A verdade toda ainda não foi exposta à luz do dia. E o ciclo político chega ao fim sem que um novo esteja anunciado.
Temer debate a Previdência com seus aliados.Projeto contraria o interesse das massas
Não obstante o natural choque político-emocional provocado, a
tonitruante ‘Lista de Fachin’, desdobramento da ansiada segunda ‘Lista de
Janot’, revela, pura e simplesmente (o que não é pouco, registre-se), a
promiscuidade entre os interesses privados e o interesse público, subsumido
este pelo poder econômico, dominante e insaciável, que controla o Estado e a
política, constrói o imaginário coletivo, senhor que é dos meios de comunicação
de massas – os quais, segundo a mesma lógica – controlam a produção e o consumo
dos meios simbólicos, ou seja, fazem, os “corações e mentes” da sociedade de
massas.
Criam uma “opinião pública” que é simplesmente a opinião
publicada, unilateral, comprometida, facciosa. Esta é uma das características
do capitalismo em todos os seus estágios, desde sempre e em toda a parte. Nos
EUA, no Japão, na Coreia do Sul, na Alemanha, em Angola, entre desenvolvidos e
subdesenvolvidos, entre colonizadores e colonizados.
O caso brasileiro presente talvez se distinga, tão-só, pelo
volume e extensão do assalto da ordem econômica privada sobre o Estado, ao
percorrer todas as instâncias da vida político-econômica e institucional,
imiscuindo-se em todos os poderes da República, ameaçando mesmo de abalo as
bases do regime democrático, atingido pelo desencanto popular. Tanto a
sociedade quanto os atores, tanto investigadores quanto investigados, porém,
sabem que a verdade toda ainda não foi exposta à luz do dia, pois muito ainda
há por revelar, e há que se revelar também aqueles conluios e aquelas negociatas,
os cartéis e as licitações pré-definidas, tudo segundo a “ética” do mercado.
Se essa “crise” não tem desfecho perceptível no horizonte
próximo, o único que podemos perscrutar,
há, todavia, uma convicção: está em curso, articulado pelo Ministério Público
Federal, pela Polícia Federal e por setores do Judiciário, com o apoio da mídia
– um processo de criminalização da política que, se não for desmontado,
desembocará na instalação de uma ditadura fascistóide. Esse risco ameaça toda
sociedade atacada pelo vírus da antipolítica, mas especialmente aquelas
democracias como a brasileira, sempre
instáveis, sempre jovens, sempre desarmadas aos ataques da violência
autoritária. Basta uma rápida revisão de nossa História recente.
O ‘tenentismo’, responsável por tantas rebeliões militares
(uma saga que nos levou até 1964) tinha como mote uma reação à desmoralização
da política e dos políticos, responsabilizados por todas as dores da
corruptíssima República Velha dos latifundiários e oligarcas. Foi ainda esse o
mote da ‘revolução’ de 1930 e do Estado Novo instaurado em 1937, e foi a
essência dos golpes de 1954, 1961 e de 1964. Em nenhum momento cuidaram os
revolucionários e os golpistas (nas fileiras militares, nos parlamentos e nas
páginas dos jornais) das raízes profundas das ‘crises morais’: a natureza do
nosso capitalismo – desde sempre caracterizado pela submissão a interesses
externos –, então ainda mais tosco do que este de hoje muito bem representado
pela FIESP, pelo rentismo, pela sonegação de impostos, pela corrupção ativa,
pelo controle do Estado.
Despolitizadas, as reações da sociedade, injuriada, são,
muitas vezes, conduzidas para projetos que contrariam seus interesses. Mas a
política, com todas as suas distorções, é ainda o espaço em que podem atuar as
forças populares. Daí os ataques, pois é no seu vazio que surgem os salvadores
da pátria. São, não por acaso, sempre, quadros da direita incensados em suas
trajetórias pelos grandes meios de comunicação de massas. Nossa história
republicana não pode esquecer-se de Jânio Quadros prometendo, vassoura em
punho, “varrer a corrupção” que assolava o País. Mais recentemente, outro
salvador da pátria, também condenando a política e os políticos, também
festejado pelos grandes meios de comunicação, Fernando Collor, instalou em
Brasília a “República de Alagoas” com o significado conhecido.
Como ilustração, relembre-se a ascensão de Berlusconi na
Itália que, lá atrás, já se havia encantado por Mussolini, tanto quanto a
Alemanha de Marx e Wagner encontraria em Hitler e no seu nazismo a saída para a
crise político-econômica.
O fastio popular ante o mesmismo de democratas e
republicanos, dizem os analistas, elegeu Donald Trump.
A Lava-Jato não encerra a crise brasileira que, sabe-se, é a
ela anterior. Os fatos novos simplesmente tornam mais visíveis suas
características e sua profundidade. O mérito da controversa ‘operação’ é o de
revelar o outro lado da crise política: a associação, óbvia no capitalismo,
entre o poder econômico e o poder político, este uma projeção daquele.
Alguns cenários de desdobramento da crise podem ser
desenhados. Cuidemos de dois, igualmente indesejáveis. Um, o aprofundamento da
crise, com o risco de seu desdobramento institucional. Desse tipo de crise
sabe-se como entram os países, nunca como deles saem. Quem pode antecipar o
futuro próximo da Venezuela? Sabe-se, porém, que é o povo-massa quem está
passando sob a marquise sempre que a democracia é derruída.
Outra hipótese de ‘saída’ cogitada abertamente pelos jornais
(vide a Folha de S.Paulo do último 13 de abril) é um acordão que estaria sendo
articulado por alguns príncipes da República. Essa alternativa, saliente-se, é
coerente com nossa história de conciliação pelo alto, negociada pelas ‘elites’,
segundo seus interesses. Vem sendo assim desde 1822. Seu saudável escopo, do
“acordão” de hoje, seria deter o avanço do conservadorismo; sua inutilidade é o
fato de simplesmente empurrar para debaixo do tapete a crise profunda da
democracia brasileira: a falência de sua representatividade, a ausência de
legitimidade de seus poderes e de seus atores.
O fato objetivo é que, com ou sem Lava-Jato, com ou sem
delações premiadas, estamos chegando ao fim de um ciclo político, sem que o
novo esteja anunciado. Nesse “ponto morto”, cumpre às forças progressistas
lutar pela incolumidade constitucional, assegurando-se o País das eleições
diretas e gerais de 2018, que, todavia, não podem realizar-se sob o império da
atual legislação. Tudo exige uma reforma política radical que, todavia, não
podemos esperar do atual Congresso, pois sua miséria é o fruto podre do atual
sistema. É preciso arregimentar todas as forças possíveis visando pressionar o
Poder Legislativo levando-o a um acordo com a sociedade de sorte que pelo menos
as mais graves distorções – e dentre elas sobreleva o financiamento privado das
eleições – sejam afastadas do pleito de 2018.
O vídeo que a Globo não divulgou. Consoante seu notório
partidarismo, que se revela em todas as suas manifestações, mas de especial no
jornalismo, o sistema Globo selecionou, dentre os vídeos que gravaram as
revelações premiadas dos delatores da Odebrecht, aqueles que deveriam ser
reproduzidos, aqueles que deveriam ser vistos de raspão e aqueles que deveriam
ser repassados mais de uma vez, e aqueles que deveriam ser simplesmente
ignorados. Dentre esses, está a delação de Emílio Odebrecht, o patriarca do
grupo, relatando a constituição, com a Globo, já na era FHC, de uma ‘sociedade
privada’ destinada a fazer lobby pela privatização da telefonia pública e pela
quebra do monopólio do petróleo. Diz ainda Emílio Odebrecht que os Marinhos
conheciam de cor e salteado as operações que se traficavam por debaixo dos
panos.
* Roberto Amaral é cientista político e
ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
Fonte: Blog
do Roberto Amaral
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