As responsabilidades históricas
Fernando Henrique Cardoso
Há quem pense que a política é como as
nuvens, move-se depressa e refaz incessantemente suas configurações. Talvez.
Contudo, nas democracias, a despeito do jogo político ser variável, existem regras
na Constituição que só se mudam seguindo os preceitos nela definidos. Quanto
mais haja agitação e incertezas, menos se devem buscar atalhos e mais seguir a
Constituição.
Escrevo este artigo antes de o Tribunal
Superior Eleitoral decidir sobre a nulidade da eleição da chapa Dilma-Temer.
Qualquer que seja o resultado provavelmente haverá recursos. Com eles, o tempo
de decisão se alongará e também a inquietação da sociedade. Os políticos
responsáveis sabem que qualquer arranjo político deve considerar suas
consequências para os 14 milhões de desempregados e, portanto, para o
crescimento da economia. Tampouco devem esquecer-se de que a população está
indignada com a corrupção sistêmica que atingiu os partidos, o governo e parte
das empresas. Portanto, chegou a hora de buscar o mínimo denominador comum que
fortaleça a democracia e represente um desafogo para o povo, aflito com a falta
de emprego e de renda. E indignado com a roubalheira.
É preciso dar continuidade às reformas
em curso no Congresso e às investigações do Ministério Público, da Polícia
Federal e do Judiciário. As reformas são essenciais para que a economia
prospere. As investigações, para a moralidade pública. As reformas não podem
visar apenas o equilíbrio fiscal. Há que olhar para as pessoas, avançar com
firmeza e com moderação para combater privilégios e atender ao que é justo. Na
reforma previdenciária, devido à continuada queda da taxa da fecundidade (já
abaixo de dois filhos por mulher) e o aumento da expectativa de vida depois de
se aposentar, impõe-se estabelecer idade mínima para a aposentadoria. Isso é o
mínimo para começar a resolver o problema das contas da Previdência. Essa regra
deve ser tão mais geral quanto possível, excetuando-se apenas os grupos mais
fragilizados da sociedade, a exemplo dos trabalhadores rurais, ou as categorias
profissionais que realizam tarefas que, por razões de saúde, justifiquem idades
menores para a aposentadoria.
Também a aprovação da reforma
trabalhista é fundamental. Acordos podem ser feitos e não serão “recuos” do
governo, mas ajustes necessários. Melhor que se façam por meio de veto
presidencial e/ou de edição de medidas provisórias novas para corrigir o que
for considerado desnecessário ou injusto do que com emendas no Senado que levem
o projeto de lei para o sem fim das dilações parlamentares. O povo e a economia
têm pressa.
A mesma clareza de posição se exige em
relação às investigações e processos criminais em curso. Nada de arranjos e
medidas casuísticas para beneficiar parlamentares e poderosos. Tampouco, por
outro lado, devem-se aceitar atos arbitrários que permitam um poder anular as
prerrogativas de outro. Prisões preventivas, quando necessárias, devem ter seus
motivos melhor explicados à sociedade e maior reflexão cabe sobre até que ponto
se justifica a concessão de prêmios eventualmente excessivos a quem delate
crimes de corrupção. É de Justiça que se precisa, não de vingança nem de
benesses.
Quem porventura pretenda resolver a
presente crise por meio de um conchavo encontrará na força das instituições, no
ativismo da mídia e na indignação do povo barreira às soluções inventadas, por
engenhosas que sejam. Na era da internet, o cochicho de bastidor perdeu força.
Então, que fazer?, pergunta clássica, de difícil resposta.
Primeiro, não desconhecer a gravidade da
crise política e as suas causas de fundo. Depois, por penoso que seja diante da
irritação vigente, não colocar o carro adiante dos bois. De que vale falar de
“sucessores”, antecipando-se a decisões que cabem ao Judiciário e que ainda não
foram tomadas? Propor eleições diretas é tentador, porque traz dividendos
políticos, mas inconsequente. Eleições diretas para cumprir um mandato tampão,
para quem? Só para presidente ou também para o Congresso? Se o TSE julgar
improcedente a ação que pede a nulidade das eleições de 2014, uma emenda
constitucional para antecipar eleições diretas representaria, neste caso sim,
um “golpe constitucional”. Se a decisão do TSE tornar vaga a Presidência, manda
a Constituição que a eleição do novo presidente seja indireta, feita pelo atual
Congresso. Se e quando se colocar a questão de um sucessor, a decisão deverá
ter apoio nos partidos, mas também na sociedade, posto que esta não aceita
silente o que vem “de cima”.
Não são questões banais. Por isso, é
preciso dar uma oportunidade de reflexão e, quem sabe, de revigoramento, a quem
está no governo. O PSDB não apelou “ao muro”, mas à prudência de um tempo maior
para que todos, colocando interesses partidários e pessoais em segundo plano,
possamos responder com desprendimento: o que é melhor para o Brasil? O tempo
urge, porém, pois o país exige respostas. Se houver manobras dilatórias no TSE,
o PSDB correrá o risco de coonestar o que o povo não quer e a economia não
suporta, ajudando o governo a empurrar a situação com a barriga?
Não desejo, nem prevejo que seja este o
curso dos acontecimentos. Disse no início do atual governo que ele atravessaria
uma pinguela, como o governo Itamar atravessou com minha ativa participação. O
governo Temer tem feito um esforço, até maior do que se imaginaria possível,
para rearranjar uma situação institucional e financeira desoladora, esta sim
uma “herança maldita”. Apoiei a travessia e espero que a pinguela tenha
conserto.
E se não? E se as bases institucionais e
morais da pinguela ruírem? Então caberá dizer: até aqui cheguei. Daqui não
passo. Torçamos para que não sejamos obrigados a tal. Se o formos, e o tempo
corre, assumamos nossas responsabilidades históricas com clareza diante do povo
e das instituições.
www.brasil247.com
Nota deste blogueiro: só reproduzo este artigo para que as pessoas vejam até onde vai o atraso de FHC.
Nota deste blogueiro: só reproduzo este artigo para que as pessoas vejam até onde vai o atraso de FHC.
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