa entrevista publicada alguns
dias antes da sua posse, Donald Trump confirmou os elementos que já faziam
tremer tanto os governantes da União Europeia como o establishment de
Washington durante a sua campanha eleitoral. Ora, como observou o
primeiro-ministro francês Manuel Valls, decididamente inspirado, “esqueceu-se
que um populista pode querer por em ação o seu programa”.
Será este o caso com o novo hóspede da
Casa Branca?
Por enquanto, deve-se manter a
prudência. Mas se o senhor Trump passa, ainda que apenas parcialmente, das
palavras aos atos, então sim, isto será mesmo o fim de um mundo, o início de
uma mudança de era histórica.
Pois o que disse o bilionário na
entrevista publicada pelo jornal alemão Bild e pelo inglês The Times? Que o
Reino Unido foi “inteligente” ao abandonar a União Europeia; que este não era
senão o “veículo da potência alemã”; que esperava que muitos outros Estados
imitassem o Brexit; que se rejubilava em preparar um acordo comercial separado
com Londres; que o livre comércio mundial (portanto o TTIP, nomeadamente) era
doravante caduco; que à indústria automobilística alemã poderia muito bem serem
impostos importantes direitos alfandegários se isso encorajasse o emprego nos
Estados Unidos; e que a chanceler havia cometido um “erro catastrófico” com a
sua política de portas abertas aos refugiados.
Pior – ou melhor: o presidente americano
confirmou que considerava a OTAN “obsoleta” e que um grande acordo com Moscou
tendo em vista o desarmamento nuclear “seria de interesse de muita gente”; e
que, consequentemente, as sanções contra a Rússia poderiam ser postas em causa.
Mobilizando todo o seu sentido da retórica, o secretário-geral da Aliança
Atlântica diz-se “preocupado”. Le Monde enraivecia-se já no fim de Dezembro
(22/12/16): o senhor Trump “quer ser o homem da renovação industrial americana,
não o xerife de uma ordem democrática ocidental para manter e propagar”.
Imperdoável! Em Davos, Joseph Biden, ainda vice-presidente americano durante
dois dias, lançou um apelo desesperado para “salvar a ordem liberal
internacional”…
Dezesseis antigos chefes de Estado ou de
governo e ministros – essencialmente dos países da Europa – haviam, pouco
antes, alertado contra o perigo maior de um reaquecimento das relações com a
Rússia: “a confiança e a amizade seriam um grave erro”, escreviam sem piscar.
Será preciso então estranhar a histeria
crescente contra a Rússia? Moscou é confusamente acusada de promover (com êxito
crescente) a sua mídia focada no Ocidente, de invadir as redes sociais com
falsas notícias e piratear os computadores das instituições ocidentais. Segundo
a CIA, a NSA e o FBI – e Deus sabe que estas nobres chafaricas não podem dizer
senão a verdade – Vladimir Putin teria assim influenciado a eleição americana
em favor do seu favorito e, certamente, aberto a champanhe.
Retransmitido por Arte (06/01/13), o
grande chefe demissionário da informação, James Clapper, fez uma declaração
assim: “Os russos têm uma longa experiência de ingerência eleitoral, quer se
trate dos seus próprios escrutínios ou os dos outros”. Humor involuntário?
E assim, o hóspede do Kremlin estaria se
preparando para levar pela mão os eleitores holandeses, franceses, depois os
alemães, que comparecerão às urnas em 2017, para que tantos uns como outros
escolhessem formações contra a União Europeia (ou consideradas como tal).
Pois, evidentemente, sem estas sombrias
manobras, os cidadãos estariam entusiasmados para plebiscitar uma União
Europeia cada vez mais popular e legítima.
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